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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 24 de outubro de 2013 (1)

Processo C-461/12

Granton Advertising BV

contra

Inspecteur van de Belastingdienst Haaglanden/kantoor Den Haag

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof ‘s-Hertogenbosch (Países Baixos)]

«Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado — Artigo 13.°, B, alínea d), pontos 3 e 5, da Sexta Diretiva 77/388/CEE — Isenção das operações relativas aos títulos e aos efeitos de comércio — Emissão de cartões de desconto»





I –    Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial diz uma vez mais respeito às dificuldades causadas por sistemas de distribuição complexos em matéria de IVA (2). O tratamento fiscal de cartões de desconto especiais, objeto do litígio no processo principal, abrange dois setores problemáticos do direito da União em matéria de IVA.

2.        Por um lado, está em causa a finalidade das isenções concedidas às operações financeiras, a qual faz parte, além disso, dos grandes enigmas em matéria de IVA. Com efeito, como observou recentemente a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu, as razões exatas desta isenção nunca foram objeto de uma explicação inequívoca (3).

3.        Por outro lado, o presente processo diz igualmente respeito, a título meramente acessório, a questões relativas ao tratamento de vales em sede de IVA. A este respeito, a Comissão salientou recentemente, no essencial, que o mundo económico evoluiu e que as regras do regime de IVA deixaram de acompanhar essa evolução (4).

4.        O Tribunal de Justiça tem agora, no presente processo, a possibilidade de desenvolver e precisar a jurisprudência que até agora firmou nestes setores problemáticos em matéria de IVA, para contrariar a perplexidade das instituições da União e a suposta incapacidade da legislação da mesma.

II – Quadro jurídico

5.        No período em causa no processo principal, compreendido entre 2001 e 2005, o imposto sobre o volume de negócios da União era regulado pela Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (5) (a seguir «Sexta Diretiva»).

6.        Nos termos do artigo 13.°, B, alínea d), da Sexta Diretiva, os Estados-Membros isentarão designadamente:

«[…]

3.       As operações, incluindo a negociação relativa a depósitos de fundos, contas-correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio, com exceção da cobrança de dívidas;

[…]

5.      As operações, incluindo a negociação, mas excetuando a guarda e a gestão, relativas às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão:

—      dos títulos representativos de mercadorias,

—      dos direitos ou títulos referidos no n.° 3 do artigo 5.°;

[…]»

7.        A lei do imposto sobre o volume de negócios neerlandesa (Wet op de omzetbelasting) baseia-se nestas disposições da Sexta Diretiva.

III – Processo principal e tramitação processual no Tribunal de Justiça

8.        No essencial, o processo principal diz respeito a uma decisão de liquidação adicional de imposto sobre o volume de negócios, para o período compreendido entre 2001 e 2005, no montante de € 643.567. Esta decisão visa a sociedade neerlandesa Granton Advertising BV (a seguir «Granton Advertising»), a qual no referido período vendera os denominados cartões Granton a um preço que variava entre os € 15 e os € 25 e julgara estas operações — erradamente, na perspetiva da administração tributária — isentas de imposto.

9.        O titular de um cartão Granton tinha direito, durante um período de tempo definido, a descontos na obtenção de determinadas prestações de certas empresas que se encontravam indicadas pormenorizadamente no referido cartão. Essas prestações incluíam determinadas ofertas, por exemplo, de restaurantes, cinemas ou hotéis. Um desconto típico consistia em, na compra de duas unidades, pagar apenas o preço de uma. Em contrapartida, o cartão Granton não era convertível em dinheiro, nem dava acesso a prestações sem o correspondente pagamento de um preço.

10.      As empresas indicadas no referido cartão comprometeram-se contratualmente perante a Granton Advertising a conceder os descontos. A Granton Advertising não efetuou, para esse efeito, qualquer pagamento às empresas envolvidas.

11.      A Granton Advertising invoca perante as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais a não tributação da venda dos cartões Granton. O Gerechtshof ‘s-Hertogenbosch, ao qual compete agora decidir do litígio, considera determinante a este respeito a interpretação da Sexta Diretiva. Por conseguinte, nos termos do artigo 267.° TFUE, o referido órgão jurisdicional nacional submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)      A expressão ‘demais títulos’, constante do artigo 13.°, B, alínea d), ponto [5], da Sexta Diretiva […], deve ser interpretada no sentido de que abrange um cartão Granton, que é um cartão transmissível utilizado para pagamento (parcial) de bens e serviços e, em caso de resposta afirmativa, a emissão e venda desse cartão é, por conseguinte, isenta de imposto sobre o valor acrescentado?

2)      Em caso de resposta negativa, a expressão ‘outros efeitos de comércio’ constante do artigo 13.°, B, proémio e alínea d), ponto 3, da Sexta Diretiva […], deve ser interpretada no sentido de que abrange um cartão Granton, que é um cartão transmissível utilizado para pagamento (parcial) de bens e serviços e, em caso de resposta afirmativa, a emissão e venda desse cartão é, por conseguinte, isenta de imposto sobre o valor acrescentado?

3)      Se um cartão Granton pertencer aos ‘demais títulos’ ou os ‘outros efeitos de comércio’ supramencionados, é relevante, para a questão de saber se a emissão e venda desse cartão está isenta de imposto sobre o valor acrescentado, que, no caso de esse cartão ser utilizado, a cobrança de imposto sobre a quantia (ou sobre uma proporção da quantia) paga por esse cartão é[, na prática,] ilusória?»

12.      No processo no Tribunal de Justiça, o Reino dos Países Baixos, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão apresentaram observações escritas.

IV – Apreciação jurídica

13.      Como todas as partes que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, considero que um cartão Granton não pertence aos «demais títulos» na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva (a este respeito, ver infra, ponto A), nem aos «outros efeitos de comércio» na aceção do ponto 3 da mesma disposição (a este respeito, ver infra, ponto B). Apesar de, à luz desta conclusão, deixar de ser necessário responder à terceira questão, abordá-la-ei mesmo assim a título subsidiário no ponto C.

A –    Isenção das operações relativas aos títulos nos termos do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva

14.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se um cartão Granton é abrangido pela expressão «demais títulos» na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva, e se a venda desse cartão é, por conseguinte, isenta de imposto sobre o valor acrescentado.

15.      Segundo a jurisprudência, para que uma operação seja isenta de IVA ao abrigo do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva devem considerar-se preenchidas duas condições gerais. Por um lado, a operação deve ser realizada «no mercado dos valores mobiliários» e, por outro, essa operação deve alterar a situação jurídica e financeira entre as partes (6). A este respeito, é suficiente que a operação apenas seja suscetível de criar, modificar ou extinguir os direitos e as obrigações das partes sobre os títulos (7).

16.      O Reino Unido parece pretender deduzir desta jurisprudência a inaplicabilidade, no presente caso, da isenção constante do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva, desde logo porque a emissão do cartão Granton ainda não altera a situação jurídica e financeira entre as partes.

17.      Todavia, importa sublinhar que não é o título em si mesmo que deve alterar a situação jurídica e financeira entre as partes, mas sim a operação «relativa» ao título na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva. Esta situação acontece normalmente quando da venda de um título, que manifestamente altera a situação jurídica e financeira entre as partes no que respeita ao título, mas pode igualmente verificar-se na garantia de tomada firme de ações (8). Uma vez que, no caso vertente, os cartões Granton foram vendidos, verificou-se, em todo o caso, uma alteração da situação jurídica e financeira entre as partes no que se refere ao cartão Granton.

18.      Consequentemente, no caso em apreço coloca-se apenas a questão de saber se está em causa uma operação realizada «no mercado dos valores mobiliários». Esta situação pressupõe que o cartão Granton é um título.

19.      Até ao momento, o Tribunal de Justiça ainda não definiu o que constitui um título na aceção da isenção prevista no artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva. Neste contexto, colocam-se em princípio duas questões: quais os tipos de direitos abrangidos pelo conceito de título, e devem esses direitos ser representados, isto é, estar ligados a um determinado documento ou a outro bem?

20.      A segunda destas questões não tem qualquer relevância para o processo principal, uma vez que o cartão Granton representa, em todo o caso, um direito, visto que o mesmo deve ser apresentado ao empresário em causa para obter os direitos a ele associados. Porém, há que examinar se o direito conferido pelo cartão Granton, nomeadamente o direito a um desconto na obtenção de determinadas prestações de certas empresas, é um direito abrangido pelo conceito de título na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva.

21.      Uma vez que a redação desta disposição é demasiado vaga, esta questão deve ser esclarecida com recurso à sistemática, bem como ao sentido e à finalidade da referida disposição.

1.      Sistemática

22.      O Reino dos Países Baixos referiu acertadamente que as «ações, participações em sociedades ou em associações», bem como as «obrigações» referidas expressamente nesta disposição devem ser tomadas em consideração na interpretação do conceito de título. Com efeito, a formulação «demais títulos» torna claro que os referidos direitos são igualmente títulos. Nestas circunstâncias, afigura-se evidente que o conceito de título engloba, antes de mais, dois tipos de direitos: os direitos de participação numa sociedade e os direitos pecuniários sobre um devedor.

23.      Além disso, há que concordar com o Reino Unido que os derivados destes direitos, como por exemplo as opções e os instrumentos financeiros a prazo, devem ser igualmente considerados títulos na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva. Os derivados isentos de imposto abrangem direitos que, em determinadas condições, dão lugar a um direito de participação numa sociedade ou a um direito pecuniário sobre um devedor. Que o conceito de título engloba tais direitos confirma-o o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1777/2005 (9), o qual pressupõe que existem opções cuja venda é abrangida pela isenção prevista no artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva. É certo que, de acordo com o seu artigo 23.°, este regulamento ainda não era aplicável no período em causa no processo principal. No entanto, logo em 2001, o Comité do IVA decidiu, por grande maioria, que as operações relativas a opções, realizadas em mercados de capitais regulamentados, são isentas de imposto ao abrigo do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva (10).

24.      De facto, da exceção prevista para os títulos representativos de mercadorias no artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, primeiro travessão, da Sexta Diretiva depreende-se que, em princípio, os direitos relacionados com a entrega de um bem podem ser igualmente abrangidos pelo conceito de título. Porém, as operações relativas a títulos representativos de mercadorias não devem ser consideradas isentas.

25.      A outra exceção constante do segundo travessão exclui da isenção os direitos ou os títulos na aceção do artigo 5.°, n.° 3, da Sexta Diretiva. De acordo com a alínea c) da referida disposição, os Estados-Membros podem considerar bens corpóreos, por exemplo, as participações e ações cuja posse confira, de direito ou de facto, a propriedade ou o gozo de um bem imóvel. Portanto, trata-se aqui de considerar, em determinados casos, a transferência de direitos sobre uma sociedade, que em princípio constitui uma prestação de serviços na aceção do artigo 6.° da Sexta Diretiva (11), como a transferência de um bem imóvel em si mesmo e, deste modo, como a entrega de um bem na aceção do artigo 5.° da Sexta Diretiva.

26.      O Tribunal de Justiça concluiu, a este respeito, que a exceção à isenção não é aplicável quando o Estado-Membro em causa não tiver feito uso da possibilidade prevista no artigo 5.°, n.° 3, alínea c), da Sexta Diretiva (12). Daqui resulta que os direitos referidos na exceção contida no segundo travessão são, em princípio, de igual modo suscetíveis de ser objeto de um título isento nos termos do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva. No entanto, uma vez que a exceção prevista no segundo travessão remete não só para a alínea c), mas para a totalidade do n.° 3 do artigo 5.°, todos os direitos aí mencionados deviam, portanto, ser abrangidos pelo conceito de título. Porém, o artigo 5.°, n.° 3 não prevê apenas na sua alínea c) os casos descritos de direitos sobre uma sociedade que conferem o direito de propriedade sobre um bem imóvel. As alíneas a) e b) descrevem, além disso, direitos sobre bens imóveis e direitos reais que conferem ao respetivo titular um poder de utilização de bens imóveis, sem que estes direitos apenas sejam concedidos mediante a participação numa sociedade.

27.      Por outro lado, não é forçosa a interpretação de que, por força desta ampla remissão do segundo travessão da isenção para todo o artigo 5.°, n.° 3, da Sexta Diretiva, os direitos suscetíveis de serem objeto de um título incluem não só os direitos de participação numa sociedade, os direitos pecuniários sobre um devedor e os seus derivados, mas também, em princípio, todos os direitos sobre os bens imóveis. Pelo contrário, a remissão pode ser igualmente interpretada no sentido de que só abrange os casos, previstos no artigo 5.°, n.° 3, que de acordo com a definição genérica sejam efetivamente abrangidos pelo conceito de título.

28.      Assim, há que constatar que, numa perspetiva sistemática, o conceito de título na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva abrange, em todo o caso, os seguintes direitos: direitos de participação numa sociedade, direitos pecuniários sobre um devedor e derivados destes direitos. Uma vez que os dois primeiros tipos de direitos são expressamente referidos na disposição, os «demais títulos» designam, por conseguinte, os derivados destes direitos.

2.      Sentido e finalidade

29.      Como demonstrarei em seguida, o resultado da interpretação apresentada tão-pouco é posto em causa pelo sentido e finalidade da isenção prevista no artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva.

30.      Como o advogado-geral N. Jääskinen já declarou, a finalidade da isenção das operações financeiras não é clara, uma vez que os trabalhos preparatórios não abordam esta matéria (13).

31.      Até ao momento, o Tribunal de Justiça também apenas abordou superficialmente a finalidade destas isenções. É verdade que a jurisprudência apresenta, em variadas ocasiões, a constatação de que as diferentes isenções reguladas no artigo 13.°, B, alínea d), da Sexta Diretiva relativas às operações financeiras tinham por objetivo evitar tanto um aumento do custo do crédito ao consumo, como as dificuldades relacionadas com a determinação do valor tributável (14). No entanto, esta explicação não é satisfatória no tocante às isenções que não dizem respeito à concessão de um crédito, nem apresentam dificuldades aparentes na determinação do valor tributável.

32.      Porém, estas duas últimas situações aplicam-se à isenção a examinar no caso vertente, relativa a operações relacionadas com títulos nos termos do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva. Esta isenção não tem incidência sobre o custo do crédito ao consumo, nem a determinação da matéria coletável é dificultada, por exemplo, pela venda de um título, uma vez que, nos termos do artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva, a matéria coletável pode ser constituída simplesmente pelo preço de venda.

33.      Recentemente, a advogada-geral E. Sharpston acabou por não conseguir determinar a finalidade da isenção das operações relativas aos títulos (15), nem eu encontrei qualquer explicação satisfatória para tal. É certo que da jurisprudência proferida pelo Tribunal de Justiça quanto à finalidade da isenção para a gestão de fundos comuns de investimento nos termos do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 6, da Sexta Diretiva é possível deduzir que a isenção das operações relativas aos títulos deve exonerar do IVA as aplicações financeiras (16). No entanto, considerar esta circunstância como única finalidade contrariaria a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual a isenção abrange igualmente a venda de participações no quadro da estratégia do grupo (17).

34.      Face a uma situação tão pouco clara, é oportuno recordar um princípio repetido inúmeras vezes pelo Tribunal de Justiça em jurisprudência assente: as disposições da Sexta Diretiva relativas às isenções são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio de que o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços e cada entrega de bens efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (18).

35.      É verdade que o Tribunal de Justiça completou este princípio posteriormente na sua jurisprudência, introduzindo a limitação de que a interpretação de uma norma de isenção de imposto não pode ser de tal modo estrita que prive as isenções dos seus efeitos, e que a mesma deve ser feita em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas referidas isenções (19). Porém, não podendo esse objetivo ser identificado — como sucede no presente caso da isenção contida no artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva —, deve aplicar-se sem restrições o princípio da interpretação estrita das isenções.

36.      Neste contexto, não há qualquer motivo para considerar título na aceção desta isenção a concessão de outros direitos diferentes dos direitos de participação numa sociedade, dos direitos pecuniários sobre um devedor e dos seus derivados. A interpretação estrita proposta exclui igualmente, devido à remissão prevista no artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, segundo travessão, da Sexta Diretiva, que o conceito de título abranja quaisquer direitos sobre bens imóveis (20).

3.      Conclusão intercalar

37.      O cartão Granton não confere um direito de participação numa sociedade, nem um direito a uma prestação pecuniária. Este cartão tão-pouco confere tais direitos sob a forma de um derivado, uma vez que não tem por objeto qualquer direito condicionado a um direito de participação numa sociedade ou a uma prestação pecuniária, apenas permitindo a aquisição de uma prestação a um preço mais reduzido. Por conseguinte, um cartão de desconto como o cartão Granton não é abrangido pela expressão «demais títulos» na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva, pelo que, nos termos desta disposição, a sua venda não é isenta de imposto.

B –    Isenção das operações relativas aos efeitos de comércio nos termos do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 3, da Sexta Diretiva

38.      Com a segunda questão prejudicial pretende-se saber se o cartão Granton é abrangido pela expressão «outros efeitos de comércio» na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 3, da Sexta Diretiva, e se a venda desse cartão é, por conseguinte, isenta de imposto sobre o valor acrescentado.

39.      Para além das operações ligadas à gestão de contas, o artigo 13.°, B, alínea d), ponto 3, da Sexta Diretiva isenta as operações relativas a «créditos, cheques e outros efeitos de comércio».

40.      Como sublinharam, com razão, tanto o Reino dos Países Baixos como o Reino Unido, os exemplos mencionados na disposição referida conferem respetivamente um direito a uma determinada quantia em dinheiro. Por conseguinte, afigura-se lógico que também a expressão «outros efeitos de comércio» só abranja aqueles direitos, que — sem ser um crédito ou um cheque — dão lugar a uma determinada quantia em dinheiro.

41.      Tal entendimento é conforme com o sentido e a finalidade que atribuo à isenção das operações relativas aos efeitos de comércio. Em minha opinião, trata-se aqui de tratar como entrega de dinheiro, para efeitos de IVA, direitos, que no comércio tão tidos como semelhantes ao dinheiro. No entanto, a entrega de dinheiro enquanto tal é reconhecidamente isenta, sendo apenas a contrapartida de uma prestação tributável, quer seja pelo facto de não se tratar de uma entrega de bens, nem de um serviço na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Diretiva (21), quer seja pelo facto de se encontrar excluída da tributação pelo artigo 13.°, B, alínea d), ponto 4, da Sexta Diretiva.

42.      Porém, um cartão como o cartão Granton, que apenas dá lugar a uma redução na aquisição de certas prestações, não tem por objeto um direito a uma determinada quantia em dinheiro, nem poderá ser tido, no comércio, como semelhante ao dinheiro.

43.      Deste modo, há que responder à segunda questão prejudicial que um cartão de desconto como o cartão Granton não é abrangido pela expressão «outros efeitos de comércio» na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 3, da Sexta Diretiva. Por conseguinte, esta isenção tão-pouco é aplicável à venda do cartão Granton.

C –    Tributação da utilização do cartão Granton

44.      Por último, com a sua terceira questão o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber que influência tem na isenção do cartão Granton o facto de, no caso de esse cartão ser utilizado, a cobrança de imposto sobre a quantia ou sobre uma proporção da quantia paga por esse cartão ser, na prática, ilusória.

45.      Na verdade, o Tribunal de Justiça coloca esta questão apenas para o caso de o cartão Granton pertencer aos «demais títulos» ou aos «outros efeitos de comércio» na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), pontos 5 ou 3, da Sexta Diretiva. Uma vez que, conforme acima exposto, tal não se verifica no presente caso, o Tribunal de Justiça não tem de responder a esta questão.

46.      Não obstante, considero útil um esclarecimento quanto a esta matéria, visto que a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio poderá ter por base assunções erradas sobre o tratamento em sede de IVA de cartões ou vales de desconto. A Comissão observou, com razão, que a este respeito se deve ter em consideração a jurisprudência proferida pelo Tribunal de Justiça quanto à utilização de vales, os quais, no caso de serem utilizados, conferem um direito a uma redução, e são, nesta medida, comparáveis ao cartão Granton ora em apreço.

47.      Se o cartão Granton for utilizado para beneficiar das prestações nele descritas, isso não implica, no momento da sua utilização, a cobrança de IVA. O valor tributável das prestações adquiridas com a utilização do cartão é constituído apenas, nos termos do artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva, pelo preço efetivamente a pagar pelo utilizador do cartão Granton, o qual consiste unicamente no valor da prestação.

48.      Com efeito, na sua jurisprudência o Tribunal de Justiça apenas em dois casos considerou que, na utilização de um vale para reduzir o preço normal de uma prestação, o vale em si mesmo tem um valor e, por conseguinte, implica um valor tributável mais elevado face ao preço pago.

49.      Por um lado, tal verifica-se quando o sujeito passivo, que aceita um vale para redução do preço, pode trocar esse vale por dinheiro junto de um terceiro (22). Com efeito, o vale recebido pelo sujeito passivo tem, efetivamente, para este um valor pecuniário, que deve ser considerado um meio de pagamento para efeitos da determinação do valor tributável (23).

50.      Por outro lado, uma vez utilizado, um vale para redução do preço é relevante para determinar o valor tributável quando o próprio sujeito passivo, que o aceita, vendeu previamente esse vale. Neste caso, o vale deve ser considerado, de igual modo, um meio de pagamento e, quando da sua utilização, deve fixar-se o valor cobrado no momento da sua venda precedente (24).

51.      No entanto, nenhuma destas duas situações se verifica no presente caso. As empresas, que se comprometeram perante a Granton Advertising a conceder descontos com a utilização do cartão Granton, não venderam elas próprias este cartão, nem beneficiam, na sequência da apresentação do cartão Granton, de direitos ao pagamento de uma prestação pecuniária perante um terceiro.

52.      Deste modo, o preço pago na aquisição do cartão Granton não tem qualquer influência no valor tributável das prestações obtidas com a utilização do referido cartão. Consequentemente, se este cartão for utilizado, também não é necessário cobrar imposto sobre uma proporção da quantia paga para o adquirir.

53.      É certo que se deve concordar com o órgão jurisdicional de reenvio que, no caso da isenção da venda do cartão Granton, se deveria cobrar IVA sobre a sua utilização, a fim de assegurar a cobrança igualmente deste imposto sobre o montante total despendido pelos consumidores finais para obter as prestações previstas no referido cartão. Contudo, uma vez que as isenções constantes do artigo 13.°, B, alínea d), pontos 5 e 3, da Sexta Diretiva não são aplicáveis, como se viu, à venda do cartão Granton, o IVA abrange, em duas etapas — designadamente quando da venda do cartão Granton, bem como quando da sua utilização —, tudo o que, em última análise, um titular do cartão Granton desembolsou para adquirir as prestações mencionadas nesse cartão.

54.      Se o Tribunal de Justiça considerar necessária uma resposta à terceira questão prejudicial, esta deverá, face ao exposto, ser respondida no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, se o cartão Granton for utilizado, não se deve cobrar qualquer imposto sobre uma proporção da quantia paga para adquirir esse cartão.

V –    Conclusão

55.      Em conclusão, proponho todavia que o Tribunal de Justiça apenas responda às duas primeiras questões prejudiciais do Gerechtshof ‘s-Hertogenbosch nos seguintes termos:

«Um cartão de desconto como o cartão Granton não pertence aos ‘demais títulos’, na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva, nem aos ‘outros efeitos de comércio’, na aceção do artigo 13.°, B, alínea d), n.° 3, da Sexta Diretiva.»


1 —      Língua original: alemão.


2 —      V., a este respeito, mais recentemente as minhas conclusões apresentadas em 13 de setembro de 2012 no processo Grattan (C-310/11).


3 —      Relatório da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários de 15 de setembro de 2008 sobre a proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito aos serviços financeiros e de seguros, A6-0344/2008, p. 22.


4 —      V. Proposta da Comissão de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, no que respeita ao tratamento dos vouchers, publicada sem data e sem número de identificação no sítio Web http://ec.europa.eu/taxation_customs/taxation/vat/key_documents/legislation_proposed/index_de.htm (consultado em 5 de outubro de 2013), p. 2.


5 —      JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.


6 —      Acórdãos de 29 de outubro de 2009, SKF (C-29/08, Colet., p. I-10413, n.° 48), de 10 de março de 2011, Skandinaviska Enskilda Banken (C-540/09, Colet., p. I-1509, n.° 30), de 5 de julho de 2012, DTZ Zadelhoff (C-259/11, n.° 22), e de 19 de julho de 2012, Deutsche Bank (C-44/11, n.° 36); v., igualmente, acórdão de 28 de julho de 2011, Nordea Pankki Suomi (C-350/10, Colet., p. I-7359, n.° 26).


7 —      V. acórdãos Skandinaviska Enskilda Banken (já referido na nota 6, n.os 31 e segs.), DTZ Zadelhoff (já referido na nota 6, n.° 23) e Deutsche Bank (já referido na nota 6, n.° 37); v., igualmente, acórdão de 13 de dezembro de 2001, CSC Financial Services (C-235/00, Colet., p. I-10237, n.° 33).


8 —      V. acórdão Skandinaviska Enskilda Banken (já referido na nota 6, n.° 33).


9 —      Regulamento (CE) n.° 1777/2005 do Conselho, de 17 de outubro de 2005, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 77/388/CEE relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO L 288, p. 1).


10 —      Diretriz saída da 63.ª sessão, de 17 de julho de 2001 — TAXUD/2441/01; v., quanto à relevância das diretrizes do Comité do IVA, as minhas conclusões apresentadas em 31 de janeiro de 2013 no processo RR Donnelley Global Turnkey Solutions Poland (C-155/12, n.os 47 e segs.).


11 —      V. artigo 6.°, n.° 1, segundo parágrafo, primeiro travessão, da Sexta Diretiva.


12 —      Acórdão DTZ Zadelhoff (já referido na nota 6, n.° 42).


13 —      Conclusões apresentadas em 16 de dezembro de 2010 no processo Skandinaviska Enskilda Banken (C-540/09, Colet., p. I-1509, n.° 22).


14 —      V. acórdãos de 19 de abril de 2007, Velvet & Steel Immobilien (C-455/05, Colet., p. I-3225, n.° 24), de 22 de outubro de 2009, Swiss Re Germany Holding (C-242/08, Colet., p. I-10099, n.° 49), e Skandinaviska Enskilda Banken (já referido na nota 6, n.° 21); v., igualmente, despacho de 14 de maio de 2008, Tiercé Ladbroke e Derby (C-231/07 e C-232/07, Colet., p. I-73*, n.° 24).


15 —      V. as conclusões apresentadas em 8 de maio de 2012 no processo Deutsche Bank (C-44/11, n.os 36 e seg. e 51 e segs., bem como a jurisprudência e a doutrina aí referidas).


16 —      V. acórdão de 7 de março de 2013, Wheels Common Investment Fund Trustees e o. (C-424/11, n.° 19 e a jurisprudência aí referida).


17 —      Acórdão SKF (já referido na nota 6, n.os 42 e segs.).


18 —      V., por exemplo, acórdãos de 26 de junho de 1990, Velker International Oil Company (C-185/89, Colet., p. I-2561, n.° 19), e de 21 de março de 2013, PFC Clinic (C-91/12, n.° 23).


19 —      V., por exemplo, acórdãos de 6 de novembro de 2003, Dornier (C-45/01, Colet., p. I-12911, n.° 42), e PFC Clinic (já referido na nota 18, n.° 23).


20 —      V. supra, n.os 25 a 27.


21 —      O acórdão de 14 de julho de 1998, First National Bank of Chicago (C-172/96, Colet., p. I-4387) deve ser entendido neste sentido; v., em particular, Dobratz, Leistung und Entgelt im Europäischen Umsatzsteuerrecht, 2005, pp. 47 e seg. e 153 e segs..


22 —      V. acórdão de 27 de março de 1990, Boots Company (C-126/88, Colet., p. I-1235, n.° 13).


23 —      Acórdão de 15 de outubro de 2002, Comissão/Alemanha (C-427/98, Colet., p. I-8315, n.° 58).


24 —      V. acórdão de 24 de outubro de 1996, Argos Distributors (C-288/94, Colet., p. I-5311, n.os 18 a 20).