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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 13 de fevereiro de 2014 (1)

Processo C-480/12

Minister van Financiën

contra

X BV

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos)]

«Código Aduaneiro Comunitário — Regulamento (CEE) n.° 2913/92 — Âmbito de aplicação dos artigos 203.° e 204.°, n.° 1, alínea a) — Regime de trânsito externo — Constituição da dívida aduaneira devido ao incumprimento de uma obrigação — Apresentação tardia na estância de destino — Regulamento de aplicação — Regulamento (CEE) n.° 2454/93 — Artigo 859.° — Sexta Diretiva IVA — Artigo 10.°, n.° 3, primeiro parágrafo — Conceito de importação na Sexta Diretiva IVA — Saída do regime aduaneiro em causa — Ligação entre a constituição da dívida aduaneira e a constituição da dívida de IVA — Conceito de operação tributável»





I —    Introdução

1.        O trânsito comunitário externo instituído pelo Regulamento (CEE) n.° 2913/92 no código aduaneiro (2) e no seu regulamento de aplicação (3) constitui um regime aduaneiro sujeito a condições muito restritas. É aplicável à circulação de mercadorias não comunitárias entre dois pontos do território aduaneiro da União Europeia, com vista à sua reexportação para um país terceiro. Ao longo do trânsito não são devidos quaisquer direitos aduaneiros, nem o imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») nem impostos específicos sobre as mercadorias.

2.        No presente processo, a primeira questão submetida pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos) ao Tribunal de Justiça visa saber quais são as consequências jurídicas, para a constituição da dívida aduaneira, de irregularidades respeitantes a uma apresentação tardia da mercadoria (4) na estância de destino, ocorridas durante o trânsito externo, ao abrigo do código aduaneiro e, em particular, dos seus artigos 203.° (relativo à subtração da fiscalização aduaneira) e 204.° (relativo à inobservância das condições de aplicação do regime aduaneiro). Saliento, antes de mais, que o artigo 859.° do regulamento de aplicação prevê determinadas circunstâncias «desculpáveis», nas quais um incumprimento abrangido pelo artigo 204.° do código aduaneiro, e não uma subtração estabelecida no artigo 203.° do referido código, não dá lugar à constituição de uma dívida aduaneira.

3.        Se o artigo 204.° do código aduaneiro for aplicável, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, com a sua segunda questão, sobre a interpretação da Sexta Diretiva 77/388/CEE (5), nomeadamente, sobre a relação que existe entre a dívida aduaneira e a constituição da dívida de IVA e, mais precisamente, sobre a questão de saber se em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, é devido o IVA sobre a importação quando uma dívida aduaneira é constituída nos termos do artigo 204.° do código aduaneiro por ter decorrido o prazo de apresentação.

II — Quadro jurídico

A —    Direito da União

1.      Regime de trânsito externo

4.        Relativamente ao regime de trânsito externo, os artigos 91.°, 92.° e 96.° do código aduaneiro preveem, respetivamente, a sua definição, o seu fim e as obrigações do responsável principal, o qual é o titular do referido regime.

5.        O artigo 356.° do regulamento de aplicação é relativo à data limite em que as mercadorias devem ser apresentadas na estância de destino. O seu n.° 3 é relativo à apresentação tardia das mercadorias e prevê o seguinte:

«Quando as mercadorias forem apresentadas na estância de destino findo o prazo fixado pela estância de partida e a inobservância desse prazo for devida a circunstâncias devidamente justificadas e aceites pela estância de destino, não imputáveis nem ao transportador nem ao responsável principal, considera-se que este último respeitou o prazo fixado.»

2.      Constituição da dívida aduaneira

6.        A dívida aduaneira nos termos do artigo 203.° do código aduaneiro, constitui-se quando as mercadorias são subtraídas à fiscalização aduaneira. Em contrapartida, por força do artigo 204.°, n.° 1, alínea a), do código aduaneiro, uma dívida aduaneira constitui-se em caso de incumprimento de uma das obrigações decorrentes da utilização do regime aduaneiro sob o qual as mercadorias foram colocadas.

7.        O artigo 859.° do regulamento de aplicação completa o referido artigo 204.°, que define os incumprimentos considerados sem reais consequências sobre o funcionamento correto do regime aduaneiro entendido na aceção do n.° 1 do artigo 204.° do código aduaneiro. Para este efeito, exige que os incumprimentos não constituam uma tentativa de subtração da mercadoria à fiscalização aduaneira, não impliquem negligência manifesta por parte do interessado e que sejam cumpridas a posteriori todas as formalidades necessárias à regularização da situação da mercadoria. O n.° 2 do referido artigo 829.° tem a seguinte redação:

«[…]

2)       No caso de uma mercadoria sujeita a um regime de trânsito, o incumprimento de uma das obrigações decorrentes da utilização do regime, se estiverem preenchidas as seguintes condições:

a)       A mercadoria sujeita ao regime tiver sido efetivamente apresentada intacta à estância de destino;

b)       A estância de destino tiver assegurado que a mercadoria recebeu um destino aduaneiro ou foi colocada em depósito temporário na sequência da operação de trânsito; e

c)       Se o prazo fixado em conformidade com o artigo 356.° não tiver sido respeitado e o n.° 3 do referido artigo não se aplicar, a mercadoria tiver sido apresentada à estância de destino dentro de um prazo razoável;»

8.        Nos termos do artigo 860.° do regulamento de aplicação, «[a]s autoridades aduaneiras consideram uma dívida aduaneira como constituída nos termos do n.° 1 do artigo 204.° do Código [Aduaneiro], salvo se a pessoa suscetível de ser o devedor provar que se encontram preenchidas as condições do artigo».

3.      IVA

9.        Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, estão, nomeadamente, sujeitas ao IVA as importações de bens.

10.      Segundo o artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva, por «importação de um bem», entende-se «[a] entrada no território da Comunidade de um bem que não preenche as condições enunciadas nos artigos 9.° e 10.° do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia […]». (6) Nos termos do mesmo artigo, n.° 2, a importação de um bem é efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem se encontra no momento em que entra no território da Comunidade.

11.      Nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da referida diretiva:

«Em derrogação do n.° 2, sempre que um bem referido na alínea a) do n.° 1 seja colocado desde a sua entrada no território da Comunidade sob um dos regimes a que se refere o n.° 1, alíneas a), b), c), e d) do ponto B, do artigo 16.°, sob um regime de admissão temporária com isenção total de direitos de importação ou de trânsito externo, a importação desse bem é efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem deixa de estar colocado sob esses regimes.

Da mesma forma, sempre que um bem abrangido pelo n.° 1, alínea b), for colocado, a partir da sua entrada na Comunidade, sob um dos regimes previstos no n.° 1, alínea b) ou c), do artigo 33.°-A a importação desse bem será efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem sai desses regimes.»

12.      O artigo 10.°, n.° 3, da Sexta Diretiva prevê que o facto gerador ocorre, e o imposto é exigível, no momento em que é efetuada a importação do bem. Sempre que os bens sejam colocados, desde a sua entrada no território da Comunidade, sob um dos regimes previstos no n.° 3 do artigo 7.° da diretiva, o facto gerador e a exigibilidade do imposto só se verificam no momento em que os bens deixem de estar sujeitos a esse regime.

13.      O artigo 16.° da Sexta Diretiva dispõe as condições e as modalidades segundo as quais os Estados-Membros podem prever isenções especiais relacionadas com o tráfego internacional de bens.

B —    Direito neerlandês

14.      O artigo 1.°, alínea d), da Lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios (Wet op de omzetbelasting), de 28 de junho de 1968, na sua versão aplicável ao processo principal (7), prevê a cobrança de um imposto designado «imposto sobre o volume de negócios» sobre as importações de mercadorias.

15.      O artigo 18.°, n.° 1, alínea c), da referida lei dispõe que se considera «importação de mercadorias» o termo de um regime aduaneiro no Países Baixos ou a saída, nos Países Baixos, de mercadorias de um regime aduaneiro. Segundo o n.° 3 do referido artigo, não constitui uma importação a entrada nos Países Baixos de mercadorias na aceção do n.° 1, alíneas a) e b), às quais é aplicável um regime aduaneiro ou que, após a sua entrada nos Países Baixos, são sujeitas a um regime aduaneiro. Também não é considerado equivalente a uma importação o termo, nos Países Baixos, de um regime aduaneiro quando este é seguido da aplicação de outro regime aduaneiro.

III — Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

16.      Em 26 de outubro de 2005, a sociedade X BV (a seguir «X») apresentou uma declaração eletrónica de colocação de um motor diesel (a seguir «motor») sob o regime aduaneiro de trânsito comunitário externo. (8) Na declaração foi indicada como destinatária do motor a sociedade D BV (a seguir «D»). A data limite em que o motor devia ser apresentado na estância de destino foi fixada em 28 de outubro de 2005.

17.      Em 14 de novembro de 2005, um representante de D apresentou o motor na estância aduaneira referida (9), ou seja, 17 dias após a expiração do prazo. Apresentou, em nome de D, uma declaração para sujeição do motor a outro regime aduaneiro, a saber, o regime aduaneiro do aperfeiçoamento ativo. A causa dessa ultrapassagem do prazo de apresentação não é conhecida (10).

18.      A estância aduaneira de destino constatou que o anterior regime aduaneiro de trânsito comunitário externo não tinha terminado corretamente. Em seguida, o Inspecteur, que é a autoridade aduaneira competente da estância de partida, informou X de que esta estância não tinha recebido o exemplar de devolução ou a informação eletrónica necessária da declaração de sujeição ao referido regime. Deu a X a possibilidade de apresentar prova de que não tinha, no entanto, sido posto termo ao regime de forma regular. X não invocou circunstâncias novas para efeitos de esclarecimento.

19.      O Inspecteur concluiu que o motor não tinha sido apresentado na estância aduaneira de destino de acordo com as disposições legais e que, por esse motivo, se verificava uma situação em que o motor foi subtraído à fiscalização aduaneira na aceção do artigo 203.°, n.° 1, do código aduaneiro. Com esse fundamento, o Inspetor reclamou a X direitos aduaneiros e um imposto sobre o volume de negócios relativo ao motor. Indeferiu o pedido de reembolso apresentado por X. Tendo-lhe sido apresentada reclamação contra esta decisão o Inspecteur manteve-a.

20.      X interpôs recurso da decisão do Inspecteur no Rechtbank Haarlem. Este considerou que a simples ultrapassagem de prazo não podia desencadear a aplicabilidade do artigo 203.° do código aduaneiro e, com fundamento no artigo 204.° do referido código, considerou que as condições previstas no artigo 859.° do regulamento de aplicação estavam reunidas. Por conseguinte, este órgão jurisdicional deu provimento ao recurso e exigiu ao Inspecteur o reembolso dos montantes de direitos aduaneiros e de imposto sobre o volume de negócios que tinham sido pagos. Em seguida, o Inspecteur interpôs, sem êxito, recurso desta sentença no Gerechtshof te Amsterdam. Por último, o Ministério das Finanças interpôs recurso no Hoge Raad der Nederlanden que decidiu, em 12 de outubro de 2012, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      a)       Devem os artigos 203.° e 204.° do [código aduaneiro], lidos em conjugação com o artigo 859.°, em especial o seu n.° 2, alínea c), do [regulamento de aplicação], ser interpretados no sentido de que a (simples) ultrapassagem do prazo de trânsito fixado nos termos do artigo 356.°, n.° 1, do [regulamento de aplicação] não leva à constituição de uma dívida aduaneira por subtração à fiscalização aduaneira, na aceção do artigo 203.° do [código aduaneiro], mas à constituição de uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do [código aduaneiro]?

b)       Para que a resposta à primeira questão, a) seja afirmativa é necessário que os interessados prestem informações às autoridades aduaneiras sobre as causas da ultrapassagem do prazo ou que, pelo menos, declarem às autoridades aduaneiras o local onde as mercadorias permaneceram no período decorrido entre o prazo fixado nos termos do artigo 356.° do [regulamento de aplicação] e a data de apresentação efetiva na estância aduaneira de destino?

2)      A [Sexta Diretiva] e, em especial, o seu artigo 7.°, devem ser interpretados no sentido de que só é devido IVA se a dívida aduaneira se constituir exclusivamente nos termos do artigo 204.° do [código aduaneiro]?»

21.      X, os Governos neerlandês, checo (que limitou as suas observações à primeira questão) e grego, bem como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. O Governo neerlandês e a Comissão foram representados na audiência de 6 de novembro de 2013.

IV — Apreciação

A —    Disposição que regula a constituição da dívida aduaneira em caso de ultrapassagem do prazo aplicável ao regime de trânsito externo

1.      Observações preliminares

22.      Com a primeira parte da primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional pretende saber, no essencial, se a ultrapassagem do prazo de trânsito aplicável no âmbito do regime aduaneiro do trânsito comunitário externo resulta numa dívida aduaneira nos termos do artigo 203.° do código aduaneiro ou nos termos do artigo 204.° do mesmo Código.

23.      O Governo neerlandês considera que, nos termos do artigo 203.° do código aduaneiro, uma dívida aduaneira na importação constitui-se devido a uma subtração à fiscalização aduaneira quando uma mercadoria sujeita ao regime aduaneiro do trânsito comunitário externo não é apresentada no prazo de trânsito na estância de destino, a menos que, em conformidade com o artigo 356.°, n.° 3, do regulamento de aplicação, o responsável principal apresente prova de que a ultrapassagem do prazo não lhe é imputável nem ao transportador. Assim, o Governo neerlandês considera que o artigo 204.° do código aduaneiro não deve ser tido em conta.

24.      Em contrapartida, as outras partes entendem que é aplicável o artigo 204.° do código aduaneiro. A Comissão esclarece que no caso de mercadorias não comunitárias, a inobservância da obrigação de as apresentar na estância de destino no prazo previsto é um facto constitutivo de uma dívida aduaneira, relativa a estas mercadorias, com base do artigo 204.° do código aduaneiro, a menos que este seja um incumprimento «sem reais consequências sobre o funcionamento correto do depósito temporário ou do regime aduaneiro considerado», em aplicação das condições enunciadas no artigo 859.°, n.° 2, alínea a), do regulamento de aplicação. O Governo checo acrescenta que, não obstante, o artigo 203.° do referido regulamento é aplicável desde que estabeleça outras circunstâncias que demonstrem que o tratamento dado à mercadoria impede a estância aduaneira de destino de efetuar a sua fiscalização de modo adequado.

25.      Pelos motivos que irei expor, considero que, no caso em apreço, deve ser aplicado o artigo 204.° do código aduaneiro.

26.      Em primeiro lugar, recordo que uma dívida aduaneira na importação pode constituir-se em consequência de uma aplicação correta das modalidades do regime aduaneiro em causa ou resultado de uma irregularidade. O presente processo é abrangido por esta segunda hipótese. Com efeito, o direito aduaneiro da União assenta no princípio implícito de que a introdução de mercadorias no território aduaneiro da União cria uma obrigação objetiva de pagamento do direito aduaneiro, salvo aplicação de um regime suspensivo. Deste modo, uma dívida aduaneira pode resultar de uma importação regular ou irregular, na medida em que as mercadorias não são isentas temporária ou definitivamente. (11)

27.      Todavia, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Döhler Neuenkirchen (12), «a constituição de uma dívida aduaneira não reveste […] o caráter de sanção, mas deve ser entendida como a consequência do não preenchimento das condições requeridas para efeitos da obtenção do benefício resultante da aplicação do regime de aperfeiçoamento ativo sob a forma de sistema suspensivo. Com efeito, esse regime implica a concessão de um benefício condicional que não pode ser concedido se as condições a ele atinentes não forem respeitadas, o que torna inaplicável a suspensão e justifica, por conseguinte, a imposição de direitos aduaneiros.» Acrescentaria que tanto o regime de trânsito externo como o regime de aperfeiçoamento ativo são sistemas suspensivos de direito aduaneiros que constituem medidas excecionais que visam facilitar o desenrolar de determinadas atividades económicas. (13)

2.      O trânsito externo: três situações

28.      Importa equacionar a possibilidade de existirem três situações no âmbito do trânsito externo. Esta premissa permite uma melhor compreensão das implicações da primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio.

29.      A primeira situação a ter em conta é aquela em que o regime de trânsito externo decorre em perfeita conformidade com o direito da União, nomeadamente, quando a mercadoria é apresentada na estância de destino no prazo fixado. O regime de trânsito externo termina e, em seguida, o regime é apurado. Neste caso não se constitui qualquer dívida aduaneira.

30.      O segundo caso é aquele em que o regime de trânsito externo decorre corretamente, apesar de a mercadoria ser apresentada extemporaneamente na estância de destino. Todavia, o artigo 356.°, n.° 3, do regulamento de aplicação, estabelece que «a inobservância desse prazo for devida a circunstâncias devidamente justificadas e aceites pela estância de destino, não imputáveis ao transportador nem ao responsável principal, considera-se que este último respeitou o prazo fixado» (14). Assim, se for este o caso, o regime de trânsito externo termina normalmente, em seguida, é apurado o referido regime e não se constitui qualquer dívida aduaneira.

31.      O terceiro caso é aquele em que o prazo fixado para o regime de trânsito externo não é respeitado, sem que seja dada uma explicação válida à estância de destino. Dito de outra forma, a inobservância do prazo é imputável ao transportador ou responsável principal. Por conseguinte, neste caso, as condições estabelecidas para a aplicação do regime de trânsito externo não foram observadas e o artigo 356.°, n.° 3, do regulamento de aplicação não pode ser invocado, de modo que o regime de trânsito externo não termina normalmente e o referido regime não pode ser apurado.

32.      Relativamente ao segundo caso, o artigo 356.°, n.° 3, do regulamento de aplicação fixa um determinado número de condições. Em primeiro lugar, é evidente que o responsável principal (15) tem a responsabilidade final de prestar as explicações exigidas, se for caso disso. Em segundo lugar, de qualquer modo, a inobservância do prazo para a apresentação das mercadorias na estância de destino deve ter origem em circunstâncias «não imputáveis nem ao transportador nem ao responsável principal», ou seja, devem estar em causa acontecimentos não controláveis pelo transportador ou pelo responsável principal.

33.      O Manual do Trânsito, elaborado pela Comissão, fornece exemplos úteis em matéria de prova (16). Todos estes exemplos são relativos a situações pontuais e, normalmente, de curta duração. Na maioria dos casos estão em causa horas ou alguns dias. No processo principal, compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se o artigo 356.°, n.° 3, do regulamento de aplicação deve ser aplicado mas, tendo em conta a duração da ultrapassagem do prazo e se for provado que não foi prestada qualquer explicação válida, considero que a aplicação do referido artigo deve ser excluída (17).

34.      É no terceiro caso que se coloca a questão de saber se está em causa «[o incumprimento de uma das obrigações] que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam […] da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida» que é facto constitutivo de uma dívida aduaneira na importação nos termos do artigo 204.°, n.° 1, alínea a), do código aduaneiro, ou se deve ser aplicado o artigo 203.° do referido código, relativo à «subtração à fiscalização aduaneira de uma mercadoria sujeita a direitos de importação».

3.      Quanto à articulação entre os artigos 203.° e 204.° do código aduaneiro

35.      A primeira questão prejudicial é, no essencial, relativa à delimitação dos respetivos âmbitos de aplicação dos artigos 203.° e 204.° do código aduaneiro, para efeitos da determinação do fundamento jurídico da dívida aduaneira no caso em apreço. O Governo neerlandês afirma que o facto de as mercadorias terem estado em local desconhecido durante 17 dias constitui uma subtração, pelo que deveria ser aplicado o artigo 203.° do código aduaneiro.

36.      À primeira vista, não é fácil delimitar os respetivos âmbitos de aplicação destes dois artigos. O contributo da jurisprudência do Tribunal de Justiça foi decisivo (18). Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que os artigos 203.° e 204.° do código aduaneiro têm âmbitos de aplicação distintos, uma vez que o primeiro é relativo a comportamentos dos quais resulta uma «subtração» da mercadoria à fiscalização aduaneira e o segundo se refere a «incumprimentos às obrigações e às condições» relacionadas com os diferentes regimes aduaneiros (19).

37.      Para determinar qual o artigo, de entre os dois que foram referidos, que constitui o fundamento de uma dívida aduaneira na importação, importa começar por examinar se os factos em causa constituem uma subtração à fiscalização aduaneira, na aceção do artigo 203.°, n.° 1, do código aduaneiro. As disposições do artigo 204.° do código aduaneiro só poderão ser aplicáveis quando a resposta a esta questão for negativa (20).

38.      Mais concretamente, no caso do conceito de subtração à fiscalização aduaneira referido no artigo 203.°, n.° 1, do código aduaneiro, cumpre recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este conceito deve ser entendido no sentido de que abrange qualquer ato ou omissão que tenha por resultado impedir, ainda que momentaneamente, a autoridade aduaneira competente de ter acesso a uma mercadoria que se encontra sob fiscalização aduaneira e de efetuar os controlos previstos na regulamentação aduaneira (21).

39.      Nos acórdãos do Tribunal de Justiça que interpretaram o conceito de subtração à fiscalização aduaneira, o furto de mercadorias declaradas ao abrigo de um regime suspensivo, tal como o entreposto, o trânsito ou o depósito temporário constitui uma categoria bastante importante. (22) Neste caso, o Tribunal de Justiça parece partir do pressuposto de que, devido ao furto, a mercadoria entra no circuito económico da União. (23) Por conseguinte, o facto constitutivo da dívida aduaneira é a subtração à fiscalização aduaneira, em conformidade com o artigo 203.° do código aduaneiro.

40.      A subtração, que não é definida na legislação, é um conceito amplo. Assim, o Tribunal de Justiça confirmou a sua aplicabilidade também a outros casos, como a retirada não autorizada de um depósito, a indicação incorreta numa declaração ou ainda, no âmbito do trânsito externo, o facto de a mercadoria não ter sido, de modo algum, apresentada na estância de destino (24).

41.      Importa observar que, salvo erro meu, o Tribunal de Justiça não tem de apreciar um caso em que, no âmbito do regime de trânsito externo, a ultrapassagem do prazo de apresentação na estância de destino — desde que, no entanto, esta apresentação tenha ocorrido — teria, por si só, conduzido à aplicação do artigo 203.° do código aduaneiro.

42.      Como acabei de recordar, o conceito de subtração é considerado num sentido muito amplo, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, (25). Deste modo, quando a localização da mercadoria sujeita ao regime de transporte externo é desconhecida durante mais de duas semanas, a impossibilidade de acesso é apenas «momentânea».

43.      Todavia, em meu entender, é a presunção de que mercadoria importada é integrada no circuito económico da União que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, justifica a aplicação do artigo 203.° do código aduaneiro, nomeadamente, no caso de desaparecimento da mercadoria por furto ou de inobservância das regras substantivas do direito aduaneiros que implicam um risco de integração. Por conseguinte, estes casos são diferentes daqueles que estão expressamente previstos nos artigos 204.° do código aduaneiro e 859.° do regulamento de aplicação.

44.      Além disso, o regime de trânsito externo não exige que a localização exata da mercadoria durante o transporte seja do conhecimento das autoridades aduaneiras ou do responsável principal. Isto decorre implicitamente da redação do artigo 356.°, n.° 3, do regulamento de aplicação. O que se exige é que a mercadoria seja apresentada na data fixada na estância de destino e que os selos estejam intactos. Por outro lado, o responsável principal ou o transportador deve estar em condições de comunicar, se for caso disso, com a pessoa encarregada do transporte, nomeadamente, o motorista do camião. Por conseguinte, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à subtração à fiscalização aduaneira não pode ser interpretada no sentido de que não é compatível com as realidades práticas do trânsito externo.

45.      Deste modo, caso a mercadoria seja apresentada extemporaneamente na estância de destino, a aplicação do artigo 204.° do código aduaneiro afigura-se indicada. Com efeito, a apresentação tardia constitui um exemplo de «[incumprimento de uma das obrigações] que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam […] da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida», que constitui um dos casos de aplicação do referido artigo. Esta posição é corroborada pelo facto de a apresentação tardia ser um dos motivos expressamente previstos no artigo 859.° do regulamento de aplicação. Segundo este último artigo, desde que as condições estritas que estabelece sejam respeitadas, essa apresentação tardia pode ser dispensada.

46.      A este respeito, observo que uma vez que a ultrapassagem de prazo está expressamente prevista no artigo 859.° do regulamento de aplicação, que apenas é aplicável aos casos referidos no artigo 204.° do código aduaneiro, esta disposição prevista pelo legislador é inoperante se a ultrapassagem de prazo de apresentação for abrangida pelo conceito de subtração referido no artigo 203.° do código aduaneiro. Assim, é à luz do artigo 204.° do código aduaneiro que, no presente processo, deve ser apreciada a constituição da dívida aduaneira.

47.      Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão, alínea a), que os artigos 203.° e 204.° do código aduaneiro, lidos em conjugação com o artigo 859.°, em especial o seu n.° 2, alínea c), do regulamento de aplicação, devem ser interpretados no sentido de que a simples ultrapassagem do prazo de trânsito, fixado nos termos do artigo 356.°, n.° 1, do regulamento de aplicação, leva não à constituição de uma dívida aduaneira por subtração à fiscalização aduaneira, na aceção do artigo 203.° do código aduaneiro, mas à constituição de uma dívida aduaneira com fundamento no artigo 204.° do código aduaneiro.

B —    Obrigação de prestação de informações relativas à ultrapassagem do prazo

48.      Com a segunda parte da primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, para poder concluir que uma ultrapassagem do prazo cria uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do código aduaneiro, é necessário que os interessados prestem informações sobre os motivos da ultrapassagem do prazo ou sobre a localização das mercadorias no decurso do período controvertido.

49.      O Governo neerlandês e a Comissão propõem que seja dada uma resposta afirmativa a esta questão. A Comissão afirma que o artigo 356.°, n.° 3, do regulamento de aplicação deveria ser interpretado no sentido de que a pessoa que apresente as mercadorias na estância de destino findo o prazo fixado pela estância de partida, deve explicar devidamente, a pedido da estância aduaneira de destino, as circunstâncias que provocaram a inobservância do prazo.

50.      É evidente que quem invocar uma das exceções previstas no artigo 856.° do regulamento de aplicação deve demonstrar que as condições da sua aplicação estão reunidas. Caso contrário, as autoridades aduaneiras não teriam qualquer interesse jurídico em ser informadas sobre os movimentos exatos da mercadoria, mas poderiam constatar a constituição de uma dívida aduaneira em aplicação do artigo 204.° do código e determinar o montante dos direitos aduaneiros que o responsável principal tem de pagar.

51.      Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que à primeira questão, alínea b), responda que os interessados, para poderem invocar a exceção prevista no artigo 859.°, n.° 2), alínea c), do regulamento de aplicação, devem prestar às autoridades aduaneiras todas as informações que permitam provar que as condições exigidas estão reunidas.

C —    Ligação entre a dívida aduaneira constituída com base no artigo 204.° do código aduaneiro e o IVA

1.      Observações preliminares

52.      Com a segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se é devido IVA sobre a importação quando uma dívida aduaneira é constituída exclusivamente nos termos do artigo 204.° do código aduaneiro. A questão económica subjacente prende-se com o facto de, muitas vezes, a taxa de IVA ser ligeiramente superior às taxas de direitos aduaneiros aplicáveis.

53.      Nas conclusões que apresentei no processo Eurogate Distribution, abordei brevemente a questão da ligação entre os direitos aduaneiros e a tributação em sede de IVA. (26) Com efeito, importa observar que, no âmbito do artigo 204.° do código aduaneiro, é perfeitamente possível que uma dívida aduaneira se constitua mesmo que as mercadorias em causa tenham deixado a União ou nunca tenham entrado no circuito económico da União. (27)

54.      No processo principal, o Governo neerlandês entende que, se o Tribunal de Justiça concluir que se constituiu uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do código aduaneiro, será devido IVA uma vez que considera que a «importação» referida no artigo 204.° do código aduaneiro, que é um facto constitutivo de uma dívida aduaneira, corresponde à «importação de bens» mencionada no artigo 7.°, n.° 2, da Sexta Diretiva IVA. O momento em que as mercadorias saem do regime aduaneiro coincide com o da constituição da dívida aduaneira (28). Neste sentido, o Governo grego também considera que a dívida aduaneira e o IVA estão ligados. (29)

55.      Em contrapartida, a Comissão afirma que, no processo principal, embora a invalidação da declaração de aperfeiçoamento ativo relativa ao motor em causa tenha conduzido à saída da mercadoria do regime de depósito temporário, o IVA deve ser pago, uma vez que o motor deixa de estar sujeito a um dos regimes referidos no artigo 16.° da Sexta Diretiva IVA. Enquanto a mercadoria permanecer neste regime, independentemente da constituição de uma dívida aduaneira em conformidade com o artigo 204.°, n.° 1, alínea a), do código aduaneiro, o IVA não é exigível. Em seu entender, o IVA sobre a importação não é automaticamente exigível quando uma dívida aduaneira é exclusivamente constituída com base do artigo 204.° do código aduaneiro.

2.      Ligação entre a dívida aduaneira e o IVA

56.      Em primeiro lugar, importa apreciar a ligação entre a dívida aduaneira e o IVA à luz das disposições da Sexta Diretiva IVA.

57.      Observo, antes de mais, que o facto de uma dívida aduaneira constituída em conformidade com o artigo 204.° do código aduaneiro ser uma dívida aduaneira «à importação» não implica, ao contrário do que defende o Governo neerlandês, a exigibilidade do IVA sobre a importação nos termos da Sexta Diretiva. Com efeito, o código aduaneiro prevê duas formas de dívidas aduaneiras, relativas à importação e à exportação. (30) Em meu entender, este aspeto puramente terminológico não deve ter qualquer interferência na apreciação jurídica da ligação que pode existir entre o artigo 204.° do código aduaneiro e os artigos 7.° e 10.° da Sexta Diretiva.

58.      Na sua versão inicial datada de 1977, o artigo 10.°, n.° 3, segundo parágrafo, da Diretiva 77/388 tinha a seguinte redação (o sublinhado é meu):

«Quando os bens importados estão sujeitos a direitos aduaneiros, a direitos niveladores agrícolas ou a encargos de efeito equivalente, estabelecidos no âmbito de uma política comum, o facto gerador e a exigibilidade do imposto podem ficar sujeitos às normas vigentes para tais direitos comunitários.»

59.      Em contrapartida, na sua versão que resulta da Diretiva 91/680/CEE (31), que é aplicável no caso em apreço, o artigo 10.°, n.° 3, terceiro parágrafo, da Diretiva 77/388 dispõe (o sublinhado é meu). (32)

«Todavia, quando os bens importados estão sujeitos a direitos aduaneiros, a direitos niveladores agrícolas ou a encargos de efeito equivalente, estabelecidos no âmbito de uma política comum, o facto gerador ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que se verificam o facto gerador de a exigibilidade desses direitos comunitários.»

60.      Por conseguinte, considero que a opção facultada aos Estados-Membros na versão original da Sexta Diretiva foi substituída por uma disposição vinculativa na Diretiva 91/680, mesmo que nos trabalhos preparatórios não haja qualquer explicação a este respeito. Esta é uma distinção importante que se deve ter presente ao apreciar a respetiva jurisprudência (33). Com efeito, a jurisprudência que interpreta a redação inicial deixou de ser transponível para as situações reguladas pela alteração que resulta da Diretiva 91/680, que se aplica ao caso em apreço. (34)

3.      A presente situação

61.      No processo principal, deve ser seguida a apreciação sugerida pelo Tribunal de Justiça no processo que deu origem ao acórdão Profitube (35).

62.      A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 2.° da Sexta Diretiva IVA, estão sujeitas ao IVA as importações de bens, assim como as entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo enquanto tal.

63.      Numa primeira fase, há que verificar se, em circunstâncias como as do processo principal, houve uma importação na aceção do artigo 2.°, n.° 2, da Sexta Diretiva.

64.      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva, entende-se por «importação de um bem» a entrada no território da Comunidade de um bem que não preenche as condições enunciadas nos artigos 23.° CE e 24.° CE (36). Por seu lado, o artigo 7.°, n.° 3, da Sexta Diretiva IVA estabelece que, sempre que esse bem seja colocado, desde a sua entrada no território da Comunidade, sob um dos regimes a que se refere o n.° 1, alíneas a), b), c), e d), do ponto B, do artigo 16.°, da mesma diretiva, a sua importação é efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem deixa de estar colocado sob esses regimes.

65.      No caso em apreço, a mercadoria em causa, proveniente de um país terceiro, foi colocada sob o regime de trânsito externo de um Estado-Membro, em seguida, sob o de aperfeiçoamento ativo, sob a forma do sistema suspensivo e, por último, foi reexportada.

66.      Assim, desde a sua entrada no território da Comunidade, a mercadoria foi colocada, em primeiro lugar, sob o regime de trânsito externo e, em seguida, sob o do aperfeiçoamento ativo, previstos respetivamente nos artigos 7.°, n.° 3, primeiro parágrafo, e 16.°, n.° 1, ponto B, alínea c), da Sexta Diretiva. Na medida em que a mercadoria em causa ainda não tinha saído desses regimes na data em que ocorreu a reexportação, embora tenha sido materialmente introduzida no território da União, não é possível considerar que foi objeto de uma «importação» na aceção do artigo 2.°, n.° 2, da Sexta Diretiva (37). Da mesma forma, a inobservância de uma das obrigações decorrentes do recurso ao regime de trânsito externo não corresponde a uma «importação» na aceção desta disposição, não obstante poder ser um facto constitutivo de uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do código aduaneiro.

67.      A este respeito, o facto de essa mercadoria ter mudado de regime aduaneiro não é suscetível de lhe conferir a qualidade de mercadoria importada, na medida em que os dois regimes aduaneiros são visados pelo artigo 7.°, n.° 3, da Sexta Diretiva (38).

68.      Por conseguinte, tendo em conta a sujeição das mercadorias em causa a regimes aduaneiros suspensivos e o facto de não ter havido importação à data dos factos no processo principal, a referida mercadoria não estava sujeita ao IVA, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da Sexta Diretiva.

69.      Esta interpretação é conforme à anterior jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à importação e ao subsequente lançamento do IVA.

70.      Recordo que no processo Dansk Transport og Logistik (39) não era devido IVA. Neste processo estava em causa a introdução de cigarros no território aduaneiro da União, mas estes cigarros tinham sido imediatamente apreendidos pelas autoridades, que depois os destruíram. Por conseguinte, os cigarros não entraram no circuito económico da União e não existiu uma importação na aceção da Sexta Diretiva.

71.      De igual modo, no processo British American Tobacco e Newman Shipping (40) também não era devido IVA. Ora, importa sublinhar que este processo tinha por objeto mercadorias que já tinham sido apresentadas num entreposto fiscal. Assim, a questão colocada no referido processo não era relativa ao artigo 2.°, n.° 2, da Sexta Diretiva IVA, que define o conceito de importação, em causa no presente processo, mas ao n.° 1 desse artigo, relativo à entrega a título oneroso.

72.      Uma situação diferente foi a considerada no processo Harry Winston (41), a saber, a de uma importação seguida de um furto efetuado no entreposto aduaneiro. Neste processo, as mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro saíram deste regime devido a um furto. Ora, esta saída do regime aduaneiro constitui um facto gerador da dívida de IVA, presumindo-se então a introdução no circuito económico da União.

73.      Por último, abordarei a legislação neerlandesa em causa no processo principal. Observo que segundo o artigo 18.°, n.° 1, da Lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios, de 28 de junho de 1968, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, é considerada «importação de mercadorias» não só a entrada nos Países Baixos de diferentes mercadorias provenientes de um país terceiro [v. alíneas a) e b)], mas igualmente «o termo de um regime aduaneiro nos Países Baixos ou a saída, nos Países Baixos, de mercadorias de um regime aduaneiro» [v. alínea c)]. Por conseguinte, o legislador completou expressamente a lista das situações que lançam o IVA com o caso previsto na alínea c). Esta opção, que era possível ao abrigo da Sexta Diretiva na sua versão inicial e que se impunha após a alteração efetuada pela Diretiva 91/680, afigura-se conforme às exigências da legislação atual da União, como interpretada pelo Tribunal de Justiça.

74.      Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que, à segunda questão, responda que a Sexta Diretiva IVA e, em particular, o seu artigo 7.°, n.° 3, primeiro parágrafo, devem ser interpretados no sentido de que não é devido IVA sobre a importação se as mercadorias não saírem do regime aduaneiro, mesmo que seja constituída uma dívida aduaneira com fundamento no artigo 204.° do código aduaneiro devido ao incumprimento de uma das obrigações decorrentes da utilização do regime aduaneiro sob o qual as mercadorias foram colocadas.

V —    Conclusão

75.      Tendo em consideração o exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden do seguinte modo:

1)      Os artigos 203.° e 204.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pela última vez pelo Regulamento (CE) n.° 648/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005, conjugados com o artigo 859.°, n.° 2), alínea c), do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92, conforme alterado pela última vez pelo Regulamento (CE) n.° 2286/2003 da Comissão, de 18 de dezembro de 2003, devem ser interpretados no sentido de que a simples ultrapassagem do prazo de trânsito, fixado em conformidade com o artigo 356.°, n.° 1, do referido Regulamento n.° 2913/92, não leva à constituição de uma dívida aduaneira por subtração à fiscalização aduaneira, na aceção do artigo 203.° do referido Regulamento n.° 2913/92, mas à constituição de uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do mesmo regulamento. Os interessados, para poderem invocar a exceção prevista no artigo 859.°, n.° 2), alínea c), do Regulamento n.° 2454/93, conforme alterado pelo Regulamento n.° 2286/2003, devem prestar às autoridades aduaneiras todas as informações que permitam provar que as condições exigidas estão reunidas.

2)      A Sexta Diretiva do Conselho de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, conforme alterada pela última vez pela Diretiva 2004/66/CE do Conselho, de 26 de abril de 2004, e, em particular, o seu artigo 7.°, n.° 3, primeiro parágrafo, devem ser interpretados no sentido de que não é devido imposto sobre o valor acrescentado sobre a importação se as mercadorias não saírem do regime aduaneiro sob o qual foram colocadas, mesmo que seja constituída uma dívida aduaneira com fundamento no artigo 204.° do Regulamento n.° 2913/92, conforme alterado pelo Regulamento n.° 648/2005 devido ao incumprimento de uma das obrigações decorrentes da utilização desse regime aduaneiro.


1 —      Língua original: francês.


2 —      Regulamento do Conselho de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 648/2005 (JO L 117, p. 13) (a seguir «código aduaneiro»). O código aduaneiro foi revogado pelo Regulamento (CE) n.° 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de abril de 2008, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (Código Aduaneiro Modernizado) (JO L 145, p. 1), do qual algumas disposições entraram em vigor em 24 de junho de 2008, ao passo que outras entraram em vigor em 24 de junho de 2013. Atendendo à data dos factos no processo principal, este continua a reger-se pelas regras enunciadas no código aduaneiro.


3 —      Regulamento (CE) n.° 2454/93 da Comissão de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 (JO L 253, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 2286/2003 (JO L 343, p. 1) (a seguir «regulamento de aplicação»).


4 —      No processo principal, a mercadoria em causa é um motor diesel, entrado na União antes de dela sair, alguns meses mais tarde, integrado num navio.


5 —      Diretiva do Conselho de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2004/66/CE (JO L 168, p. 35, a seguir «Sexta Diretiva »). A referida diretiva foi revogada pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1). Todavia, atendendo à data dos factos no processo principal, este continua a reger-se pelas regras enunciadas na Sexta Diretiva.


6 —      Os artigos 9.° e 10.° do Tratado CEE passaram sucessivamente a artigos 23.° CE e 24.° CE e a artigos 28.° TFUE e 29.° TFUE).


7 —      Staatsblad 1968, n.° 329.


8 —      Segundo a decisão de reenvio, X tem o estatuto de expedidor autorizado na aceção do artigo 398.° do regulamento de aplicação, o que lhe permite apresentar a declaração eletrónica.


9 —      Segundo a decisão de reenvio, D não tem o estatuto de destinatário autorizado na aceção do artigo 406.°, n.° 1, do regulamento de aplicação. Daqui resulta que, por força desta disposição, D não está dispensado da obrigação de apresentar a mercadoria e os exemplares n.os 4 e 5 da declaração de trânsito na estância de destino.


10 —      Importa precisar que, segundo X, a empresa Z recebeu o motor e integrou-o num navio, o que corresponde ao objetivo prosseguido pelas partes. Em 19 de janeiro de 2006, X apresentou uma declaração de reexportação e o navio equipado com o motor deixou a União via Anvers (Bélgica).


11 —      Quanto à articulação entre os artigos 203.° e 204.° do código aduaneiro, v. n.os 75 e 76 das conclusões da advogada-geral J. Kokott no processo que deu origem ao acórdão de 3 de março de 2005, Papismedov e o. (C-195/03, Colet., p. I-1667).


12 —      Acórdão de 6 de setembro de 2012 (C-262/10, n.° 43).


13 —      V., neste sentido, acórdão Döhler Neuenkirchen, já referido (n.° 40).


14 —      O sublinhado é meu.


15 —      O responsável principal, que é muitas vezes transitário ou despachante aduaneiro, é a pessoa responsável pela aplicação correta do regime e pelo pagamento de todos os direitos exigíveis na sequência de uma infração ou de uma irregularidade cometida por ocasião desse trânsito.


16 —      Segundo este manual, podem ser apresentados os seguintes documentos, enquanto provas, para comprovar as circunstâncias abrangidas pelo artigo 356.°, n.° [5], do regulamento de aplicação, isto é, uma declaração à polícia (em caso de acidente, furto, etc.), um atestado passado por um serviço de saúde (em caso de prestações de cuidados de saúde, etc.), uma declaração passada por um serviço de assistência a veículos (em caso de reparação do veículo), qualquer prova de um atraso provocado por uma greve ou por qualquer outro caso fortuito. V. versão consolidada de 2010 do referido manual, parte IV, capítulo 4, n.° 5 «Apresentações fora do prazo» (o documento pode ser consultado na Internet no seguinte endereço: http://ec.europa.eu/taxation_customs/customs/procedural_aspects/transit/index_fr.htm).


17 —      Por outro lado, segundo o Manual do Trânsito, «[c]aso ocorram incidentes durante o transporte das mercadorias, o transportador deve informar de imediato a estância aduaneira competente mais próxima.» (V., Manual do Trânsito, já referido, parte IV, capítulo 3, n.° 3.1 «Formalidades a respeitar caso ocorram incidentes durante o transporte»).


18 —      V. nota da página 11 das presentes conclusões. Observo que, no Regulamento n.° 450/2008, a distinção entre os artigos 203.° e 204.° do código aduaneiro parece ter sido eliminada para efeitos de simplificação, uma vez que as disposições correspondentes se encontram agora num único artigo, nomeadamente, o artigo 46.° do referido regulamento. Por outro lado, em vez das expressões «subtração», «incumprimento» ou «não observância» que figuram nos artigos 203.° e 204.° do código aduaneiro, o novo artigo 46.° apenas refere o «incumprimento».


19 —      V. acórdão de 11 de julho de 2013, Harry Winston (C-273/12, n.° 27).


20 —      V. acórdãos de 12 de fevereiro de 2004, Hamann International (C-337/01, Colet., p. I-1791, n.° 30), e Harry Winston, já referido (n.° 28).


21 —      V. acórdãos de 11 de julho de 2002, Liberexim (C-371/99, Colet., p. I-6227, n.° 55, e jurisprudência referida); de 29 de abril de 2004, British American Tobacco (C-222/01, Colet., p. I-4683, n.° 47, e jurisprudência referida); de 20 de janeiro de 2005, Honeywell Aerospace (C-300/03, Colet., p. I-689, n.° 19); e Harry Winston, já referido (n.° 29).


22 —      No que respeita ao artigo 203.° do código aduaneiro e aos casos de desaparecimento de mercadorias (incluindo o caso de furto), v. acórdãos de 1 de fevereiro de 2001, D. Wandel (C-66/99, Colet., p. I-873, n.os 46 a 48 e 50); Honeywell Aerospace, já referido (n.os 12 e 18 a 20); de 15 de setembro de 2005, United Antwerp Maritime Agencies e Seaport Terminals (C-140/04, Colet., p. I-8245, n.° 15); e Harry Winston, já referido (n.os 14 e 30).


23 —      V. acórdãos de 5 de outubro de 1983, Esercizio Magazzini Generali e Mellina Agosta (186/82 e 187/82, Recueil, p. 2951); United Antwerp Maritime Agencies e Seaport Terminals, já referido (n.° 31); e Harry Winston, já referido (n.° 31).


24 —      V. jurisprudência referida na nota 22 das presentes conclusões.


25 —      V. jurisprudência referida na nota 21 das presentes conclusões.


26 —      V. n.° 45 das conclusões que apresentei no processo que deu origem ao acórdão de 6 de setembro de 2012 (C-28/11).


27 —      Ibidem (n.° 48).


28 —      A este respeito, o Governo neerlandês refere o n.° 44 do acórdão Liberexim, já referido.


29 —      O Governo checo não se pronuncia sobre esta questão.


30 —      V. artigo 4.°, n.os 10 e 11, do código aduaneiro.


31 —      Diretiva do Conselho de 16 de dezembro de 1991, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e altera, tendo em vista a abolição das fronteiras fiscais, a Diretiva 77/388/CEE (JO L 376, p. 1).


32 —      Importa observar que o teor do artigo 10.°, n.° 3, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva foi retomado, com alguns pequenos ajustamentos linguísticos, no artigo 71.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112.


33 —      Relativamente à ligação entre os direitos aduaneiros e o IVA na versão original da Sexta Diretiva, v. n.os 18 e 29 das conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs no processo que deu origem ao acórdão de 6 de dezembro de 1990, Witzemann (C-343/89, Colet., p. I-4477).


34 —      A este respeito, observo que o n.° 41 do acórdão Harry Winston, já referido, menciona o facto de a Sexta Diretiva «autorizar» os Estados-Membros a ligar o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação aos direitos aduaneiros. É verdade que a Sexta Diretiva na sua versão original autorizava esta ligação, mas após a alteração efetuada pela Diretiva 91/680 considero que é mais correto utilizar uma expressão como «obrigar».


35 —      Acórdão de 8 de novembro de 2012 (C-165/11, n.os 40 e segs.).


36 —      Decorre do artigo 24.° CE (atual artigo 29.° TFUE) que «[c]onsideram-se em livre prática num Estado-Membro os produtos provenientes de países terceiros em relação aos quais se tenham cumprido as formalidades de importação e cobrado os direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente exigíveis nesse Estado-Membro, e que não tenham beneficiado de draubaque total ou parcial desses direitos ou encargos».


37 —      V., neste sentido, acórdãos de 9 de fevereiro de 2006, Comissão/Reino-Unido (C-305/03, Colet., p. I-1213, n.° 41), e Profitube, já referido (n.° 46).


38 —      V., neste sentido acórdão Profitube, já referido (n.° 47).


39 —      Acórdão de 29 de abril de 2010 (C-230/08, Colet., p. I-3799).


40 —      Acórdão de 14 de julho de 2005 (C-435/03, Colet., p. I-7077).


41 —      Acórdão Harry Winston, já referido.