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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

M. CAMPOS SÁNCHEZ-BORDONA

apresentadas em 12 de janeiro de 2016 (1)

Processos apensos C-226/14 e C-228/14

Eurogate Distribution GmbH

contra

Hauptzollamt Hamburg-Stadt (C-226/14)

e

DHL Hub Leipzig GmbH

contra

Hauptzollamt Braunschweig (C-228/14)

[pedidos de decisão prejudicial submetidos pelo Finanzgericht Hamburg (Alemanha)]

«Código Aduaneiro Comunitário – Entreposto aduaneiro – Regime de trânsito externo – Constituição de uma dívida aduaneira como consequência do incumprimento de uma obrigação – Registo tardio na contabilidade de existências – Apresentação tardia das mercadorias numa autoridade aduaneira competente – Sexta Diretiva – Diretiva IVA – Exigibilidade do IVA – Relação entre a dívida aduaneira e a dívida do IVA»





1.        No âmbito de um caso de incumprimento das obrigações formais a que uma mercadoria em regime de suspensão dos direitos de importação está sujeita, um órgão jurisdicional alemão pergunta ao Tribunal de Justiça se à dívida aduaneira que resulta desse incumprimento nos termos do artigo 204.° do Código Aduaneiro Comunitário (2), acresce a liquidação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA). Se assim for, o órgão jurisdicional pretende saber se a pessoa obrigada ao pagamento do IVA é a mesma que não cumpriu as formalidades aduaneiras, incluindo quando se trate de um depositário que não tinha poder de disposição sobre tal mercadoria.

2.        Os presentes processos permitem que o Tribunal de Justiça precise a jurisprudência fixada no seu acórdão X (3), no qual interpretou o artigo 7.° da Sexta Diretiva (4) declarando que o IVA é devido sempre que as mercadorias tenham saído dos regimes aduaneiros previstos na referida disposição, mesmo se a dívida aduaneira tiver sido constituída exclusivamente nos termos do artigo 204.° CAC.

3.        A resposta às questões prejudiciais submetidas em ambos os processos permite duas abordagens. A primeira limitar-se-ia a uma mera repetição literal daquilo que o Tribunal de Justiça afirmou no acórdão X (5), sem grandes matizes. A segunda, em contrapartida, introduziria tais matizes na análise dos problemas suscitados, partindo de uma perspetiva não formalista mas orientada para a função e o caráter do IVA enquanto imposto com características únicas que incide sobre o acréscimo de valor que ocorre em cada fase do processo de produção ou de distribuição de bens e serviços.

4.        Uma leitura atenta do acórdão de 15 de maio de 2014 leva-me a afirmar que, na realidade, a simultaneidade do IVA e da dívida aduaneira que resulta do incumprimento de determinadas condições não é tão automática como se poderia deduzir do teor literal do dispositivo do acórdão X (6); antes é possível inferir tanto da sua fundamentação como, em particular, da própria natureza do IVA que a constituição de uma dívida aduaneira não tem que implicar, necessariamente, o pagamento do IVA na importação.

I –    Enquadramento jurídico

A –    Direito da União

1.      Código Aduaneiro Comunitário

5.        O artigo 4.° do CAC estabelece que:

«Na aceção do presente código, entende-se por:

[...]

7)      Mercadorias comunitárias: as mercadorias:

–        inteiramente obtidas no território aduaneiro da Comunidade nas condições referidas no artigo 23.°, sem incorporação de mercadorias importadas de países ou territórios que não façam parte do território aduaneiro da Comunidade. Nos casos de especial importância económica determinados de acordo com o procedimento do comité, as mercadorias obtidas a partir de mercadorias sujeitas a um regime suspensivo não são consideradas como tendo caráter comunitário,

–        importadas de países ou territórios que não façam parte do território aduaneiro da Comunidade e introduzidas em livre prática,

–        obtidas no território aduaneiro da Comunidade, quer exclusivamente a partir das mercadorias referidas no segundo travessão quer a partir das mercadorias referidas no primeiro e no segundo travessões.

[…]».

6.        O artigo 37.° do CAC dispõe que:

«1.      As mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade ficam, desde essa introdução, sujeitas à fiscalização aduaneira. Podem ser sujeitas a controlo aduaneiros nos termos das disposições em vigor.

2.      Permanecem sob essa fiscalização o tempo necessário para determinar o seu estatuto aduaneiro e, tratando-se de mercadorias não comunitárias e sem prejuízo do n.° 1 do artigo 82.°, até mudarem de estatuto aduaneiro, serem colocadas numa zona franca ou num entreposto franco ou serem reexportadas ou inutilizadas nos termos do artigo 182.°»

7.        O artigo 50.° do CAC prevê que «[e]nquanto aguardam que lhes seja atribuído um destino aduaneiro, as mercadorias apresentadas à alfândega têm, a partir do momento dessa apresentação, o estatuto de mercadorias em depósito temporário. Estas mercadorias serão denominadas, nos artigos seguintes, ‘mercadorias em depósito temporário’».

8.        Nos termos do artigo 79.° do CAC:

«A introdução em livre prática confere o estatuto aduaneiro de mercadoria comunitária a uma mercadoria não comunitária.

[…]»

9.        De acordo com o artigo 89.°, n.° 1, do CAC, «[u]m regime económico suspensivo será apurado quando às mercadorias a ele sujeitas ou, eventualmente, aos produtos compensadores ou transformados obtidos sob esse regime for atribuído um novo destino aduaneiro autorizado.»

10.      O artigo 91.° do CAC estabelece que:

«1.      O regime do trânsito externo permite a circulação de um ponto a outro do território aduaneiro da Comunidade:

a)      De mercadorias não comunitárias, sem que fiquem sujeitas a direitos de importação e a outras imposições bem como a medidas de política comercial;

[...]

2.      A circulação prevista no n.° 1 pode efetuar-se:

a)      Ao abrigo do regime de trânsito comunitário externo;

[...]».

11.      O artigo 92.° do CAC dispõe que:

«1.      O regime de trânsito externo termina e as obrigações do titular do regime ficam cumpridas quando as mercadorias ao abrigo do regime e os documentos exigidos são apresentados na estância aduaneira de destino, de acordo com as disposições do regime em questão.

2.      As autoridades aduaneiras apuram o regime de trânsito externo quando puderem determinar, com base na comparação dos dados disponíveis na estância aduaneira de partida com os disponíveis na estância aduaneira de destino, que o regime terminou corretamente.»

12.      Nos termos do artigo 96.° do CAC:

«1.      O responsável principal é o titular do regime de trânsito comunitário externo, competindo-lhe:

a)      Apresentar as mercadorias intactas na estância aduaneira de destino no prazo prescrito, respeitando as medidas de identificação tomadas pelas autoridades aduaneiras;

b)      Respeitar as disposições relativas ao regime do trânsito comunitário.

2.      Sem prejuízo das obrigações do responsável principal referidas no n.° 1, o transportador ou o destinatário das mercadorias, que receba as mercadorias sabendo que as mesmas se encontram em regime de trânsito comunitário, é igualmente obrigado a apresentar as mercadorias intactas na estância aduaneira de destino no prazo fixado, respeitando as medidas de identificação tomadas pelas autoridades aduaneiras.»

13.      O artigo 98.°, n.° 1, do CAC, tem a seguinte redação «[o] regime de entreposto aduaneiro permite a armazenagem num entreposto aduaneiro: a) [d]e mercadorias não comunitárias sem que fiquem sujeitas a direitos de importação nem a medidas de política comercial […]».

14.      De acordo com o artigo 105.° do CAC, «[a] pessoa designada pelas autoridades aduaneiras deve manter, sob uma forma reconhecida por essas autoridades, uma contabilidade de existências de todas as mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro. A contabilidade de existências não será necessária no caso dos entrepostos públicos geridos pelas autoridades aduaneiras. […]».

15.      O artigo 204.° do CAC dispõe que:

«1.      É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a)      O incumprimento de uma das obrigações que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam da sua permanência em depósito temporário ou da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida

ou

b)      A não observância de uma das condições fixadas para a sujeição de uma mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais,

em casos distintos dos referidos no artigo 203.°, salvo se se provar que o incumprimento ou a não observância não tiver reais consequências para o funcionamento correto do depósito temporário ou do regime aduaneiro em questão.

2.      A dívida aduaneira considera-se constituída quer no momento em que cessa o cumprimento da obrigação cujo incumprimento dá origem à dívida aduaneira quer no momento em que a mercadoria foi submetida ao regime aduaneiro em causa quando se verificar a posteriori que não foi, na realidade, cumprida uma das condições fixadas para a sujeição dessa mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais.

3.      O devedor é a pessoa responsável, consoante o caso, quer pelo cumprimento das obrigações que decorrem da permanência em depósito temporário de uma mercadoria sujeita a direitos de importação ou da utilização do regime aduaneiro a que essa mercadoria esteja submetida quer pela observância das condições fixadas para a sujeição da mercadoria a esse regime.»

2.      Regulamento (CEE) n.° 2454/93 (7)

16.      O artigo 356.° do regulamento de aplicação estabelece:

«1.      A estância de partida fixa a data limite em que as mercadorias devem ser apresentadas na estância de destino, tendo em conta o trajeto a percorrer, as disposições da regulamentação que regem o transporte e de outras regulamentações aplicáveis, bem como, eventualmente, os elementos comunicados pelo responsável principal.

[…]»

17.      O artigo 512.° do regulamento de aplicação prevê no seu n.° 3 que «[a] transferência para a estância de saída tendo em vista a reexportação pode efetuar-se ao abrigo do regime. Nesse caso, o regime só é apurado depois de as mercadorias e os produtos declarados para reexportação terem efetivamente saído do território aduaneiro da Comunidade».

18.      Nos termos do artigo 529.°, n.° 1, do regulamento de aplicação, «[a] contabilidade de existências deve, em qualquer momento, apresentar a situação atual das existências de mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro. O depositário deve entregar à estância de controlo, nos prazos fixados pelas autoridades aduaneiras, uma relação dessas existências».

19.      Segundo o artigo 530.°, n.° 3, do mesmo regulamento, «[o]s registos na contabilidade de existências relativos ao apuramento do regime efetuam-se o mais tardar no momento da saída das mercadorias do entreposto aduaneiro ou das instalações de armazenagem».

20.      De acordo com o artigo 860.° do referido regulamento, «[a]s autoridades aduaneiras consideram uma dívida aduaneira como constituída nos termos do n.° 1 do artigo 204.° do [CAC], salvo se a pessoa suscetível de ser o devedor provar que se encontram preenchidas as condições do artigo 859.°».

21.      O artigo 866.° do regulamento de aplicação dispõe que «[s]em prejuízo das disposições previstas em matéria de proibição ou de restrição eventualmente aplicáveis à mercadoria em causa, quando se constituir uma dívida aduaneira por força do disposto nos artigos 202.°, 203.°, 204.° ou 205.° do código e tiverem sido pagos os direitos de importação, considerar-se-á essa mercadoria como comunitária, sem que haja necessidade de processar a declaração para introdução em livre prática».

3.      Sexta Diretiva

22.      O artigo 2.° da Sexta Diretiva estabelecia que «[e]stão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado: […] 2. As importações de bens».

23.      Nos termos do artigo 7.° da Sexta Diretiva:

«1.      Por ‘importação de um bem’, entende-se:

a)      A entrada no território da Comunidade de um bem que não preenche as condições enunciadas nos artigos [23.° CE e 24.° CE] ou, caso se trate de um bem ao qual se aplique o Tratado [CECA], que não se encontre em livre prática;

b)      A entrada no território da Comunidade de um bem proveniente de um território terceiro, que não seja um bem referido na alínea a).

2.      A importação de um bem é efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem se encontra no momento em que entra no território da Comunidade.

3.      Em derrogação do n.° 2, sempre que um bem referido na alínea a) do n.° 1 seja colocado desde a sua entrada no território da Comunidade sob um dos regimes a que se refere o n.° 1, alíneas a), b), c), e d) do ponto B, do artigo 16.°, sob um regime de admissão temporária com isenção total de direitos de importação ou de trânsito externo, a importação desse bem é efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem deixa de estar colocado sob esses regimes.

Da mesma forma, sempre que um bem abrangido pelo n.° 1, alínea b), for colocado, a partir da sua entrada na Comunidade, sob um dos regimes previstos no n.° 1, alínea b) ou c), do artigo 33.°-A a importação desse bem será efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem sai desses regimes.»

24.      De acordo com o artigo 10.°, n.° 3, da Sexta Diretiva, «[o] facto gerador ocorre, e o imposto é exigível, no momento em que é efetuada a importação do bem. Sempre que os bens sejam colocados, desde a sua entrada no território da Comunidade, sob um dos regimes previstos no n.° 3 do artigo 7.°, o facto gerador e a exigibilidade do imposto só se verificam no momento em que os bens deixem de estar sujeitos a esse regime. […]»

25.      O artigo 17.° da Sexta Diretiva dispunha:

«1.      O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

2.      Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)      O [IVA] devido ou pago no território do país em relação a bens que lhe sejam ou venham a ser entregues e em relação a serviços que lhe sejam ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b)      O [IVA] devido ou pago em relação a bens importados para o território do país;

[…]».

26.      De acordo com o disposto no artigo 21.°, n.° 4, da Sexta Diretiva, « Na importação, o [IVA] é devido pela pessoa ou pessoas designadas ou reconhecidas como sujeitos passivos pelo Estado-Membro de importação».

4.      Diretiva IVA (8)

27.      O artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva IVA estabelece que «[e]stão sujeitas ao IVA as seguintes operações: […] d) As importações de bens».

28.      Nos termos do artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA, «[e]ntende-se por ‘sujeito passivo’ qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade […]».

29.      O artigo 30.° da Diretiva IVA tem a seguinte redação:

«Entende-se por ‘importação de bens’ a introdução na Comunidade de um bem que não se encontre em livre prática na aceção do artigo 24.° do Tratado.

Para além da operação referida no primeiro parágrafo, considera-se importação de bens a introdução na Comunidade de um bem em livre prática proveniente de um território terceiro que faça parte do território aduaneiro da Comunidade.»

30.      Segundo o artigo 60.° da Diretiva IVA «[a] importação de bens é efetuada no Estado-Membro em cujo território se encontra o bem no momento em que é introduzido na Comunidade».

31.      O artigo 61.° da Diretiva IVA estabelece:

«Em derrogação do disposto no artigo 60.°, quando um bem que não se encontre em livre prática esteja abrangido, desde a sua introdução na Comunidade, por um dos regimes ou situações previstos no artigo 156.° ou por um regime de importação temporária com isenção total de direitos de importação ou por um regime de trânsito externo, a sua importação é efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem deixa de estar abrangido por esses regimes ou situações.

Da mesma forma, quando um bem que se encontre em livre prática esteja sujeito, desde a sua introdução na Comunidade, a um dos regimes ou situações previstos nos artigos 276.° e 277.°, a sua importação é efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem deixa de estar sujeito a esses regimes ou situações.»

32.      De acordo com o artigo 70.° da Diretiva IVA, «[o] facto gerador ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a importação de bens.»

33.      Nos termos do artigo 71.°, n.° 1, da Diretiva IVA, «[q]uando um bem esteja abrangido, desde a sua introdução no território da Comunidade, por um dos regimes ou situações previstos nos artigos 156.°, 276.° e 277.°, ou por um regime de importação temporária com isenção total de direitos de importação ou por um regime de trânsito externo, o facto gerador e a exigibilidade do imposto só se verificam no momento em que o bem deixa de estar abrangido por esses regimes ou situações. […]»

34.      O artigo 143.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA estabelece que «[o]s Estados-Membros isentam […] [a]s importações de bens expedidos ou transportados a partir de um território terceiro ou de um país terceiro para um Estado-Membro que não seja o de chegada da expedição ou do transporte, no caso de a entrega desses bens, efetuada pelo importador designado ou reconhecido como devedor do imposto por força do disposto no artigo 201.°, estar isenta em conformidade com o artigo 138.°».

35.      Segundo o artigo 167.° da Diretiva IVA, «[o] direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

36.      O artigo 168.° da Diretiva IVA prevê que:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]

e)      O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro.»

37.      Nos termos do artigo 178.° da Diretiva IVA, «[p]ara poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições: […] e) Relativamente à dedução referida na alínea e) do artigo 168.°, no que respeita às importações de bens, possuir um documento comprovativo da importação que o designe como destinatário ou importador e que mencione ou permita calcular o montante do IVA devido […]».

38.      Em conformidade com o artigo 201.° da Diretiva IVA, «[n]a importação, o IVA é devido pela pessoa ou pessoas designadas ou reconhecidas como devedores pelo Estado-Membro de importação».

B –    Direito nacional

39.      O § 1 da Lei do imposto sobre o volume de negócios (Umsatzsteuergesetz; a seguir, «UStG»), na sua versão aplicável aos factos controvertidos (9), estabelece:

«(1)      Estão sujeitas a imposto as seguintes operações:

1.      as entregas e outras prestações realizadas a título oneroso no território alemão por uma empresa no âmbito da sua atividade;

[…]

4.      as importações de bens na Alemanha […] (imposto sobre o volume de negócios na importação);

[…]».

40.      Nos termos do § 15, n.° 1, da UStG:

«O empresário pode deduzir os seguintes montantes de impostos suportados:

1.      O imposto legalmente devido por fornecimentos e outras prestações que são exportadas por outro empresário para a sua empresa;

2.      O imposto sobre o volume de negócios na importação constituído para bens que são importados para a sua empresa nos termos do § 1, n.° 1, ponto 4;

[…]».

41.      O § 21 da UStG dispõe:

«(1)      O imposto sobre o volume de negócios na importação é um imposto sobre o consumo na aceção do Código Geral dos Impostos (Abgabenordnung).

(2)      As regras aduaneiras são aplicáveis por analogia ao imposto sobre o volume de negócios na importação; com exceção das regras relativas ao aperfeiçoamento ativo no sistema de reembolso e das relativas ao aperfeiçoamento passivo.

[…]»

II – Matéria de facto e questões prejudiciais

A –    Processo C-226/14

42.      Conforme especifica a decisão de reenvio, a Eurogate Distribution GmbH (a seguir, «Eurogate»), recorrente no processo principal, recebeu no seu entreposto aduaneiro mercadorias em trânsito dos seus clientes e preparou-as com o objetivo de envio para vários países da Europa de Leste. O armazenamento durou, em média, mais de seis semanas. As mercadorias foram posteriormente recolhidas no armazém da Eurogate por empresas de transporte com sede nos respetivos países de destino.

43.      Na sequência de uma inspeção aduaneira referente ao período compreendido entre 1 de julho e 31 de dezembro de 2006, ficou demonstrado que, em algumas ocasiões, as saídas do entreposto aduaneiro tinham sido registadas com atraso (que poderia ir até 126 dias em relação à data de saída) na contabilidade de existências que a legislação aduaneira exige.

44.      Ao liquidar os direitos de importação em 1 de julho de 2008, o Hauptzollamt Hamburg-Stadt fixou o montante da dívida aduaneira e do IVA na importação. A Eurogate apresentou reclamação da liquidação mas esta foi indeferida. Perante a decisão de indeferimento, interpôs recurso no Finanzgericht Hamburg.

45.      O Finanzgericht Hamburg já submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial relativa à dívida aduaneira, que foi decidida com o acórdão Eurogate (10). No n.° 35 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que «o artigo 204.°, n.° 1, alínea a), do [CAC] deve ser interpretado no sentido de que, no caso de uma mercadoria não comunitária, o incumprimento da obrigação de registar na contabilidade de existências prevista para este efeito a saída da mercadoria de um entreposto aduaneiro, o mais tardar no momento dessa saída, é constitutivo de uma dívida aduaneira a respeito da referida mercadoria, ainda que a mesma tenha sido reexportada».

46.      A Eurogate mantém a impugnação da liquidação, no que respeita à parte referente ao IVA na importação, e requer que a liquidação deste imposto seja anulada.

47.      Neste contexto, o Finanzgericht Hamburg submete as seguintes questões:

«1)      É contrária ao disposto na Sexta Diretiva 77/388/CEE a cobrança de IVA sobre a importação de bens reexportados como mercadorias não comunitárias, mas relativamente aos quais se constituiu uma dívida aduaneira, por violação do artigo 204.° do [CAC] – no caso vertente, por não cumprimento atempado da obrigação de registar, na contabilidade de existências prevista para o efeito, a saída da mercadoria do entreposto aduaneiro o mais tardar até ao momento dessa saída?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão:

      O disposto na Sexta Diretiva 77/388/CEE impõe, nestes casos, a cobrança de IVA relativamente às mercadorias, ou os Estados-Membros têm, para o efeito, uma margem de decisão?

e

3)      O detentor de um entreposto aduaneiro, que armazena no seu entreposto um bem proveniente de um Estado terceiro, no contexto de uma prestação de serviços e sem que possa dispor desse bem, é devedor do IVA sobre as importações de bens, resultante do incumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 10.°, n.° 3, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva 77/388/CEE, conjugado com o artigo 204.°, n.° 1, do [CAC], mesmo nos casos em que esse bem não seja utilizado para os fins das suas próprias operações tributáveis, na aceção do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva 77/388/CEE?»

B –    Processo C-228/14

48.      Em 5 de janeiro de 2011 iniciou-se um regime de trânsito externo T 1 em relação a mercadorias que deviam ser transportadas até Macau no prazo fixado (até 12 de janeiro de 2011), através da estância aduaneira do aeroporto de Hannover ou do aeroporto de Leipzig. A DHL Hub Leipzig GmbH (a seguir «DHL») era um transportador na aceção do artigo 96.°, n.° 2, do CAC e não apresentou a mercadoria na estância aduaneira do aeroporto de Leipzig antes do seu envio para Macau.

49.      Não foi possível terminar o regime aduaneiro nos termos do artigo 366.°, n.° 2, do regulamento de aplicação porque não foram apresentados os documentos necessários.

50.      Em 8 de agosto de 2011 o Hauptzollamt Braunschweig emitiu relativamente à DHL a liquidação do IVA na importação, em conformidade com o artigo 204.°, n.° 1, alínea a), do CAC. Em concreto, o montante do IVA liquidado ascendia a 6 002,01 euros. Em 29 de fevereiro de 2012, a DHL reclamou o reembolso do IVA na importação pago na sequência de tal liquidação, nos termos do artigo 236.° do CAC.

51.      O Hauptzollamt Braunschweig indeferiu o pedido de reembolso através da decisão de 28 de março de 2012. Tendo a sua reclamação sido julgada improcedente, a DHL interpôs recurso no Finanzgericht Hamburg, no qual requereu a declaração de nulidade da decisão do Hauptzollamt e a reintegração do IVA na importação.

52.      Neste contexto, o Finanzgericht Hamburg submete a seguinte questão:

«Deve o IVA sobre a importação de bens reexportados como mercadorias não comunitárias sujeitas a fiscalização aduaneira, mas relativamente aos quais se constituiu uma dívida aduaneira por violação do artigo 204.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o [CAC] - no caso vertente, não cumprimento, no prazo estabelecido, do regime de trânsito comunitário externo, através da apresentação dos bens na estância aduaneira competente antes da respetiva colocação em país terceiro –, ser considerado não legalmente devido, na aceção do artigo 236.°, n.° 1, do [CAC], conjugado com o disposto na Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, pelo menos quando o imposto é exigido à pessoa a quem incumbia a obrigação não cumprida, sem poder dispor dos bens?»

III – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

53.      A questão prejudicial C-226/14 foi registada no Tribunal de Justiça em 8 de maio de 2014. A questão C-228/14, em 12 de maio de 2014.

54.      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de outubro de 2014 ambos os processos foram apensados para efeitos dos procedimentos escrito e oral e para poderem ser decididos através de um único acórdão.

55.      No procedimento escrito intervieram o Hauptzollamt Hamburg-Stadt, o Hauptzollamt Braunschweig, a Eurogate, o Governo grego e a Comissão.

56.      Em 5 de junho de 2014, foi pedido ao Finanzgericht Hamburg que confirmasse se, à luz do acórdão do Tribunal de Justiça X (11), mantinha os seus pedidos de decisão prejudicial. O órgão jurisdicional de reenvio manifestou, por articulado registado em 3 de outubro de 2014, que pretendia manter as questões submetidas. Em concreto, solicitou ao Tribunal de Justiça que, ao responder à primeira questão, «esclareça se sempre que se tiver constituído uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do [CAC] é também devido o [IVA] independentemente de a mercadoria estar abrangida pelo regime de suspensão do artigo 16.°, n.° 1, [ponto] B, alínea b), da Sexta Diretiva ou pelo regime de trânsito externo, nos termos das disposições da Diretiva 77/388/CEE, ou se não há que cobrar [IVA] pela importação de mercadorias que se encontravam, enquanto mercadorias não comunitárias, num regime de entreposto aduaneiro e que posteriormente foram reexportadas, mediante a correspondente declaração aduaneira, mas em relação às quais se constituiu entretanto uma dívida aduaneira nos termos do 204.°, n.° 1, do [CAC] (que, todavia, só foi determinada após a reexportação) por o depositário aduaneiro ter cumprido com vários dias de atraso a sua obrigação de registar na contabilidade de existências, o mais tardar quando a mesma ocorra, a saída da mercadoria do entreposto aduaneiro».

57.      Por despacho de 1 de outubro de 2015, o Tribunal de Justiça convidou as partes a concentrarem as suas alegações durantea audiência pública nas segunda e terceira questões do processo C-226/14 e na questão que foi submetida no processo C-228/14. As partes foram também convidadas a pronunciarem-se sobre se é possível considerar que o IVA na importação foi pago quando a mercadoria foi reexportada.

58.      Na audiência pública, celebrada em 11 de novembro de 2015, estiveram presentes o Hauptzollamt Hamburg-Stadt, o Hauptzollamt Braunschweig, a Eurogate e a Comissão.

IV – Alegações

59.      No que respeita à primeira das questões formuladas no processo C-226/14, a Eurogate considera que a liquidação do IVA na importação viola a Sexta Diretiva quando a dívida aduaneira foi constituída nos termos do artigo 204.°, n.° 1, alínea a), do CAC, uma vez que em tal caso não existe importação na aceção da Sexta Diretiva.

60.      Relativamente às segunda e terceira questões do mesmo processo C-226/14, a Eurogate alega que os Estados-Membros não gozam de margem de manobra para definirem o conceito de «importação» na aceção da Sexta Diretiva. Em seu entender, possuem alguma margem para definirem quem é o devedor do IVA, nos termos do artigo 21.° da Sexta Diretiva, uma vez que a este respeito existem duas interpretações alternativas, nomeadamente: a) considerar «importador» quem introduz a mercadoria não comunitária, ou seja, quem efetua a declaração aduaneira ou comete uma irregularidade aduaneira; ou b) considerar «importador» apenas quem pode dispor da mercadoria como proprietário no momento da importação. No primeiro caso, o importador deveria ter direito à dedução do IVA devido, o que não sucedeu no caso da Eurogate. Isto demonstra, ainda segundo esta sociedade, uma incompatibilidade do direito nacional aplicado com a legislação da União.

61.      Quanto à questão do processo C-228/14, a Eurogate alega que não existe obrigação de pagamento do IVA se, como sucede no caso em apreço, a mercadoria não comunitária foi reexportada sob fiscalização aduaneira a partir de um regime de trânsito. Para a Eurogate, os seus argumentos relativos ao conceito de «importador» na aceção da Sexta Diretiva são igualmente válidos para a Diretiva IVA.

62.      Tanto o Hauptzollamt Hamburg-Stadt como o Hauptzollamt Braunschweig afirmam que o incumprimento das obrigações aduaneiras origina, além de uma dívida aduaneira, a obrigação de pagamento do IVA. Em seu entender, o incumprimento da obrigação de registar na contabilidade de existências as mercadorias que se encontram em regime de entreposto aduaneiro deve ser equiparado a uma subtração à fiscalização aduaneira. Em ambos os casos as autoridades aduaneiras são privadas da possibilidade de fiscalizarem a circulação das mercadorias e, assim, de assegurarem o respeito das condições referidas no sistema de adiantamento da restituição à exportação.

63.      Segundo o Hauptzollamt Hamburg-Stadt, do mesmo modo que a obrigação de pagamento dos direitos aduaneiros resulta do incumprimento das condições que é necessário cumprir para beneficiar da vantagem da aplicação do regime do entreposto aduaneiro (o que, por conseguinte, justifica a imposição dos direitos aduaneiros), também não é possível reclamar tal vantagem em relação ao IVA quando o incumprimento de uma obrigação imposta pelo regime do entreposto aduaneiro compromete as fiscalizações das autoridades aduaneiras.

64.      O Governo grego alegou, em relação à primeira questão do processo C-226/14, que, partindo de uma interpretação conjugada das legislações da União relativas ao IVA e ao regime aduaneiro, a exigência de IVA num caso como o controvertido decorre da Sexta Diretiva.

65.      No que respeita à segunda questão, o Governo grego considera que as disposições da Diretiva IVA relativas à importação de bens e à exigibilidade do imposto na importação são de aplicação imperativa. A irregularidade na contabilidade de existências inclui a constituição de uma dívida aduaneira mas não exige qualquer apreciação por parte das autoridades em função das circunstâncias específicas do caso. Por conseguinte, a constituição da dívida aduaneira no âmbito do processo principal também implica a obrigação tributária, pelo que o IVA é exigível ao devedor do imposto e da obrigação (o depositante).

66.      Relativamente à terceira questão, o Governo grego afirma que cabe aos Estados-Membros determinar o devedor do imposto na importação, não podendo, em seu entender, considerar-se que o único devedor é o importador dos bens, uma vez que também pode ser devedor o titular da dívida aduaneira constituída nos termos do CAC.

67.      Quanto à questão em causa no processo C-228/14, o Governo grego alega que, antes de mais, é necessário determinar se os incumprimentos não constituem uma subtração das mercadorias à fiscalização aduaneira por ação ou negligência do obrigado e se as formalidades relevantes foram regularizadas a posteriori. Na medida em que resulta das circunstâncias do processo que as alíneas a) e c) do artigo 859.°, n.° 2, do regulamento de aplicação não foram respeitadas, importa apreciar, segundo o Governo grego, se a estância de destino está em condições de assegurar que essas mesmas mercadorias receberam um destino aduaneiro após o apuramento do regime de trânsito. Por conseguinte, e tendo em conta, por um lado, as disposições da Diretiva IVA relativas ao facto gerador e à exigibilidade do imposto e, por outro, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo X (12), quando a dívida aduaneira tenha sido constituída nos termos do artigo 204.° do CAC também se produz o facto gerador do IVA, que é imediatamente exigível. Os devedores do IVA serão as pessoas que deviam executar as obrigações do regime aduaneiro de trânsito, ou seja, o obrigado principal do regime de trânsito (artigo 96.°, n.° 1, do CAC) e a sociedade de transporte (artigo 96.°, n.° 2, do CAC), apesar de não poder deduzir o IVA.

68.      A Comissão alega que se deve responder afirmativamente à primeira questão do processo C-226/14, devido às diferenças entre os direitos aduaneiros e o IVA na importação. Afirma que tais diferenças levaram o Tribunal de Justiça a declarar que a constituição do IVA e da dívida aduaneira devem ser sempre apreciadas de forma independente, sendo que o IVA pode ser devido mesmo que não exista qualquer dívida aduaneira e vice-versa.

69.      A Comissão assinala que a condição estabelecida pelo artigo 2.°, n.° 2, da Sexta Diretiva é a importação de um bem. Uma vez que os bens em regime de admissão temporal ou suspensivo não são bens importados, o IVA na importação só é devido se os bens saírem do referido regime. No caso dos autos, as mercadorias encontravam-se em regime de entreposto aduaneiro quando saíram efetivamente do território aduaneiro, pelo que estiveram sempre sob um «regime suspensivo». Assim, não existiu importação e, por conseguinte, também não era necessário liquidar o IVA na importação.

70.      Além disso, ainda segundo a Comissão, o facto de um incumprimento do depositário gerar uma dívida aduaneira por força do artigo 204.°, n.° 1, alínea a), do CAC não permite inferir que a mercadoria foi importada, uma vez que, ao contrário das dívidas previstas nos artigos 202.° e 203.° do CAC, a dívida constituída nos termos do artigo 204.° do CAC não pressupõe que os bens tenham sido introduzidos no circuito económico da União. A simples remissão do direito nacional para a legislação aduaneira da União, como sucede no § 21 da UStG, também não alarga o conceito de importação.

71.      Por conseguinte, a Comissão considera que não é necessário responder às segunda e terceira questões do processo C-226/14. Limita-se a assinalar que, se o Tribunal de Justiça não for desta opinião, deveria responder-se à segunda questão que os Estados-Membros têm a obrigação de cobrar o IVA na importação, não tendo qualquer margem de manobra. De acordo com a Comissão, deve responder-se à terceira questão que os Estados-Membros têm liberdade para determinar o devedor do IVA na importação, nos termos do artigo 21.°, n.° 4, da Sexta Diretiva, desdeque respeitem os princípios do sistema comunitário do IVA.

72.      Relativamente ao processo C-228/14, a Comissão entende que as suas considerações a respeito da primeira questão do processo C-226/14 são globallmente extrapoláveis.

V –    Apreciação

A –    Processo C-226/14

1.      Primeira questão prejudicial

73.      No processo nacional que deu origem ao processo C-226/14 o Finanzgericht Hamburg submeteu a dada altura uma primeira questão prejudicial (13) à qual o Tribunal de Justiça respondeu que o artigo 204.°, n.° 1, alínea a), do CAC «deve ser interpretado no sentido de que, no caso de uma mercadoria não comunitária, o incumprimento da obrigação de registar na contabilidade de existências prevista para este efeito a saída da mercadoria de um entreposto aduaneiro, o mais tardar no momento dessa saída, é constitutivo de uma dívida aduaneira a respeito da referida mercadoria, ainda que a mesma tenha sido reexportada» (14).

74.      O Finanzgericht Hamburg pretende agora saber se, com base no exposto, «a constituição de toda e qualquer dívida aduaneira conduz automaticamente à exigibilidade do IVA que incide sobre a importação » (15).

75.      Conforme observou o advogado-geral N. Jääskinen nas conclusões que apresentou no (primeiro) processo Eurogate, não constituía objeto daquela questão prejudicial o «vínculo que a legislação alemã estabeleceria entre a cobrança dos direitos aduaneiros e a cobrança do imposto sobre o valor acrescentado à importação» (16). Assim, o problema não foi resolvido (17), mas, pouco depois, reapareceu explicitamente no âmbito do processo X (18), no qual um órgão jurisdicional neerlandês questionava, inter alia, se o artigo 7.° da Sexta Diretiva deve ser interpretado «no sentido de que só é devido IVA se a dívida aduaneira se constituir exclusivamente nos termos do artigo 204.° do [CAC]».

76.      Na sua resposta à questão do processo X (19), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 7.° da Sexta Diretiva «deve ser interpretado no sentido de que é devido [IVA] quando as mercadorias em causa tiverem saído dos regimes aduaneiros previstos nesse artigo, mesmo se a dívida aduaneira se tiver constituído exclusivamente nos termos do artigo 204.° do Regulamento n.° 2913/92, conforme alterado pelo Regulamento n.° 648/2005» (20).

77.      Convidado a confirmar se, tendo em conta esta (segunda) decisão do Tribunal de Justiça, mantinha o seu pedido de decisão prejudicial, o Finanzgericht Hamburg declarou que «não é possível deduzir com clareza do acórdão proferido no processo C-480/12 que uma mercadoria saiu dos regimes aduaneiros previstos no artigo 7.°, n.° 3, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva e que, por conseguinte, deve ser considerada mercadoria importada para efeitos da legislação sobre o IVA, desde que se tenha constituído uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do Código Aduaneiro Comunitário e também no referido caso» (21).

78.      O Finanzgericht Hamburg considera que, segundo a Sexta Diretiva, uma mercadoria não pode ser objeto de importação quando está sujeita a um regime aduaneiro de isenção total de direitos de importação. Além disso, em seu entender, «uma mercadoria que (como sucede no presente caso) não foi subtraída à fiscalização aduaneira pode estar sujeita ao referido regime aduaneiro mesmo que entretanto se tenha originado uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do [CAC] por incumprimento de alguma das obrigações previstas no referido regime» (22).

79.      Este raciocínio corresponde ao que o advogado-geral N. Jääskinen defendeu nas conclusões que apresentou no processo X (23), conforme observa o próprio Finanzgericht, que também interpreta assim o facto de o Tribunal de Justiça deixar ao órgão jurisdicional nacional a incumbência de verificar se, à data da sua reexportação, a mercadoria controvertida tinha saído dos regimes previstos nos artigos 7.°, n.° 3, e 16.°, n.° 1, ponto B, alínea a), da Sexta Diretiva (24).

80.      É certo que no dispositivo do acórdão proferido no processo X (25) o Tribunal de Justiça afirmou que o artigo 7.° da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que o IVA é devido sempre que as mercadorias tiverem saído dos regimes aduaneiros previstos nesta disposição, «mesmo se a dívida aduaneira se tiver constituído exclusivamente nos termos do artigo 204.° do [CAC]».

81.      No entanto, como recorda o Finanzgericht, no n.° 54 do mesmo acórdão o Tribunal de Justiça matizou esta afirmação, salientando que o momento fundamental para efeitos da constatação da saída desses regimes aduaneiros é o da «data da […] reexportação [das mercadorias]» (26). Este esclarecimento afigura-se-me significativo uma vez que se o Tribunal de Justiça considerou que a constituição de uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do CAC equivale à saída de um regime aduaneiro e, por conseguinte, implica o pagamento do IVA, foi porque, tal como é declarado no n.° 51 do referido acórdão, «resulta do artigo 866.° do regulamento de aplicação que, quando se constituir uma dívida aduaneira na importação por força do disposto, designadamente, nos artigos 203.° ou 204.° do [CAC] e tiverem sido pagos os direitos de importação, considerar-se-á essa mercadoria como comunitária, sem que haja necessidade de processar a declaração para introdução em livre prática».

82.      Concordo com a Comissão (27) quanto ao facto de o objetivo do artigo 866.° do regulamento de aplicação ser tratar como mercadorias comunitárias, na aceção do artigo 4.° do CAC, as mercadorias que se encontram no território aduaneiro da União mesmo que as formalidades necessárias para as introduzir em livre prática não tenham sido respeitadas. Enquanto se encontrarem no território aduaneiro da União existe a possibilidade de este género de mercadorias (ou seja, as que não respeitam as condições cujo incumprimento dá origem à constituição de uma dívida aduaneira) (28) ser introduzido no circuito económico da União sem ter obtido o «estatuto aduaneiro de mercadoria comunitária» referido no artigo 79.° do CAC. Segundo a mesma disposição, este estatuto é conferido pela «introdução em livre prática», que «implica a aplicação das medidas de política comercial, o cumprimento das outras formalidades previstas para a importação de mercadorias, bem como a aplicação dos direitos legalmente devidos» (29).

83.      Assim, a introdução em livre prática é a forma comum e normal de obtenção do estatuto de mercadoria comunitária. Porém, não é a única, uma vez que, precisamente nos termos do artigo 866.° do regulamento de aplicação, é também possível obtê-lo se as condições que este estabelece forem cumpridas: a) a constituição de uma dívida aduaneira na importação segundo o disposto, para efeitos do caso em apreço, no artigo 204.° do CAC e b) o pagamento dos direitos de importação. O cumprimento destas duas condições equivale à «aplicação das medidas de política comercial, o cumprimento das outras formalidades previstas para a importação de mercadorias, bem como a aplicação dos direitos legalmente devidos», isto é, dos requisitos para a introdução em livre prática previstos no artigo 79.°, segundo parágrafo, do CAC.

84.      Se, conforme considero, o artigo 866.° do regulamento de aplicação representa, na realidade, uma forma específica de atribuição do estatuto de mercadoria comunitária equivalente à introdução em livre prática, o seu âmbito de aplicação limita-se ao caso das mercadorias que se encontram no território aduaneiro da União e não às mercadorias que tenham sido reexportadas. Uma vez que saíram do território aduaneiro da União, estas últimas mercadorias não podem ser introduzidas materialmente no seu circuito económico, pelo que é desnecessária a obtenção daquele estatuto para integrarem legalmente esse circuito.

85.      No caso dos autos, segundo a informação prestada pelo órgão jurisdicional de reenvio, a mercadoria controvertida esteve sempre, até à data da sua reexportação, num regime de suspensão (entreposto aduaneiro). A infração cometida no caso, que deu lugar à aplicação do artigo 204.° do CAC, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça no primeiro acórdão Eurogate (30), tinha caráter formal: a Eurogate não registou na contabilidade de existências a saída da mercadoria do entreposto aduaneiro no prazo previsto. O Finanzgericht afirma que não existiu qualquer risco de integração no circuito económico da União, uma vez que o incumprimento do dever foi constatado quando a mercadoria já tinha sido reexportada.

86.      Por conseguinte, e tal como também alega o órgão jurisdicional de reenvio na sua resposta ao Tribunal de Justiça a propósito do impacto do acórdão X no caso em apreço (31), o artigo 866.° do regulamento de aplicação seria irrelevante neste processo, uma vez que a mercadoria objeto de litígio, ininterruptamente sujeita a um regime de suspensão, deu lugar à constituição de uma dívida aduaneira quando já tinha sido reexportada. O pagamento dos direitos originados por esta dívida não podia substituir o cumprimento das condições necessárias para a sua introdução em livre prática e a sua consequente qualificação de mercadoria comunitária, simplesmente porque, devido à sua reexportação, era impossível obter esse estatuto.

87.      Por conseguinte, uma vez que a mercadoria controvertida não tinha saído do regime de entreposto aduaneiro à data da sua reexportação, não se verificam cumpridas as exigências consagradas pelo Tribunal de Justiça no acórdão X (32) para que se possa afirmar que existiu «importação» na aceção do artigo 2.°, ponto 2, da Sexta Diretiva. Com efeito, a mercadoria em causa saiu do regime de entreposto aduaneiro devido à sua reexportação, mas não por causa de uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do CAC cujo pagamento, por se tratar, todavia, de mercadoria localizada no território aduaneiro da União, poderia equivaler à sua introdução em livre prática e, assim, à consideração de que era «mercadoria comunitária».

88.      Em suma, considero que, para além dos termos utilizados no dispositivo do acórdão X (33), este deve ser interpretado no contexto da circunstância específica referida no n.° 54 deste acórdão. Assim, a decisão do Tribunal de Justiça deve ser relacionada com a saída dos regimes aduaneiros ocorrida antes de a mercadoria ter sido reexportada, da qual resulta, precisamente, a constituição de uma dívida aduaneira nos termos de uma das disposições referidas no artigo 866.° do regulamento de aplicação.

89.      Esta interpretação integrada do sentido do acórdão X (34) é, em minha opinião, a que se ajusta de forma mais adequada e exata à lógica da articulação entre a Sexta Diretiva e o CAC.

90.      É jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que «o IVA na importação e os direitos aduaneiros apresentam características essenciais comparáveis, cujo facto gerador é a importação na União e a subsequente entrada das mercadorias no circuito económico dos Estados-Membros»; paralelismo que é «confirmado pelo facto de o artigo 71.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA autorizar os Estados-Membros a ligar o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação aos direitos aduaneiros» (35).

91.      Não obstante, comparável não quer dizer idêntico, pelo que o Tribunal de Justiça propôs que a constituição da dívida aduaneira e do IVA fossem apreciadas de forma independente. Atendendo à diferente natureza de ambas as dívidas não poderia ser de outra forma, sendo que esta diferença é reforçada quando a dívida aduaneira não resulta, efetivamente, da introdução no território aduaneiro de mercadorias em regime comum, mas do incumprimento de determinados requisitos ou obrigações.

92.      Nos termos do artigo 2.°, ponto 2, da Sexta Diretiva, as importações de bens estão sujeitas ao IVA. O artigo 7.°, n.° 1, alínea a), do mesmo diploma estabelece que por «importação de um bem» se entende «[a] entrada no território da Comunidade de um bem que não preenche as condições enunciadas nos artigos [23.° CE e 24.° CE]».

93.      Em princípio, e em conformidade com os n.os 2 e 3 do artigo 7.° da Sexta Diretiva, a entrada física de um bem no território da União não implica necessariamente a sua importação para efeitos do IVA. Se, desde o momento em que entra fisicamente na União, o bem é colocado, para efeitos do caso vertente, em regime de entreposto aduaneiro, isto é, no regime previsto no artigo 16.°, n.° 1, ponto B), alínea c), da Sexta Diretiva, a importação, no que respeita ao IVA, só ocorrerá quando o bem sair do referido regime, o que pode suceder no território de um Estado-Membro diferente daquele em que se verificou a sua entrada física no território da União. Por conseguinte, o bem pode circular pela União sem ter entrado no seu território para efeitos do IVA.

94.      A inclusão do bem num dos regimes do artigo 16.°, n.° 1, ponto B, alíneas a), b), c) e d), da Sexta Diretiva torna impossível a sua entrada no circuito económico da União. A este só acedem as mercadorias comunitárias, ou seja, nos termos do artigo 4.°, ponto 7, do CAC, basicamente, as mercadorias obtidas no território aduaneiro da União nas condições previstas no artigo 23.° do CAC ou as importadas do exterior do território aduaneiro e colocadas em livre prática. Isto é, no que respeita a estas últimas, as que cumpriram o pagamento de direitos e impostos a que não estão sujeitas as mercadorias colocadas num daqueles regimes.

95.      Se, como no processo principal, a mercadoria em regime de entreposto aduaneiro tiver sido reexportada sem ter saído do referido regime, mesmo tendo permanecido fisicamente no território da União, não foi importada na aceção da Sexta Diretiva (36) e não está sujeita ao IVA.

96.      Em contrapartida, se a mercadoria tiver saído desse regime quando ainda se encontrava no território da União, deve ser considerada, para quaisquer efeitos, uma mercadoria importada e, por conseguinte, sujeita ao IVA. A este respeito, é irrelevante que a saída resulte da correta cessação daquele regime, com o pagamento dos direitos correspondentes, ou da violação das condições que o regulam (ou seja, se, conforme prevê o artigo 866.° do regulamento de aplicação, ocorre algum dos casos referidos nos artigos 202.° a 205.° do CAC).

97.      Quando a dívida constituída por força dos artigos 202.° a 205.° do CAC se refira a mercadorias que já tenham sido reexportadas, o facto de terem saído do território da União não afeta a obrigação de pagamento dos direitos aduaneiros. Além disso, a essa dívida aduaneira pode acrescer a exigência do IVA se, devido a conduta ilícita única que gerou a dívida aduaneira, for possível presumir que a mercadoria entrou no circuito económico da União e, por conseguinte, pôde ser objeto de consumo, isto é, do ato sujeita ao IVA.

98.      Seria este o caso previsto no artigo 202.°, n.° 1, alínea a), do CAC (introdução irregular no território aduaneiro de uma mercadoria sujeita a direitos de importação) ou no artigo 203.°, n.° 1, do CAC (subtração da mercadoria à fiscalização aduaneira).

99.      No entanto, não é necessariamente assim na hipótese prevista no artigo 204.° do CAC, que «tem por objeto incumprimentos às obrigações e inobservâncias das condições relacionadas com os diferentes regimes aduaneiros que ficaram sem efeito sobre a fiscalização aduaneira» (37). O mesmo também sucede no caso em apreço, uma vez que, segundo o Finanzgericht Hamburg, a mercadoria permaneceu em regime de entreposto aduaneiro até ao momento da sua reexportação, sem acesso ao circuito económico dos Estados-Membros. Por conseguinte, importa pagar a dívida aduaneira que resulta do incumprimento das obrigações previstas no artigo 204.° do CAC, mas não o IVA, uma vez que não se deve presumir que a mercadoria foi objeto de consumo no território da União.

100. A referência ao risco de entrada (ou à presunção de entrada) no circuito económico dos Estados-Membros, como fundamento das dívidas aduaneiras por incumprimento, foi utilizada de forma reiterada pelo Tribunal de Justiça ao assinalar que estas dívidas constituem precisamente um mecanismo de proteção do referido circuito económico (38). O incumprimento das obrigações e condições exigidas pelos diferentes regimes aduaneiros pode, desde logo, criar o risco de as mercadorias acabarem por ser integradas no mercado interno e de concorrerem deslealmente com os produtores da União, além de causar uma perda de receitas fiscais.

101. Quando, como sucede no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio exclui a possibilidade de tal risco ter existido e de as mercadorias terem entrado no circuito económico dos Estados-Membros, não é fácil compreender qual é a realidade económica que permite exigir um imposto indireto sobre o consumo como o IVA, apesar de a dívida aduaneira resultante do incumprimento das condições ter sido paga.

102. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão que o artigo 7.°, n.° 3, da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que o IVA é devido quando, no momento de serem reexportadas, as mercadorias em causa tenham saído, por causa de uma dívida aduaneira constituída nos termos do artigo 204.° do CAC, dos regimes aduaneiros previstos no referido artigo, em circunstâncias que permitem presumir que entraram no circuito económico da União.

2.      Segunda questão prejudicial

103. A resposta anterior privaria de objeto as duas outras questões prejudiciais submetidas pelo Finanzgericht Hamburg no processo C-226/14. Todavia, para o caso de o Tribunal de Justiça assim não entender, irei apreciá-las a título subsidiário.

104. Na hipótese de o Tribunal de Justiça responder negativamente à primeira questão, o Finanzgericht pretende saber se, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, a Sexta Diretiva obriga a que seja cobrado o IVA na importação ou, pelo contrário, se os Estados-Membros dispõem de uma certa margem de discricionariedade a este respeito.

105. As partes no processo principal, o Governo grego e a Comissão concordam com a apreciação de que se deve responder negativamente à questão, uma vez que o artigo 7.° da Sexta Diretiva estabelece uma regra exaustiva e definitiva.

106. Em meu entender, esta argumentação só pode ser acolhida. Com efeito, a «importação de bens» como facto gerador do IVA e a sua definição nos termos do artigo 7.° da Sexta Diretiva são questões resolvidas de maneira definitiva e exaustiva na Sexta Diretiva e devem ser objeto de uma interpretação autónoma pelo direito da União. De outro modo, a existência de diferenças entre os Estados-Membros quanto ao facto gerador do imposto prejudicaria a prossecução do objetivo da Sexta Diretiva. Tal como recorda a Comissão (39), este objetivo consiste na realização de um mercado comum com características análogas às de um verdadeiro mercado interno, conforme dispõe o considerando quarto da Sexta Diretiva, no qual a harmonização da matéria coletável permita que «a aplicação da taxa comunitária às operações tributáveis conduza a resultados comparáveis em todos os Estados-Membros» (40).

107. Assim, se, em aplicação do artigo 7.°, n.° 3, da Sexta Diretiva, a constituição de uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do CAC deve resultar na constituição de uma dívida do IVA, os Estados-Membros não têm qualquer margem de apreciação para afirmarem o contrário.

108. Por conseguinte, a título subsidiário, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão submetida que os Estados-Membros não dispõem de margem de apreciação para cobrarem o IVA devido pela importação de bens.

3.      Terceira questão prejudicial

109. Também a título subsidiário irei pronunciar-me sobre a terceira questão submetida pelo Finanzgericht Hamburg, ou seja, se, num caso como o que está em apreço no processo principal, no qual o IVA é devido por se ter constituído uma dívida aduaneira por força da conjugação do artigo 10.°, n.° 3, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e do artigo 204.° CAC, o devedor do IVA é o depositário que guarda a mercadoria num entreposto aduaneiro, mesmo que não tenha poder para dela dispor nem para a utilizar para as necessidades das suas próprias operações tributadas na aceção do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva.

110. Todas as partes concordam com a premissa de que o artigo 21.°, n.° 4, da Sexta Diretiva confere aos Estados-Membros a faculdade de determinar quem é devedor do IVA nas operações de importação. Dito isto, o Governo grego considera que nada impõe que o único devedor do IVA seja o importador dos bens, sendo possível que o titular da dívida aduaneira por incumprimento constituída em conformidade com o CAC também assuma a qualidade de devedor do IVA.

111. A Eurogate afasta esta segunda possibilidade por considerar que é incompatível com o facto de o depositário, quando atua unicamente como prestador de serviços, não ter direito à dedução do IVA devido, ao contrário do depositário com poder de disposição sobre a mercadoria, o que originaria uma diferença de tratamento injustificada.

112. Os termos do artigo 21.°, n.° 4, da Sexta Diretiva são inequívocos quando estabelecem que o IVA é devido na importação «pela pessoa ou pessoas designadas ou reconhecidas como sujeitos passivos pelo Estado-Membro de importação». É certo que se a pessoa designada ou reconhecida como importador for, em conformidade com o direito alemão, a Eurogate, o que compete ao órgão jurisdicional nacional determinar, esta sociedade não poderia pretender a dedução do IVA, uma vez que o artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva só prevê a dedução do imposto devido em relação aos «bens e os serviços [que] sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis».

113. O Tribunal de Justiça pronunciou-se recentemente (25 de junho de 2015) sobre um problema semelhante ao que está em causa no processo principal, declarando que o artigo 168.°, alínea e), da Diretiva IVA, equivalente ao artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, «deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que exclui a dedução do IVA sobre a importação de que é devedor o transportador que não é o importador nem o proprietário das mercadorias em causa, mas tenha apenas efetuado, no âmbito das operações de transporte por si prestadas e sujeitas ao IVA, o transporte e a expedição aduaneira das mesmas» (41).

114. Do acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de junho de 2015 é possível retirar duas consequências. A primeira é que nada impede que a legislação de um Estado-Membro (neste caso, a alemã) designe o transportador como sujeito obrigado ao pagamento do IVA na importação. A segunda é que também não existem objeções a que, em tais casos, o transportador das mercadorias importadas não tenha o direito de deduzir os montantes devidos a título do IVA.

115. Assim, há que afirmar que, nestas circunstâncias, a liberdade dos Estados-Membros para designarem o depositário das mercadorias como devedor do IVA na importação não fica limitada pelo facto de a pessoa designada não poder deduzir os montantes devidos.

B –    Processo C-228/14

116. A questão prejudicial submetida no processo C-228/14 está também relacionada com a constituição de uma dívida aduaneira na importação nos termos do artigo 204.° do CAC. Contudo, não se trata do incumprimento das obrigações do entreposto aduaneiro, mas do incumprimento das obrigações do regime de trânsito externo regulado nos artigos 91.° a 97.° do CAC. Além disso, não é a Sexta Diretiva que é aplicável ratione temporis ao caso em apreço, mas a Diretiva IVA.

117. O Finanzgericht Hamburg pretende saber, em particular, se, num caso de bens reexportados enquanto mercadorias não comunitárias sob fiscalização aduaneira, mas que deram origem à constituição de uma dívida aduaneira por incumprimento de uma obrigação prevista no artigo 204.° do CAC, o artigo 236.°, n.° 1, do CAC, relativo à Diretiva IVA, deve ser interpretado no sentido de que o IVA não é devido quando a dívida aduaneira é reclamada a uma pessoa que não podia dispor desses bens.

118. Tal como a Comissão, entendo que é possível responder a esta questão através da transposição das considerações que foram expostas no âmbito do processo C-226/14 (42).

119. Com efeito, à semelhança daquele, este processo tem por objeto um caso de mercadorias reexportadas que não saíram de um regime de suspensão (no presente processo, o trânsito externo). Assim, os motivos referidos nos n.os 98 a 115 destas conclusões levam-me a concluir que efetivamente não existiu importação e que, por isso, não era devido o IVA na importação.

120. Se o Tribunal de Justiça não concordar com o raciocínio anterior, considero que o exposto em relação à terceira questão do processo C-226/14 (43) obriga a declarar que o devedor do IVA na importação pode ser um transportador que não tem qualquer poder de disposição sobre as mercadorias.

VI – Conclusão

121. Tendo em consideração o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte às questões submetidas:

A título principal:

1)      O artigo 7.°, n.° 3, da Sexta Diretiva e o artigo 61.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que o IVA é devido quando, no momento de serem reexportadas, as mercadorias em causa tenham saído, por causa de uma dívida aduaneira constituída nos termos do artigo 204.° do Código Aduaneiro Comunitário, dos regimes aduaneiros previstos nos referidos artigos, em circunstâncias que permitam presumir a sua entrada no circuito económico da União.

A título subsidiário:

2)      Os Estados-Membros não dispõem de margem de apreciação para cobrarem o IVA em caso de constituição de uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.° do Código Aduaneiro Comunitário.

3)      Se a imposição do IVA nos caso dos autos for julgada procedente, o depositário ou o transportador podem ser devedores daquele imposto, em conformidade com a legislação nacional, mesmo que não tenham poder de disposição sobre as mercadorias e não tenham o direito de deduzir os montantes devidos a título do IVA.


1 –      Língua original: espanhol.


2 –      Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário [a seguir, «CAC»] (JO L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 648/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005 (JO L 117, p. 13).


3 –      Processo C-480/12, EU:C:2014:329.


4 –      Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Diretiva 2004/66/CE do Conselho, de 26 de abril de 2004 (JO L 168, p. 35).


5 –      Processo C-480/12, EU:C:2014:329.


6 –      Processo C-480/12, EU:C:2014:329.


7 –      Regulamento da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (a seguir, «regulamento de aplicação») (JO L 253, p. 1), alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 402/2006 da Comissão, de 8 de março de 2006 (JO L 70, p. 35).


8 –      Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).


9 –      BGBl. 2005 I, p. 386.


10 –      Processo C-28/11, EU:C:2012:533.


11 –      Processo C-480/12, EU:C:2014:329.


12 –      Processo C-480/12, EU:C:2014:329.


13 –      Processo que deu lugar ao primeiro processo Eurogate, C-28/11, EU:C:2012:533.


14 –      Eurogate, C-28/11, EU:C:2012:533, n.° 35 e dispositivo.


15 –      Decisão de reenvio do pedido de decisão prejudicial no processo C-226/14 [II. 3. b) (1) (b)].


16 –      Conclusões Eurogate, C-28/11, EU:C:2012:131, n.° 45.


17 –      No entanto, o advogado-geral N. Jääskinen assinalou que «as questões suscitadas pela Comissão quanto à conformidade do referido vínculo com o direito da União em matéria de imposto sobre o valor acrescentado não [lhe pareciam] destituídas de pertinência» (loc. ult. cit.).


18 –      Processo C-480/12, EU:C:2014:329.


19 –      Processo C-480/12, EU:C:2014:329.


20 –      Processo C-480/12, EU:C:2014:329, n.° 2 do dispositivo.


21 –      N.° 1, segundo parágrafo, do articulado do Finanzgericht apresentado no Tribunal de Justiça em 3 de outubro de 2014.


22 –      Loc. ult. cit.


23 – C-480/12, EU:C:2014:84, n.° 66.


24 –      Acórdão X, C-480/12, EU:C:2014:329, n.° 54.


25 –      C-480/12, EU:C:2014:329.


26 –      O teor literal do referido n.° 54 do acórdão é o seguinte: «Todavia, no caso de a referida mercadoria já não se encontrar sob esses regimes à data da sua reexportação devido à constituição de uma dívida aduaneira, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, deve ser considerada objeto de uma ‘importação’, na aceção do artigo 2.°, ponto 2, da Sexta Diretiva.»


27 –      N.° 76 das suas observações escritas.


28 –      Nos termos das condutas tipificadas nos artigos 202.° a 205.° do CAC.


29 –      Artigo 79.°, segundo parágrafo, do CAC.


30 –      Processo C-28/11, EU:C:2012:533.


31 –      N.° 2 do articulado do Finanzgericht, que entrou no Tribunal de Justiça em 3 de outubro de 2014.


32 –      Processo C-480/12, EU:C:2014:329, n.° 54.


33 –      Processo C-480/12, EU:C:2014:329.


34 –      Processo C-480/12, EU:C:2014:329.


35 –      Harry Winston, C-273/12, EU:C:2013:466, n.° 41, que cita os acórdãos Witzemann, C-343/89, EU:C:1999:445, n.° 18, e Dansk Transport og Logistik, C-230/08, EU:C:2010:231, n.os 90 e 91.


36 –      Neste sentido, acórdão Profitube, C-165/11, EU:2012:692, n.° 46.


37 –      Acórdão X, C-480/12, EU:C:2014:329, n.° 31, que cita o acórdão Hamann International, C-337/01, EU:C:2004:90, n.° 28.


38–      Assim, por exemplo, processos Harry Winston, C-273/12, EU:C:2013:466, n.° 31; Dansk Transport og Logistik, C-230/08, EU:C:2010:231, n.° 52.


39 –      N.° 72 das suas observações escritas.


40 –      Considerando nono da Sexta Diretiva.


41 –      Processo C-187/14, DSV Road, EU:C:2015:421, n.° 51. A empresa DSV, que presta serviços de transporte e logística, iniciou dois regimes de trânsito comunitário externo no termo dos quais lhe foi reclamado o pagamento tanto dos direitos aduaneiros (nos termos do artigo 203.° do CAC e, a título subsidiário, em conformidade com o artigo 304.° do referido código) como do IVA na importação, e lhe foi simultaneamente recusado o direito de deduzir este último imposto.


42 –      N.os 89 a 95 das suas observações escritas.


43 –      N.os 112 a 114 supra.