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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ-BORDONA

apresentadas em 13 de dezembro de 2016 (1)

Processo C-571/15

Wallenborn Transports SA

contra

Hauptzollamt Gießen

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse, Alemanha)]

«Fiscalidade – IVA – Tráfego internacional de bens – Lugar das operações tributáveis – Transporte de mercadorias através de um porto franco localizado num Estado-Membro – Legislação desse Estado-Membro que exclui os portos francos do território nacional – Constituição da dívida aduaneira e exigibilidade do IVA em caso de subtração à fiscalização aduaneira»





1.        O Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse) submete uma questão que alia interesse teórico a relevância prática. Trata-se, resumidamente, de saber que consequências jurídicas tem, no imposto sobre o valor acrescentado (IVA) na importação, o facto de a lei alemã qualificar determinadas zonas francas como estrangeiro. O tribunal de reenvio pergunta, especificamente, se, em termos gerais, a introdução de mercadorias numa dessas zonas francas exclui a sua entrada no território da União e, consequentemente, o facto gerador de IVA na importação.

2.        O diferendo surge porque um sujeito passivo reclama o IVA na importação que lhe tinha sido exigido pela administração alemã em simultâneo com os direitos aduaneiros devidos ex artigo 203.°, n.° 1, do Código Aduaneiro Comunitário (2), isto é, por terem sido subtraídas à fiscalização aduaneira mercadorias cujo regime aduaneiro (trânsito) não tinha sido devidamente apurado. Como o facto gerador da dívida aduaneira ocorreu numa zona franca (o porto de Hamburgo) que a legislação nacional não considera território nacional, no que diz respeito ao IVA, o tribunal a quo pergunta se as mercadorias foram ou não importadas e, consequentemente, se ocorreu o facto gerador do IVA na importação.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito da União

1.      Diretiva 2006/112/CE (3)

3.        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, «[e]stão sujeitas ao IVA as seguintes operações: […] d) As importações de bens».

4.        O artigo 5.° dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

1. ‘Comunidade’ e ‘território da Comunidade’, o conjunto dos territórios dos Estados-Membros tal como definidos no ponto 2);

2. ‘Estado-Membro’ e ‘território de um Estado-Membro da Comunidade’, o território de cada Estado-Membro da Comunidade ao qual é aplicável o Tratado que institui a Comunidade Europeia, em conformidade com o seu artigo 299.°, com exclusão do ou dos territórios referidos no artigo 6.° da presente diretiva;

3. ‘Territórios terceiros’, os territórios referidos no artigo 6.°;

4. ‘País terceiro’, qualquer Estado ou território ao qual não é aplicável o Tratado.»

5.        O artigo 6.° estabelece:

«1. A presente diretiva não é aplicável aos territórios adiante enumerados, que fazem parte do território aduaneiro da Comunidade:

a) Monte Atos;

b) Ilhas Canárias;

c) Departamentos franceses ultramarinos;

d) Ilhas Åland;

e) Ilhas Anglo-Normandas.

2. A presente diretiva não é aplicável aos territórios adiante enumerados, que não fazem parte do território aduaneiro da Comunidade:

a) Ilha de Helgoland;

b) Território de Büsingen;

c) Ceuta;

d) Melilha;

e) Livigno;

f) Campione d’Italia;

g) Águas italianas do lago de Lugano.»

6.        Nos termos do artigo 30.°:

«Entende-se por ‘importação de bens’ a introdução na Comunidade de um bem que não se encontre em livre prática na aceção do artigo 24.° do Tratado.

Para além da operação referida no primeiro parágrafo, considera-se importação de bens a introdução na Comunidade de um bem em livre prática proveniente de um território terceiro que faça parte do território aduaneiro da Comunidade.»

7.        De acordo com o artigo 60.° da mesma Diretiva, «[a] importação de bens é efetuada no Estado-Membro em cujo território se encontra o bem no momento em que é introduzido na Comunidade».

8.        O artigo 61.° dispõe:

«Em derrogação do disposto no artigo 60.°, quando um bem que não se encontre em livre prática esteja abrangido, desde a sua introdução na Comunidade, por um dos regimes ou situações previstos no artigo 156.° ou por um regime de importação temporária com isenção total de direitos de importação ou por um regime de trânsito externo, a sua importação é efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem deixa de estar abrangido por esses regimes ou situações.

Da mesma forma, quando um bem que se encontre em livre prática esteja sujeito, desde a sua introdução na Comunidade, a um dos regimes ou situações previstos nos artigos 276.° e 277.°, a sua importação é efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem deixa de estar sujeito a esses regimes ou situações.»

9.        De acordo com o artigo 70.° da Diretiva IVA, «[o] facto gerador ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a importação de bens».

10.      Para o artigo 71.°:

«1. Quando um bem esteja abrangido, desde a sua introdução no território da Comunidade, por um dos regimes ou situações previstos nos artigos 156.°, 276.° e 277.°, ou por um regime de importação temporária com isenção total de direitos de importação ou por um regime de trânsito externo, o facto gerador e a exigibilidade do imposto só se verificam no momento em que o bem deixa de estar abrangido por esses regimes ou situações.

Todavia, quando os bens importados estejam sujeitos a direitos aduaneiros, a direitos niveladores agrícolas ou a encargos de efeito equivalente, estabelecidos no âmbito de uma política comum, o facto gerador ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que ocorram o facto gerador e a exigibilidade desses direitos.

2. Quando os bens importados não estejam sujeitos a nenhum dos direitos referidos no segundo parágrafo do n.° 1, os Estados-Membros aplicam as disposições em vigor em matéria de direitos aduaneiros no que diz respeito ao facto gerador e à exigibilidade do imposto.»

11.      Nos termos do artigo 156.°, n.° 1, da Diretiva, «[o]s Estados-Membros podem isentar as seguintes operações: […] b) As entregas de bens que se destinem a ser colocados numa zona franca ou em entreposto franco; […]».

12.      De acordo com o artigo 202.° da Diretiva, «[o] IVA é devido pela pessoa que faz sair os bens dos regimes ou situações enumerados nos artigos 156.°, 157.°, 158.°, 160.° e 161.°».

2.      CAC

13.      O artigo [4].° dispõe:

«Na aceção do presente código, entende-se por:

[...]

7) ‘Mercadorias comunitárias’: as mercadorias:

– inteiramente obtidas no território aduaneiro da Comunidade nas condições referidas no artigo 23.°, sem incorporação de mercadorias importadas de países ou territórios que não façam parte do território aduaneiro da Comunidade;

– importadas de países ou territórios que não façam parte do território aduaneiro da Comunidade e introduzidas em livre prática;

– obtidas no território aduaneiro da Comunidade, quer exclusivamente a partir das mercadorias referidas no segundo travessão quer a partir das mercadorias referidas no primeiro e no segundo travessões;

8) ‘Mercadorias não comunitárias’: as mercadorias não abrangidas pelo n.° 7.

Sem prejuízo dos artigos 163.° e 164.°, as mercadorias comunitárias perdem esse estatuto aduaneiro quando são efetivamente retiradas do território aduaneiro da Comunidade;

[…]

10) ‘Direitos de importação’:

– os direitos aduaneiros e os encargos de efeito equivalente previstos na importação de mercadorias;

– os direitos niveladores agrícolas e outras imposições à importação instituídas no âmbito da política agrícola comum ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas;

[…]

15) ‘Destino aduaneiro de uma mercadoria’:

a) A sujeição de uma mercadoria a um regime aduaneiro,

b) A sua colocação numa zona franca ou num entreposto franco,

[…]

16) ‘Regime aduaneiro’:

[…]

b) O trânsito,

[…]»

14.      Nos termos do artigo 37.°:

«1. As mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade ficam, desde essa introdução, sujeitas à fiscalização aduaneira. Podem ser sujeitas a controlo por parte das autoridades aduaneiras nos termos das disposições em vigor.

2. Permanecem sob essa fiscalização o tempo necessário para determinar o seu estatuto aduaneiro e, tratando-se de mercadorias não comunitárias e sem prejuízo do n.° 1 do artigo 82.°, até mudarem de estatuto aduaneiro, serem colocadas numa zona franca ou num entreposto franco ou serem reexportadas ou inutilizadas nos termos do artigo 182.°»

15.      De acordo com o artigo 92.°:

«1. O regime de trânsito externo termina e as obrigações do titular do regime ficam cumpridas quando as mercadorias ao abrigo do regime e os documentos exigidos são apresentados na estância aduaneira de destino, de acordo com as disposições do regime em questão.

2. As autoridades aduaneiras apuram o regime de trânsito externo quando puderem determinar, com base na comparação dos dados disponíveis na estância aduaneira de partida com os disponíveis na estância aduaneira de destino, que o regime terminou corretamente.»

16.      De acordo com o artigo 96.°:

«1. O responsável principal é o titular do regime de trânsito comunitário externo, competindo-lhe:

a) Apresentar as mercadorias intactas na estância aduaneira de destino no prazo prescrito, respeitando as medidas de identificação tomadas pelas autoridades aduaneiras;

b) Respeitar as disposições relativas ao regime do trânsito comunitário.

2. Sem prejuízo das obrigações do responsável principal referidas no n.° 1, o transportador ou o destinatário das mercadorias, que receba as mercadorias sabendo que as mesmas se encontram em regime de trânsito comunitário, é igualmente obrigado a apresentar as mercadorias intactas na estância aduaneira de destino no prazo fixado, respeitando as medidas de identificação tomadas pelas autoridades aduaneiras.»

17.      O artigo 166.° dispõe:

«As zonas francas e entrepostos francos são partes do território aduaneiro da Comunidade ou locais situados nesse território, dele separados, em que:

a) As mercadorias não comunitárias são consideradas, para efeitos da aplicação dos direitos de importação e das medidas de política comercial à importação, como se não estivessem no território aduaneiro da Comunidade, desde que não sejam introduzidas em livre prática nem sujeitas a outro regime aduaneiro nem utilizadas ou consumidas em condições que não as previstas pela regulamentação aduaneira;

b) As mercadorias comunitárias abrangidas por uma regulamentação comunitária específica que disponha nesse sentido beneficiam, devido à sua colocação em zona franca ou em entreposto franco, de medidas que, em princípio, se relacionam com a exportação dessas mercadorias.»

18.      O artigo 167.° dispõe:

«1. Os Estados-Membros podem criar zonas francas em determinadas partes do território aduaneiro da Comunidade ou autorizar a criação de entrepostos francos.

2. Os Estados-Membros determinarão os limites geográficos de cada zona. Os locais destinados à criação de um entreposto franco devem ser aprovados pelos Estados-Membros.

3. As zonas francas serão isoladas. Os Estados-Membros fixarão os pontos de acesso e de saída de cada zona franca ou entreposto franco.

[...]»

19.      De acordo com o artigo 170.°:

«1. Sem prejuízo do n.° 4 do artigo 168.°, a entrada de mercadoria numa zona franca ou num entreposto franco não implica a sua apresentação às autoridades aduaneiras nem a entrega de uma declaração aduaneira.

2. Devem ser apresentadas às autoridades aduaneiras e sujeitas às formalidades aduaneiras requeridas as mercadorias que:

a) Se encontrem sujeitas a um regime aduaneiro e de cuja entrada numa zona franca ou num entreposto franco decorra o apuramento do referido regime; todavia, tal apresentação é desnecessária se, no âmbito do regime aduaneiro em causa, se admitir a dispensa da obrigação de apresentação das mercadorias;

[…]»

20.      De acordo com o artigo 202.°:

«1. É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a)      A introdução irregular no território aduaneiro da Comunidade de uma mercadoria sujeita a direitos de importação

ou

b) Se se tratar de tal mercadoria colocada numa zona franca ou num entreposto franco, a sua introdução irregular numa outra parte desse território.

Na aceção do presente artigo, entende-se por introdução irregular qualquer introdução com violação das disposições dos artigos 38.° a 41.° e do segundo travessão do artigo 177.°

2. A dívida aduaneira considera-se constituída no momento da introdução irregular.

[…]»

21.      De acordo com o artigo 203.°:

«1. É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

– a subtração à fiscalização aduaneira de uma mercadoria sujeita a direitos de importação.

2. A dívida aduaneira considera-se constituída no momento em que a mercadoria é subtraída à fiscalização aduaneira.

3. Os devedores serão:

– a pessoa que subtraiu a mercadoria à fiscalização aduaneira,

– as pessoas que tenham participado nessa subtração, tendo conhecimento ou devendo ter razoavelmente conhecimento de que se tratava de subtrair a mercadoria à fiscalização aduaneira,

– as que tenham adquirido ou detido a mercadoria em causa, tendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento, no momento em que adquiriram ou receberam a mercadoria, de que se tratava de uma mercadoria subtraída à fiscalização aduaneira,

– bem como, se for caso disso, a pessoa responsável pelo cumprimento das obrigações decorrentes da permanência em depósito temporário da mercadoria ou da utilização do regime aduaneiro a que a mercadoria esteja submetida.»

22.      Para o artigo 204.°:

«1. É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a) O incumprimento de uma das obrigações que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam da sua permanência em depósito temporário ou da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida, ou

b) A não observância de uma das condições fixadas para a sujeição de uma mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais,

em casos distintos dos referidos no artigo 203.°, salvo se se provar que o incumprimento ou a não observância não tiver reais consequências para o funcionamento correto do depósito temporário ou do regime aduaneiro em questão.

2. A dívida aduaneira considera-se constituída quer no momento em que cessa o cumprimento da obrigação cujo incumprimento dá origem à dívida aduaneira quer no momento em que a mercadoria foi submetida ao regime aduaneiro em causa quando se verificar a posteriori que não foi, na realidade, cumprida uma das condições fixadas para a sujeição dessa mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais.

3. O devedor é a pessoa responsável, consoante o caso, quer pelo cumprimento das obrigações que decorrem da permanência em depósito temporário de uma mercadoria sujeita a direitos de importação ou da utilização do regime aduaneiro a que essa mercadoria esteja submetida quer pela observância das condições fixadas para a sujeição da mercadoria a esse regime.»

B –    Direito nacional

1.      A Umsatzsteuergesetz (Lei do Imposto sobre o Valor Acrescentado alemã) (4)

23.      O artigo 1.° dispõe:

«1. Estão sujeitas a Imposto sobre o Valor Acrescentado as seguintes operações:

[...]

4) a importação de bens no território nacional [...] (IVA na importação);

[...]

2. Na aceção da presente lei, considera–se território nacional o território da República Federal da Alemanha, com exceção […] das zonas francas de controlo do tipo I, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Zollverwaltungsgesetz (lei da administração alfandegária) (portos francos) [...], considerando-se estrangeiro, na aceção desta lei, o território que não seja considerado território nacional nos seus termos. [...]

3. As seguintes operações, quando realizadas [...] nos portos francos, devem considerar-se operações realizadas no território nacional:

1) As entregas e as aquisições intracomunitárias de bens destinados ao uso ou ao consumo nas referidas áreas [...];

[...]

4) A entrega de bens que, no momento da entrega [...]

[...]

b) se encontrem em livre prática para efeitos de IVA na importação; [...]

[...]»

24.      De acordo com o artigo 13.°, n.° 2, «[q]uanto ao imposto sobre o valor acrescentado na importação, aplica-se o artigo 21.°, n.° 2».

25.      Nos termos do artigo 21.°:

«[…]

(2) No que respeita ao Imposto sobre o Valor Acrescentado na importação, aplicam-se, mutatis mutandis, as disposições relativas aos direitos aduaneiros;

[...]

(2 a) Os postos de controlo aduaneiro no estrangeiro, nos quais os agentes aduaneiros alemães para isso autorizados procedam a diligências nos termos do n.° 2, consideram-se, nessa medida, parte do território nacional. [...]»

II – Matéria de Facto

26.      Em 11 de junho de 2009 foram declarados e admitidos no regime de trânsito comunitário externo têxteis que tinham sido importados e apresentados no dia anterior no território aduaneiro da União Europeia no aeroporto de Frankfurt am Main. O regime de trânsito externo devia ser apurado até 17 de junho de 2009.

27.      O destinatário das mercadorias era uma sociedade com sede no porto franco (zona franca) de Hamburgo. A empresa Wallenborn Transports (a seguir «Wallenborn») foi contratada para efetuar o transporte das mercadorias, devidamente identificadas com um selo de segurança.

28.      Contudo, as mercadorias não chegaram à estância aduaneira de destino. Resultou do processo de investigação que, após remoção do selo de segurança, tinham sido descarregadas, em 11 de junho de 2009, nas instalações do destinatário, na zona franca de Hamburgo, de onde largaram em 16 desse mês com destino à Finlândia, tendo sido reexportadas daí para a Rússia.

29.      Em 2 de setembro de 2010, a Hauptzollamt Gießen (administração alfandegária de Gießen) procedeu à liquidação de direitos aduaneiros e de IVA na importação a cargo do responsável principal, como expedidor autorizado, e a cargo da Wallenborn, como transportadora.

30.      No entanto, a notificação para pagamento foi dirigida apenas à Wallenborn, uma vez que a administração alfandegária entendeu que o responsável principal tinha feito prova da regular transmissão da remessa e do documento de trânsito, ao passo que a Wallenborn não tinha procedido ao apuramento do regime de trânsito. O destinatário das mercadorias declarou à administração que, ao aceitar a remessa, considerou que as mercadorias tinham sido introduzidas em livre ptática; declarou ainda não lhe ter sido entregue o documento de acompanhamento de trânsito.

31.      A Wallenborn reclamou da liquidação do IVA, reclamação essa que foi indeferida e de cuja decisão a empresa recorreu no Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse). Alegou que é incontroverso que a dívida aduaneira se constituiu com a descarga do camião no porto franco, após remoção da cinta de segurança. Porém, sendo uma zona franca, o porto franco não se considera integrado no território nacional, pelo que não há uma operação tributável.

III – Questões prejudiciais

32.      Nestas circunstâncias, em 6 de novembro de 2015, o Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse) submeteu ao Tribunal de Justiça, a título prejudicial, as seguintes questões:

«Primeira:

Uma disposição de um Estado-Membro em matéria de imposto sobre o valor acrescentado segundo a qual as zonas francas sujeitas ao controlo do tipo I (portos francos) não se consideram parte do território aduaneiro nacional, é um regime especial na aceção do artigo 156.°, tal como referido nos artigos 61.°, primeiro parágrafo, e 71.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva […] IVA?

No caso de resposta afirmativa a esta questão,

Segunda:

O facto gerador e a exigibilidade do imposto no que respeita a bens sujeitos a direitos aduaneiros também ocorrem, nos termos do artigo 71.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, no momento em que ocorrem o facto gerador e a exigibilidade dos direitos aduaneiros, quando o facto gerador e a exigibilidade dos direitos aduaneiros ocorrem no interior de uma zona franca sujeita ao controlo do tipo I e a legislação relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado do Estado-Membro a cujo território pertence a zona franca prevê que as zonas francas sujeitas ao controlo do tipo I (portos francos) não se consideram território nacional?

No caso de resposta negativa à segunda questão,

Terceira:

O facto gerador e a exigibilidade do imposto respeitantes a mercadorias colocadas numa zona franca de controlo do tipo I ao abrigo do regime de trânsito aduaneiro externo, sem apuramento deste regime, que sejam subtraídas à fiscalização aduaneira na zona franca, de modo que se constitui em relação a elas uma dívida aduaneira, nos termos do artigo 203.°, n.° 1, [CAC], ocorrem ao mesmo tempo que ocorre outro facto gerador, a saber, o previsto no artigo 204.°, n.° 1, alínea a), [CAC], pelo facto de, antes do ato pelo qual foram subtraídas à fiscalização aduaneira, as mercadorias não terem sido apresentadas numa estância aduaneira situada no território do país com competência para a zona franca e não ter sido aí apurado o regime de trânsito externo?»

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e argumentos das partes

33.      Intervieram e apresentaram observações escritas a Wallenborn, o Governo grego e a Comissão, sem que ninguém tenha requerido a realização de audiência pública.

34.      A Wallenborn defende que as duas primeiras questões merecem resposta afirmativa e propõe, a título subsidiário, uma resposta negativa à terceira.

35.      Na opinião da Wallenborn, o artigo 204.° CAC aplica-se apenas se, perante uma situação de facto única, não se verificarem as condições do artigo 203.° CAC. Como, nas circunstâncias do processo principal, a remoção do selo de segurança, a descarga e a omissão da formalidade da apresentação das mercadorias constituem uma situação de facto única, não seria aplicável o artigo 204.° CAC.

36.      O Governo grego propõe uma resposta negativa à primeira questão. Em sua opinião, de acordo com o artigo 166.° CAC, as mercadorias não comunitárias que se encontram em zonas francas são consideradas, para efeitos de direitos de importação e de medidas de política comercial, não localizadas no território aduaneiro da União. De tal facto resultaria que estas zonas não podem ser consideradas «território terceiro», estando sujeitas ao conjunto das regulamentações aduaneiras (nacionais e da União), aplicáveis ao restante território aduaneiro do Estado-Membro correspondente. Sublinha que, de acordo com os artigos 5.° e 6.° da Diretiva IVA, as zonas francas não são áreas excluídas do âmbito de aplicação da referida diretiva.

37.      Subsidiariamente, o Governo grego alega, relativamente à segunda e terceira questões, que os artigos 61.° e 71.° da Diretiva IVA remetem para as disposições do CAC relativas à constituição da dívida aduaneira. Deduz desse facto que, no caso em apreço, a dívida aduaneira e, portanto, a dívida do IVA, ter-se-ia constituído no momento em que não foram cumpridas as obrigações decorrentes do regime de trânsito a que as mercadorias estavam sujeitas.

38.      Em sua opinião, essa constituição da dívida aduaneira deve ser analisada à luz do artigo 204.° CAC, o que significa que, tendo em conta a irrelevância prática da irregularidade, não se constitui nenhuma dívida aduaneira nem uma dívida de IVA, desde que se verifiquem as condições previstas no artigo 859.° do Regulamento de aplicação.

39.      A Comissão argumenta, em primeiro lugar, que os elementos constitutivos do IVA na importação têm de ser analisados independentemente da existência de uma dívida aduaneira, dadas as diferenças desses tributos quanto aos seus fins e natureza. Nas circunstâncias do caso, existiria uma dívida aduaneira ex artigo 203.° CAC, uma vez que as mercadorias foram subtraídas à fiscalização aduaneira como consequência da remoção do selo de segurança.

40.      Relativamente à primeira questão, a Comissão argumenta que o artigo 61.° e o artigo 71.°, n.° 1, da Diretiva IVA não remetem para as condições de aplicação do artigo 156.° da mesma Diretiva, mas apenas para as situações e regimes aduaneiros ali referidos. Uma vez que o artigo 156.°, alínea b), da Diretiva IVA consagra expressamente as zonas e entrepostos francos, incluem-se, entre as «situações previst[a]s no 156.°», as relativas a essas zonas e entrepostos, na aceção dos artigos 61.° e 71.° da Diretiva IVA.

41.      No que diz respeito à segunda questão, a Comissão sublinha que, nos termos do artigo 71.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação apenas se verificam quando os bens deixam de estar abrangidos por um regime aduaneiro ou por uma das situações previstas no artigo 156.° da Diretiva IVA. No caso em apreço, a subtração das mercadorias à fiscalização aduaneira, decorrente da remoção do selo de segurança, terá levado à constituição de uma dívida aduaneira ex artigo 203.° CAC e ao facto de as mercadorias deixarem de estar sujeitas ao regime de trânsito, cumprindo-se desta forma os requisitos da existência de uma importação em conformidade com os artigos 70.° e 71.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA. No entanto, tendo a subtração ocorrido fora do âmbito territorial alemão do imposto, não se terá realizado uma importação na aceção do artigo 61.° da mesma Diretiva.

42.      Relativamente à terceira questão, a Comissão argumenta que o artigo 204.° CAC só é aplicável se o não for o artigo 203.° CAC, isto é, se a mercadoria não tiver sido subtraída à fiscalização aduaneira. Destaca o princípio da constituição de uma única dívida aduaneira, que implica que os atos ou omissões posteriores sobre uma mercadoria relativos à dívida aduaneira por ela originada, não dão lugar, em princípio, a outra dívida do mesmo tipo.

43.      A Comissão insiste, para além disso, no facto de que o IVA na importação e os direitos aduaneiros devem ser analisados separadamente, pelo que nem o artigo 203.° nem o artigo 204.° CAC implicam de forma automática a constituição de uma dívida de IVA.

V –    Apreciação

A –    Primeira questão prejudicial

44.      Parece-me apropriado começar a análise da primeira questão reproduzindo as palavras do tribunal de reenvio: «Uma disposição de um Estado-Membro em matéria de imposto sobre o valor acrescentado segundo a qual as zonas francas sujeitas ao controlo do tipo I (portos francos) não se consideram parte do território aduaneiro nacional, é um regime especial na aceção do artigo 156.°, tal como referido nos artigos 61.°, primeiro parágrafo, e 71.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva […] IVA?»

45.      O Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse) não pergunta diretamente se a localização de uma mercadoria numa zona franca implica que se fale de um dos «regimes ou situações» do artigo 156.° da Diretiva IVA e aos quais fazem referência os artigo 61.° e 71.° da mesma Diretiva. A sua questão não diz respeito às zonas francas tal como as define o artigo 166.° CAC, mas sim às que o direito alemão qualifica como estrangeiro para efeitos do IVA (artigo 1.°, n.° 2, UStG). Não se trata, assim, das zonas francas enquanto território aduaneiro, mas sim das zonas francas enquanto zonas nas quais a introdução de bens não está sujeita a IVA na importação.

46.      Nas circunstâncias do caso, a diferença com base na qual raciocina o tribunal de reenvio parece-me artificial. O artigo 61.° da Diretiva IVA determina que a importação de um bem se entenderá efetuada onde este deixe de estar abrangido, no que aqui importa, por um dos regimes ou situações do artigo 156.° da mesma Diretiva. Por seu turno, o artigo 71.°, n.° 1, também da Diretiva IVA, dispõe que o facto gerador e a exigibilidade do imposto só se verificam no momento em que o bem deixa de estar abrangido por esses regimes ou situações.

47.      Entre as situações ou regimes do artigo 156.° da Diretiva IVA encontram-se «1. […] b) [a]s entregas de bens que se destinem a ser colocados numa zona franca ou em entreposto franco». Tal pressupõe que, de acordo com o artigo 61.° da Diretiva IVA, esse tipo de bens não se considera importado enquanto não abandonar a zona franca, momento em que ocorre o facto gerador e se torna exigível o IVA na importação (artigo 71.°, n.° 1, da Diretiva IVA).

48.      Assim, tanto para o direito da União como para a lei alemã, as zonas francas são simultaneamente «exterior da União» e «estrangeiro», no sentido de que «[a]s entregas de bens que se destinem a ser [nelas] colocados» não constituem uma importação e, portanto, não ocorre o facto gerador do IVA (5).

49.      O artigo 156.° da Diretiva IVA diz respeito «[à]s entregas de bens que se destinem a ser colocados numa zona franca ou em entreposto franco» enquanto operações que os Estados-Membros podem declarar isentas do IVA. O tribunal de reenvio deduz deste facto que a disposição pressupõe, em todo caso, a existência de uma importação, uma vez que um facto gerador só pode ser declarado isento se estiver, em princípio, sujeito ao imposto de que se exime. Daqui resultaria uma certa contradição com o artigo 1.°, n.° 2, UStG, que, ao qualificar a zona franca como estrangeiro, excluiria a própria possibilidade da importação. Daí que o Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse) se questione se as zonas francas alemãs podem ser equiparadas às zonas francas dos artigo 61.° e 71.° da Diretiva IVA.

50.      Entendo que sim. Os artigos 61.° e 71.° da Diretiva IVA, ao remeterem para o seu artigo 156.°, não o fazem para uma norma reguladora da isenção do imposto, mas sim para uma disposição que enumera uma série de «regimes ou situações». Embora se trate de regimes ou situações que, para o artigo 156.° da Diretiva, são relevantes quanto à eventual isenção do imposto, são trazidos à colação nos artigos 61.° e 71.° com uma finalidade bem distinta (a que corresponde o seu objeto normativo), nomeadamente, determinar o lugar e o momento em que se considerará efetuada a importação e ocorre o facto gerador do IVA.

51.      Assim, do artigo 156.° da Diretiva IVA releva apenas, para efeitos dos artigo 61.° e 71.° da Diretiva, a sua alusão «[à]s entregas de bens que se destinem a ser colocados numa zona franca ou em entreposto franco». Este tipo de entregas com um destino único representa, para aquelas duas disposições, um factum cujo desaparecimento tem como consequência o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação.

52.      Portanto, sou de opinião que a primeira questão merece uma resposta afirmativa. As zonas francas a que se refere o UStG não podem ser senão as mencionadas no artigo 156.° da Diretiva IVA e para as quais remetem os artigos 61.°, primeiro parágrafo, e 71.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da mesma Diretiva. Em termos de IVA, as zonas francas são, para o direito alemão e para o direito da União, estrangeiro, interpretada esta expressão no sentido de que, em determinadas circunstâncias, os bens nelas depositados serão considerados importados no território da União no momento em que as abandonem e sejam introduzidos no território de um Estado-Membro.

53.      Em suma, reformulando os termos da questão, entendo que a referência dos artigos 61.°, primeiro parágrafo, e 71.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA aos «regimes ou situações previstos» no artigo 156.° da mesma diretiva inclui as zonas francas, enquanto eventuais zonas de importação de mercadorias no território da União.

B –    Segunda questão prejudicial

54.      A resposta afirmativa à questão anterior leva à análise da segunda, com a qual o tribunal de reenvio pretende saber, em síntese, se, sendo devidos os direitos aduaneiros no interior de una zona franca, ocorre também o facto gerador do IVA na importação referente a mercadorias que não tenham abandonado essa zona.

55.      Para o Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse), como neste caso se verificou uma subtração das mercadorias à fiscalização aduaneira, constitui-se uma dívida aduaneira nos termos do artigo 203.°, n.° 1, CAC. Na sua opinião, no entanto, tendo tal subtração tido lugar no interior de uma zona franca, não poderia falar-se de importação da mercadoria, pelo que seria deslocado exigir a liquidação do IVA na importação.

56.      De acordo com o exposto, as zonas francas podem ser zona exterior da União, tanto para efeitos de IVA como de direitos aduaneiros, desde que se verifiquem as condições previstas no artigo 166.° CAC (no que aqui interessa, se a mercadoria não estiver sujeita a um regime aduaneiro).

57.      Os bens que tiveram acesso à zona franca de Hamburgo estavam sujeitos ao regime de trânsito externo, pelo que, embora se fale de zona franca, como afirma o tribunal de reenvio, «não se verificavam as condições da presunção de que as mercadorias não comunitárias numa zona franca não se encontram no território aduaneiro da Comunidade para efeitos da aplicação dos direitos de importação» (6).

58.      Introduzidas, portanto, no território aduaneiro da União, as mercadorias objeto do litígio podiam dar origem à constituição de uma dívida aduaneira. Mais concretamente, a prevista no artigo 203.°, n.° 1, CAC, decorrente da subtração daquelas à fiscalização aduaneira, comprovada pela remoção indevida do seu selo de segurança, e o subsequente apuramento do regime de trânsito (7).

59.      É pacífica entre as partes, nas circunstâncias do caso em apreço, a existência da dívida aduaneira nos termos do artigo 203.°, n.° 1, CAC; o que se discute é apenas se, para além disso, se pode também proceder à liquidação do IVA na importação. Não se discute, portanto, o que se relaciona com a exigência daquela primeira dívida (a aduaneira) (8).

60.      O apuramento do regime de trânsito a que estavam sujeitas as mercadorias teria implicado, de acordo com os artigos 61.° e 71.° da Diretiva IVA, que se considerassem importadas no local em que deixaram de estar abrangidas por esse regime, com o concomitante facto gerador do IVA. O que acontece, no entanto, quando o território do Estado-Membro em que deixou de se estar sob o âmbito do regime de trânsito é uma zona franca, a que os artigos 61.° e 71.° da Diretiva IVA se referem como lugar de que é necessário sair para que os bens que nela se encontram passem a ser qualificados como bens importados?

61.      Terão estas circunstâncias dado origem, uma vez constituída uma dívida aduaneira que, como já referi, ninguém contesta, a uma segunda consequência tributária, nomeadamente, o facto gerador do IVA? Tal poderia ser o caso, em princípio: a) se a saída do regime de trânsito fosse suficiente, por si só, para que os bens se considerem importados; ou b) se, constituída a dívida aduaneira ex artigo 203.° CAC, o seu facto gerador implicasse de forma automática o do IVA, apesar de a mercadoria não poder considerar-se importada (uma vez que se mantém a sua qualificação como bem situado numa zona franca).

62.      Parece-me ser de excluir a primeira das opções, uma vez que os artigos 61.° e 71.° da Diretiva IVA se referem em termos alternativos e não excludentes aos diferentes regimes e situações cujo abandono equivale a uma importação dos bens que uns e outras preveem. A sucessão desses regimes ou situações é, além disso, possível: o artigo 170.°, n.° 2, alínea a), CAC, refere, por exemplo, a entrada numa zona franca de mercadorias sujeitas a um regime aduaneiro «de cuja entrada numa zona franca ou num entreposto franco decorra o apuramento do referido regime».

63.      Importa, no entanto, sublinhar que essa possibilidade de sucessão é apenas admissível se a transição de um regime para o outro for efetuada através do correto apuramento do primeiro. No caso dos autos, o apuramento irregular do regime de trânsito externo impediria que a mercadoria adquirisse, relativamente ao IVA, a condição de bem situado numa zona franca e tivesse de ser considerada, portanto, como mercadoria importada. Aceitar esta posição significaria, no entanto, desvirtuar a natureza do IVA que, sendo um imposto sobre o consumo, se converteria num meio de repressão de uma conduta ilícita (9).

64.      O mesmo critério (que atende à natureza e à finalidade do IVA) exclui também, na minha opinião, a segunda das opções antes referidas, a que equipara, de forma automática, o facto gerador do IVA ao dos direitos aduaneiros com fundamento numa interpretação literal do artigo 71.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA (10).

65.      Como tive ocasião de recordar nas conclusões dos processos apensos Eurogate Distribution e DHL Hub Leipzig (11), de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «o IVA na importação e os direitos aduaneiros apresentam características essenciais comparáveis, cujo facto gerador é a importação na União e a subsequente entrada das mercadorias no circuito económico dos Estados-Membros», paralelismo que é «confirmado pelo facto de o artigo 71.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA autorizar os Estados-Membros a ligar o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação aos direitos aduaneiros» (12).

66.      No entanto, tal como referi nessas conclusões (13), «comparável não quer dizer idêntico, pelo que o Tribunal de Justiça propôs que a constituição da dívida aduaneira e do IVA fossem apreciadas de forma independente. Atendendo à diferente natureza de ambas as dívidas não poderia ser de outra forma, sendo que esta diferença é reforçada quando a dívida aduaneira não resulta, efetivamente, da introdução no território aduaneiro de mercadorias em regime comum, mas do incumprimento de determinados requisitos ou obrigações».

67.      O determinante para o facto gerador do IVA na importação é que os bens sobre os quais incide possam integrar-se no circuito económico da União e, portanto, ser objeto de consumo posterior. Tal foi confirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 2 de junho de 2016, Eurogate Distribution e DHL Hub Leipzig: «uma dívida de IVA pode somar-se à dívida aduaneira se a conduta ilícita que deu origem a esta dívida permitisse presumir que as mercadorias em causa tinham entrado no circuito económico da União e foram consumidas, desencadeando assim o facto gerador do IVA» (14).

68.      De acordo com o que defendi nas referidas conclusões do processo Eurogate Distribution e DHL Hub Leipzig (15), um dos pressupostos em que essa presunção poderia ser aplicável razoavelmente «[s]eria […] o caso previsto no artigo 202.°, n.° 1, alínea a), do CAC (introdução irregular no território aduaneiro de uma mercadoria sujeita a direitos de importação) ou no artigo 203.°, n.° 1, do CAC (subtração da mercadoria à fiscalização aduaneira» (16), ou seja, é esta segunda hipótese que aqui nos interessa.

69.      No entanto, essa presunção não é inilidível, mas sim iuris tantum e, consequentemente, suscetível de ser desvirtuada em função dos factos que se deem por judicialmente provados. Especificamente, se a integração pudesse presumir-se quando as mercadorias não estivessem numa zona franca, seria posta em causa, uma vez provado que, depois de nela se encontrarem sem sujeição a outras operações, dali saíram com destino a outro Estado-Membro, para então serem reexportadas.

70.      Tal parece ter sido o que aconteceu neste caso. De acordo com o tribunal de reenvio, a remoção do selo de segurança dos bens teve lugar no momento da sua descarga na zona franca de Hamburgo em 11 de junho de 2009. No dia 15 desse mesmo mês, foram colocados num contentor e carregados num barco que abandonou o porto franco de Hamburgo no dia seguinte (17). Para o Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse), durante todo esse tempo «não ocorreu a entrada no circuito económico do Estado-Membro a cujo território pertence a zona franca na perspetiva do Imposto sobre o Valor Acrescentado. Com efeito, as mercadorias, depois de terem sido subtraídas à fiscalização aduaneira, permaneceram na zona franca e não foram aí introduzidas em livre prática nos termos da legislação do IVA nem usadas ou consumidas, factos que teriam de se considerar como operações no interior do país nos termos do artigo 1.°, n.° 3, do UStG» (18).

71.      Ainda que a colocação das mercadorias numa zona franca fosse, por hipótese, irrelevante no que diz respeito à remissão dos artigos 61.° e 71.° da Diretiva IVA para o seu artigo 156.°, o certo é que, dadas as circunstâncias específicas destes factos, os bens não poderiam ter sido utilizados ou consumidos no território da União.

72.      Em termos abstratos, a irrelevância do artigo 156.° da Diretiva IVA implicaria que, para efeitos dos artigos 61.° e 71.° da mesma diretiva, os referidos bens se considerassem «importados» uma vez apurado o regime de trânsito. De acordo com esse raciocínio, seria aplicável o artigo 71.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA (19). Entendo, no entanto, que pode apenas ser assim quando a importação comporte o acesso dos bens ao circuito económico da União, o que normalmente deve ser a regra. Quando, pelo contrário, se possa constatar de forma incontestável, através de uma análise jurisdicional inequívoca, que não foi possível o acesso a esse circuito económico, tal «importação» constitui um ato jurídico que não gera a obrigação de liquidar IVA.

73.      Assim, na minha opinião, os artigos 61.° e 71.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que a constituição de uma dívida aduaneira por força do artigo 203.°, n.° 1, CAC, decorrente da subtração à fiscalização aduaneira de bens colocados numa zona franca, dá origem ao facto gerador e à exigibilidade do IVA na importação, se se puder presumir razoavelmente que os referidos bens possam ter sido integrados no circuito económico da União, o que compete determinar à autoridade jurisdicional nacional.

C –    Terceira questão prejudicial

74.      Tal como refere a Comissão (20), a terceira questão do tribunal de reenvio parte da premissa de que é possível aplicar simultaneamente os artigo 203.° e 204.° CAC.

75.      O Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse) pergunta, se, uma vez constituída uma dívida aduaneira ex artigo 203.° CAC por se ter subtraído a mercadoria à fiscalização aduaneira numa zona franca, pode (também) constituir-se uma dívida de IVA na medida em que, nos termos do artigo 204.°, n.° 1, alínea a), CAC, se verificou o incumprimento da obrigação de proceder ao apuramento do regime de trânsito na estância aduaneira situada no território do país.

76.      Creio que a resposta se encontra na jurisprudência assente do Tribunal de Justiça: «resulta do [artigo 204.° CAC] que esta disposição só é aplicável nos casos que não relevam do artigo 203.°[CAC]» (21).

77.      Assim, se, para o tribunal de reenvio, as circunstâncias analisadas no processo principal correspondem ao previsto no artigo 203.° CAC, não pode ser simultaneamente aplicado o artigo 204.° CAC visando, desta forma, atingir uma consequência (o facto gerador do IVA) que, nas circunstâncias do caso, não resulta daquele primeiro preceito.

78.      A resposta que proponho não pode ser outra que não que, uma vez constituída uma dívida aduaneira por força do artigo 203.° CAC e excluída, em função das circunstâncias do caso, a constituição de uma dívida de IVA, o artigo 204.° CAC não é aplicável com o propósito único de justificar o facto gerador desse imposto.

VI – Conclusão

79.      Atendendo às considerações efetuadas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas nos seguintes termos:

«1. Os artigos 61.°, primeiro parágrafo, e artigo 71.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, alterada pela Diretiva 2007/75/CE, devem ser interpretados no sentido de que:

a) a referência aos ‘regimes ou situações previstos’ no artigo 156.° dessa Diretiva inclui as zonas francas, enquanto zonas de importação de mercadorias no território da União; e

b) a constituição de uma dívida aduaneira, de acordo com o artigo 203.°, n.° 1, do Código Aduaneiro Comunitário, decorrente da subtração à fiscalização aduaneira de bens colocados numa zona franca, dá origem ao facto gerador e à exigibilidade do IVA na importação, se se puder presumir razoavelmente que os referidos bens podem ter sido integrados no circuito económico da União, o que compete à autoridade jurisdicional nacional determinar.

2. Uma vez constituída uma dívida aduaneira por força do artigo 203.° do Código Aduaneiro Comunitário e excluída, em função das circunstâncias do caso, a exigibilidade do IVA, o artigo 204.° desse Código não é aplicável para dar origem ao facto gerador desse imposto.»


1 – Língua original: espanhol.


2 – Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992 (JO 1992, L 302, p. 1), alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1791/2006 do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO 2006, L 363, p. 1); a seguir «CAC».


3 – Diretiva do Conselho de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), alterada pela Diretiva 2007/75/CE (JO 2007, L 346, p. 13); a seguir «Diretiva IVA».


4 –      Lei de 21 de fevereiro de 2005 (BGBl 2005 I, p. 386); a seguir «UStG».


5 –      Reitero que me refiro apenas às zonas francas no contexto da aplicação conjunta dos artigos 61.°, 71.° e 156.°, da Diretiva IVA. De um modo geral, e também relativamente ao IVA, «um entreposto aduaneiro encontra-se ‘no território do país’ quando se situa no território de um Estado-Membro». [Acórdão de 8 de novembro de 2012, Profitube (C-165/11, EU:C:2012:692, n.° 59)]. No contexto do processo vertente, a eventual exterioridade das zonas francas é uma qualidade atribuível apenas a determinados atos jurídicos praticados nelas ou a partir delas.


6 –      Despacho de reenvio, p. 15 da versão original.


7 –      Nos termos do acórdão de 11 de julho de 2002, Liberexim (C-371/99, EU:C:2002:433, n.° 53), «o momento e o local onde se produz a saída do regime de trânsito comunitário externo são necessariamente o momento e o local onde foi cometida a primeira irregularidade que pode ser qualificada de subtração à fiscalização aduaneira».


8 –      As mercadorias, que estavam inicialmente numa situação que permitia qualificá-las como bens não importados (regime de trânsito), passaram automaticamente a outro status que, de acordo com a Diretiva IVA, também autoriza essa mesma qualificação (localização numa zona franca). O trânsito irregular entre as duas situações teve uma primeira consequência, nomeadamente, o facto gerador da dívida aduaneira.


9 –      Além disso, nem sequer deve ser atribuído este caráter repressivo à dívida aduaneira que se tenha constituído como consequência do apuramento irregular do regime de trânsito. Nos termos do acórdão de 6 de setembro de 2012, Döhler Neuenkirchen (C-262/10, EU:C:2012:559, n.° 43), «a constituição de uma dívida aduaneira não reveste […] o caráter de sanção, mas deve ser entendida como a consequência do não preenchimento das condições requeridas para efeitos da obtenção do benefício resultante da aplicação do regime de aperfeiçoamento ativo sob a forma de sistema suspensivo. Com efeito, esse regime implica a concessão de um benefício condicional que não pode ser concedido se as condições a ele atinentes não forem respeitadas, o que torna inaplicável a suspensão e justifica, por conseguinte, a imposição de direitos aduaneiros».


10 –      Nos termos dessa disposição, «quando os bens importados estejam sujeitos a direitos aduaneiros […], o facto gerador [do IVA] ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que ocorram o facto gerador e a exigibilidade desses direitos».


11 –      C-226/14 e C-228/14, EU:C:2016:1, n.° 90.


12 –      Remetia então para o acórdão de 11 de julho de 2013, Harry Winston (C-273/12, EU:C:2013:466, n.° 41), com referência aos acórdãos Witzemann (C-343/89, EU:C:1999:445, n.° 18), e Dansk Transport og Logistik (C-230/08, EU:C:2010:231 n.os 90 e 91).


13 –      Conclusões Eurogate Distribution e DHL Hub Leipzig (C-226/14 e C-228/14, EU:C:2016:1, n.° 91).


14 –      Processo C-226/14 e C-228/14, EU:C:2016:405, n.° 65. O acórdão faz, neste número, referência expressa ao n.° 97 das minhas conclusões Eurogate Distribution e DHL Hub Leipzig (C-226/14 e C-228/14, EU:C:2016:1), em que afirmava: «[q]uando a dívida constituída por força dos artigos 202.° a 205.° do CAC se refira a mercadorias que já tenham sido reexportadas, o facto de terem saído do território da União não afeta a obrigação de pagamento dos direitos aduaneiros. Além disso, a essa dívida aduaneira pode acrescer a exigência do IVA se, devido a conduta ilícita única que gerou a dívida aduaneira, for possível presumir que a mercadoria entrou no circuito económico da União e, por conseguinte, pôde ser objeto de consumo, isto é, do ato sujeit[o] ao IVA».


15 –      C-226/14 e C-228/14, EU:C:2016:1, n.° 97.


16 –      C-226/14 e C-228/14, EU:C:2016:1, n.° 98. O sublinhado é meu.


17 –      Despacho de reenvio, p. 4 da versão original.


18 –      Despacho de reenvio, p. 17 da versão original.


19 –      Nos termos do qual, «quando os bens importados estejam sujeitos a direitos aduaneiros […], o facto gerador [do IVA] ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que ocorram o facto gerador e a exigibilidade» dos direitos aduaneiros.


20 –      N.° 82 das suas observações escritas.


21 –      Por exemplo, no acórdão de 12 de fevereiro de 2004, Hamann International (C-337/01, EU:C:2004:90, n.° 29).