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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ-BORDONA

apresentadas em 2 de março de 2017 ( 1 )

Processo C-38/16

Compass Contract Services Limited

contra

Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo First-tier Tribunal (Tax Chamber) (Tribunal de Primeira Instância, Secção Fiscal, Reino Unido)]

«IVA — Imposto pago indevidamente — Modalidades de reembolso — Legislação nacional que estabelece um prazo de prescrição — Diferença relativamente ao prazo previsto para o reembolso da dedução indevidamente recusada — Princípios da igualdade de tratamento, da neutralidade fiscal e da efetividade»

1. 

Permite o direito da União que os prazos de prescrição aplicáveis aos pedidos de reembolso do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago indevidamente sejam diferentes, relativamente à sua data de entrada em vigor, dos que regulam os pedidos de dedução desse imposto? Esta é, em síntese, a questão suscitada por um tribunal britânico no processo que opõe a Compass Contract Services (UK) Ltd. (a seguir «Compass») às autoridades fiscais do seu país.

2. 

O Tribunal de Justiça decidiu no seu acórdão de 11 de julho de 2002, Marks & Spencer ( 2 ), que os princípios da efetividade e da proteção da confiança legítima se opunham a uma legislação nacional [como o Finance Act 1997 (Lei de Finanças de 1997)] que tinha reduzido, retroativamente, de seis para três anos o prazo para pedir o reembolso do IVA cobrado em violação da Diretiva 77/388/CEE ( 3 ).

3. 

O legislador britânico decidiu posteriormente, na sequência do referido acórdão, que essa redução do prazo não seria aplicável aos pedidos de reembolso do IVA relativos a exercícios fiscais anteriores à data do estabelecimento do prazo reduzido. A mesma decisão foi mais tarde adotada relativamente aos pedidos (tardios) de dedução do IVA a montante.

4. 

A prática administrativa e as sucessivas intervenções legislativas deram origem, no entanto, a uma disparidade de tratamento no Reino Unido, relativamente à data a partir da qual rege o prazo, entre uns pedidos (os de reembolso do IVA) e os outros (os da dedução do IVA). O órgão jurisdicional a quo pergunta ao Tribunal de Justiça se essa disparidade é compatível com os princípios do direito da União, em particular, com o princípio da igualdade.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União

Sexta Diretiva

5.

Sob a epígrafe «Origem e âmbito do direito à dedução», o artigo 17.o prevê:

«1.   O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

2.   Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)

O [IVA] devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

b)

O [IVA] devido ou pago em relação a bens importados;

c)

O [IVA] devido nos termos do n.o 7, alínea a), do artigo 5.o e do n.o 3 do artigo 6.o

[…]»

6.

Sob a epígrafe «Disposições relativas ao exercício do direito a dedução», o artigo 18.o da Sexta Diretiva especifica:

«1.   Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve:

a)

Relativamente à dedução prevista no n.o 2, alínea a), do artigo 17.o, possuir uma fatura emitida nos termos do n.o 3 do artigo 22.o;

b)

Relativamente à dedução prevista no n.o 2, alínea b), do artigo 17.o, um documento comprovativo da importação em que seja indicado como destinatário ou importador e que mencione ou permita calcular o montante do imposto devido;

c)

Relativamente à dedução prevista no n.o 2, alínea c), do artigo 17.o, cumprir as formalidades estabelecidas por cada Estado-Membro;

d)

Quando tiver de pagar o imposto na qualidade de destinatário ou de adquirente, no caso de aplicação de n.o 1 do artigo 21.o, cumprir as formalidades estabelecidas por cada Estado-Membro.

2.   O sujeito passivo efetuará a dedução subtraindo do montante total do imposto devido num determinado período fiscal o montante do imposto em relação ao qual, durante o mesmo período, o direito à dedução surge e é exercido por força do n.o 1.

[…]

3.   Os Estados-Membros fixarão as condições e as regras as quais o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder a uma dedução a que não tenha procedido em conformidade com o disposto nos n.os 1 e 2.

4.   Quando o montante das deduções autorizadas exceder o montante do imposto devido num determinado período fiscal, os Estados-Membros podem operar o transporte do excedente para o período seguinte, ou proceder ao respetivo reembolso, nas condições por eles fixadas.

[…]»

B – Direito nacional

7.

A evolução legislativa nesta matéria, até ao Finance Act 1997 (Lei de Finanças de 1977), foi descrita desta forma no acórdão M&S I ( 4 ):

8.

O artigo 11.o, A, n.o 1, alínea a), da Sexta Diretiva só foi corretamente transposto no Reino Unido a partir de 1 de agosto de 1992, nos termos do Finance (n.o 2) Act 1992 (Segunda Lei de Finanças de 1992), que alterou a Section 10 (3) do Value Added Tax Act 1983 (Lei de 1983 sobre o IVA).

9.

Esta última disposição passou a ter então a seguinte redação:

«Se a contrapartida da entrega ou da prestação não consistir, no todo ou em parte, em dinheiro, o valor a tomar em consideração será o correspondente valor em dinheiro, acrescido do imposto devido.»

10.

No que toca à legislação sobre o reembolso das quantias de IVA indevidamente cobradas, as disposições relevantes da Section 24 do Finance Act 1989 (Lei de Finanças de 1989) tinham a seguinte redação (com efeitos a partir de 1 de janeiro de 1990):

«1)

Quando uma pessoa tenha pago um determinado montante aos Commissioners [ ( 5 ) ] a título de imposto sobre o valor acrescentado que não era devido, os Commissioners estão obrigados a devolver-lhe esse montante.

2)

Os Commissioners apenas estão obrigados a devolver um montante nos termos desta Section com base num pedido efetuado para esse efeito.

[…]

4)

Não pode ser pedido qualquer montante ao abrigo desta Section após o termo dos seis anos subsequentes à data em que o montante foi pago, exceto se for aplicável a Subsection (5) infra.

5)

Quando o pagamento de um montante aos Commissioners tenha sido feito por erro, o pedido de reembolso desse montante ao abrigo desta Section pode ser feito a qualquer momento antes do termo dos seis anos subsequentes à data em que o reclamante descobriu o erro ou poderia com razoável diligência tê-lo descoberto.

[…]

7)

Exceto nos casos previstos nesta Section, os Commissioners não estão obrigados a devolver qualquer montante que lhes seja pago a título do imposto sobre o valor acrescentado pelo facto de o imposto não ser devido.

[…]»

11.

A Section 24 do Finance Act 1989 (Lei de Finanças de 1989) foi revogada e substituída pela Section 80 do Value Added Tax Act 1994 (Lei de 1994 sobre o IVA), com efeitos a partir de 1 de setembro de 1994. As disposições relevantes da Section 80 têm redação quase idêntica às da Section 24.

12.

Em 18 de julho de 1996, um membro do governo, Her Majesty's Paymaster General (Tesoureiro Geral), anunciou no Parlamento que, tendo em conta o constante aumento dos riscos incorridos pelo Tesouro em razão dos pedidos de reembolso das quantias cobradas por erro a título dos impostos, o governo tinha a intenção de alterar, no Finance Bill 1997 (Projeto de Lei de Finanças de 1997), o prazo de prescrição no que toca aos pedidos de reembolso respeitantes ao IVA e a outros impostos indiretos, reduzindo-o para três anos. Este novo prazo de prescrição deveria aplicar-se imediatamente aos pedidos em curso na data deste anúncio, a fim de evitar que a alteração legislativa prevista ficasse destituída de efeitos devido ao tempo decorrido antes do termo do processo parlamentar.

13.

Em 4 de dezembro de 1996, a Câmara dos Comuns aprovou as propostas orçamentais do governo, incluindo a proposta anunciada em 18 de julho de 1996, que se tornou na Section 47 do Finance Bill 1997.

14.

O Finance Act 1997 foi definitivamente aprovado em 19 de março de 1997. A sua Section 47 (1) altera a Section 80 do Value Added Tax Act 1994, revogando a sua Subsection (5) e alterando a Subsection (4), que passou a dispor, após esta alteração:

«Os Commissioners não estão obrigados, com base num pedido feito nos termos desta Section, a reembolsar qualquer montante que lhes tenha sido pago mais de três anos antes da apresentação do pedido.»

15.

A Section 47(2) do Finance Act 1997 dispõe:

«[…] a Subsection (1) supra produz efeitos a partir de 18 de julho de 1996, como disposição aplicável, para os fins da efetivação de qualquer reembolso nessa ou após essa data, a todos os pedidos feitos nos termos da Section 80 do Value Added Tax Act 1994 [Lei de 1994 sobre o IVA], incluindo os pedidos feitos antes dessa data e os pedidos relativos a pagamentos feitos antes dessa data».

16.

A Section 25 (6) do Value Added Tax Act 1994 dispõe que a dedução do imposto a montante nos termos da Section 25 (2) e o pagamento de um crédito de IVA só serão efetuados ou pagos se o pedido for apresentado na forma e no prazo fixados por regulamento.

17.

A Regulation 29 (1/A) das Value Added Tax Regulations 1995 (Regulamento de 1995 sobre o IVA), na redação em vigor entre 1 de maio de 1997 e 31 de março de 2009 ( 6 ), dispõe que a Administração Tributária não defere qualquer pedido de dedução do imposto a montante efetuado mais de três anos após a data limite para a entrega da declaração relativa ao período contabilístico em causa.

18.

Nos termos da Section 121 (1) do Finance Act 2008 (Lei de Finanças de 2008), o requisito estabelecido na Section 80 (4) da Lei de 1994 sobre o IVA não se aplicaria aos pedidos anteriores a 1 de abril de 2009, relativos aos montantes declarados ou pagos num período contabilístico que tenha terminado antes de 4 de dezembro de 1996.

19.

Nos termos da Section 121 (2) da Lei de Finanças de 2008, a Section 25 (6) da Lei de 1994 sobre o IVA não será aplicável aos pedidos de dedução do imposto a montante cujo pagamento se tenha tornado exigível num período contabilístico terminado antes de 1 de maio de 1997, desde que tais pedidos sejam apresentados até 1 de abril de 2009.

20.

Nos termos da Section 121 da Lei de Finanças de 2008, esta disposição entrou em vigor em 19 de março de 2008.

II – Matéria de Facto

21.

A Compass é uma empresa de fornecimento de refeições frias relativamente à qual foi decidido judicialmente, em junho de 2006, que determinados fornecimentos em relação aos quais esta tinha cobrado e declarado IVA durante exercícios fiscais anteriores não estavam, na realidade, sujeitos ao referido imposto.

22.

Em particular, os tribunais britânicos consideraram que os referidos fornecimentos beneficiavam da isenção decorrente do artigo 28.o, n.o 2, da Sexta Diretiva. Os Commissioners admitiram, portanto, que a Compass tinha pago IVA em excesso.

23.

Em janeiro de 2008, a Compass pediu o reembolso do IVA a jusante pago em excesso entre 1 de abril de 1973 e 2 de fevereiro de 2002.

24.

Os Commissioners determinaram o reembolso dos montantes pagos indevidamente entre 1 de abril de 1973 e 31 de outubro de 1996, alegando a prescrição dos demais créditos.

25.

A Compass impugnou a decisão dos Commisioners no First-tier Tribunal (Tax Chamber) (Tribunal de Primeira Instância, Secção Fiscal, Reino Unido), denunciando a diferença de tratamento entre os pedidos de devolução do IVA indevido, por um lado, e os pedidos de dedução desse imposto, por outro.

26.

Essa diferença de tratamento consistiria no facto de que os primeiros apenas procedem se forem relativos a períodos fiscais terminados antes de 4 de dezembro de 1996, enquanto o prazo para os segundos se prolonga até 1 de maio de 1997.

27.

No processo a quo está apenas em causa o reembolso do IVA pago indevidamente entre 1 de novembro de 1996 e 30 de abril de 1997 (declarações trimestrais relativas a abril de 1996 e janeiro de 1997).

28.

Neste contexto, o órgão jurisdicional chamado a pronunciar-se sobre o processo submeteu ao Tribunal de Justiça o presente pedido prejudicial.

III – Questões prejudiciais

29.

As questões prejudiciais, submetidas em 25 de janeiro de 2016, têm a seguinte redação:

«1)

A diferença de tratamento, prevista no Reino Unido, dos pedidos relativos ao imposto a jusante (que podiam ser apresentados relativamente a períodos findos antes de 4 de dezembro de 1996) e dos pedidos Fleming relativos ao imposto a montante (que podiam ser apresentados relativamente a períodos findos antes de 1 de maio de 1997, ou seja, até mais tarde do que os pedidos Fleming relativos ao imposto a jusante) consubstancia:

(a)

uma violação do princípio geral do direito da UE da igualdade de tratamento; e/ou

(b)

uma violação do princípio geral do direito da UE da neutralidade fiscal; e/ou

(c)

uma violação do princípio geral do direito da UE da efetividade; e/ou

(d)

uma violação de outro princípio geral pertinente do direito da UE?

2)

Em caso de resposta afirmativa a qualquer das alíneas a) a d) da questão 1, de que modo devem ser tratados os pedidos Fleming relativos ao imposto a jusante, no que se refere ao período compreendido entre 4 de dezembro de 1996 e 30 de abril de 1997?»

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e posições das partes

30.

A Compass, o Governo do Reino Unido e a Comissão compareceram no processo, apresentaram observações escritas e participaram na audiência realizada em 8 de dezembro de 2006.

31.

Na opinião da Compass, deve ser dada uma resposta afirmativa à primeira questão. A diferença de tratamento denunciada não pode ser justificada com base no princípio da igualdade, uma vez que as duas situações comparadas dizem respeito ao reembolso de um «crédito de IVA». Em sua opinião, a lógica subjacente às disposições nacionais sobre a prescrição retroativa demonstra que os Commissioners pretendiam que esta fosse aplicável a todos os pedidos de reembolso de excedentes de IVA.

32.

No que diz respeito ao princípio da neutralidade, a Compass argumenta que lhe é conferido um tratamento menos favorável relativamente aos seus potenciais concorrentes que beneficiam do direito de dedução do IVA durante o período controvertido.

33.

Quanto à segunda questão, a Compass alega que, nos termos do acórdão de 10 de abril de 2008, Mark & Spencer ( 7 ), o órgão jurisdicional de reenvio deveria aplicar-lhe o mesmo prazo de prescrição que rege os pedidos de dedução do IVA, enquanto disposição mais favorável. Não o fazer, acrescenta, implicaria uma violação do princípio da efetividade.

34.

Segundo o Governo do Reino Unido, atendendo às questões submetidas, o único princípio pertinente seria o da igualdade. Nas circunstâncias do caso, esse princípio não se opõe à diferença de tratamento denunciada pela Compass, uma vez que a sua situação não é comparável à de quem apresente um pedido «tardio» de dedução do IVA. As situações referidas são, em seu entender, diferentes, tanto quanto às suas circunstâncias como quanto à sua natureza jurídica.

35.

Quanto às circunstâncias, o Governo do Reino Unido alega que a diferença decorre do facto de os limites máximos respetivos (três anos em ambos os casos) terem sido estabelecidos em momentos diferentes, após ter sido declarada a violação do direito da União no acórdão M&S I ( 8 ). Com o objetivo de corrigir essa violação, a Section 121 da Lei de Finanças de 2008 estabeleceu um período de transição, tomando como datas pertinentes as primeiras a partir das quais o Reino Unido podia reduzir os prazos de prescrição com efeito imediato, por serem aquelas relativamente às quais serão aplicáveis as disposições relativas à redução do período de prescrição de seis para três anos.

36.

Quanto à natureza jurídica dos dois tipos de pedidos, o Governo do Reino Unido defende que o direito ao reembolso do montante pedido a título de pagamento indevido do IVA não decorre, por definição, do regime do IVA nem das suas diretivas, mas sim do direito geral da União. Pelo contrário, o direito de dedução decorre exclusivamente dessas diretivas, segundo as quais quem, estando sujeito ao imposto, o tenha pago ou tenha de o pagar a um terceiro, também sujeito a esse imposto, de quem tenha recebido determinados bens ou serviços, tem direito à dedução (ou a obter um crédito correspondente) do IVA pago. Prova da diferença jurídica existente entre as duas situações consistiria no facto de o direito da União reconhecer à Administração Fiscal a possibilidade de invocar o enriquecimento sem causa na primeira situação, mas já não na segunda.

37.

O Governo do Reino Unido considera também que a expressão «crédito de IVA», utilizada no acórdão M&S II, não corresponde, em rigor, a uma definição jurídica, constituindo antes um recurso expressivo.

38.

O referido governo sublinha ainda que o acórdão M&S II não diz respeito às regras nacionais alteradas em 2005 e aplicadas à Compass. A partir dessa reforma, os dois tipos de pedidos foram geridos da mesma maneira, sem que a Compass tenha provado que alguém na sua situação tenha recebido tratamento mais favorável.

39.

O Governo do Reino Unido conclui que a legislação nacional controvertida não viola nem o princípio da efetividade nem o princípio da confiança legítima, uma vez que a incompatibilidade com o direito da União declarada no processo M&S I foi sanada pela introdução de um regime de transição.

40.

A Comissão sustenta que um regime fiscal (como o deste processo) pode prever prazos heterogéneos, sem que seja violado o princípio da neutralidade ou os princípios gerais do direito da União. Relativamente ao primeiro, a Comissão alega que teria apenas que se analisar a sua violação numa situação de desigualdade de tratamento entre operadores concorrentes, o que se verificava no caso do acórdão M&S II, mas não neste.

41.

Da mesma forma que a inexistência de operadores concorrentes excluiria a violação do princípio da neutralidade, a eventual presença de operadores que se encontrem numa situação comparável poderia traduzir-se numa violação do princípio da igualdade. No entanto, para a Comissão, neste processo confrontam-se duas situações não equiparáveis: há uma diferença objetiva substantiva entre os dois tipos de pedidos, na medida em que dizem respeito a níveis diferentes da atividade económica e estão sujeitos a disposições também elas diferentes. Tal decorre, para a Comissão, da doutrina estabelecida no processo Reemtsma Cigarettenfabrike ( 9 ).

42.

Por último, para a Comissão, a referência ao princípio da efetividade não é adequada porque, mais uma vez, pedidos como os da Compass não são assimiláveis aos pedidos de dedução. Acresce que, quanto ao princípio da equivalência, competirá à jurisdição de reenvio verificar a sua aplicação, devendo recordar-se que, segundo a jurisprudência, não pode ser interpretado no sentido de que obriga um Estado-Membro a alargar o seu regime interno mais favorável ao conjunto das ações intentadas num determinado âmbito do direito.

V – Análise

A – Considerações prévias. O contexto histórico e legislativo do caso em litígio

43.

Conforme adverte o tribunal de reenvio ( 10 ) e é salientado pelo Governo do Reino Unido ( 11 ), para compreender a diferença de tratamento, prevista na Section 121 da Lei de Finanças de 2008, entre os pedidos de reembolso do IVA pago em excesso, por um lado, e os pedidos de dedução do IVA, por outro, é necessário fazer referência à génese do prazo de prescrição de três anos, bem como à cronologia da contestação judicial de que foi objeto.

44.

Nos termos da descrição apresentada pelo tribunal de reenvio e pelo Governo do Reino Unido, a Section 121 da Lei de Finanças de 2008 representa o culminar de um conjunto de iniciativas legislativas que tiveram início em 18 de julho de 1996 com o anúncio por parte do referido governo, da sua intenção de alterar a Section 80 da Lei de 1994 sobre o IVA ( 12 ). A proposta do governo foi aprovada pelo legislador nacional em 4 de dezembro de 1996.

45.

Os Commissioners entenderam inicialmente que o novo prazo de três anos não se aplicava aos pedidos de dedução do imposto. No entanto, o Regulamento de 1995 sobre o IVA foi alterado, com efeitos a partir de 1 de maio de 1997, para aplicar esse prazo também aos referidos pedidos.

46.

Tendo em conta o acórdão M&S I ( 13 ), que considerou contrária ao direito da União a redução (de seis para três anos), com efeito retroativo, do prazo para pedir o reembolso do IVA pago indevidamente, os tribunais britânicos decidiram (na denominada «jurisprudência Fleming») ( 14 ) que essa redução seria aplicável após um período de transição e que se estenderia aos pedidos de dedução.

47.

Assente esta jurisprudência, os Commissioners decidiram:

que seriam deferidos os pedidos relativos a pagamentos indevidos de IVA correspondentes a exercícios fiscais anteriores a 4 de dezembro de 1996 (data da alteração da Section 80 da Lei de 1994 sobre o IVA, que inicialmente afetou apenas esse tipo de pedidos); e

que seriam também deferidos os pedidos de dedução correspondentes a exercícios fiscais anteriores a 1 de maio de 1997 (data da alteração do Regulamento de 1995 sobre o IVA, que tornou efetivo o prazo de três anos para este segundo tipo de pedidos).

48.

Confirmada judicialmente esta prática administrativa, a Lei de Finanças de 2008 veio dar finalmente cobertura legal à solução alcançada, dispondo que seria aplicável aos pedidos anteriores a 1 de abril de 2009.

49.

O tribunal de reenvio submete as suas questões prejudiciais neste contexto. Com a segunda questão, em caso de resposta afirmativa à primeira, pretende saber qual o seguimento a dar aos pedidos de reembolso do IVA pago em excesso apresentados no período compreendido entre as duas datas.

B – Primeira questão prejudicial

50.

O tribunal a quo pretende saber, em síntese, se o direito da União se opõe a uma medida nacional que, ao regular o período de transição aplicável aos prazos de prescrição reduzidos, trata de forma diferente os pedidos de reembolso do IVA pago em excesso e os pedidos de dedução do IVA ( 15 ). Em sua opinião, diversos princípios do direito da União poderiam opor-se a esse tratamento diferenciado.

51.

Em concreto, o tribunal de reenvio invoca os princípios da igualdade de tratamento, da neutralidade fiscal e da efetividade assim como qualquer «outro princípio geral pertinente do direito da União», expressão que permitiria, possivelmente, trazer à colação os princípios da equivalência ( 16 ) e da proteção da confiança legítima ( 17 ).

52.

No entanto, concordo com o Governo Reino Unido ( 18 ) quanto ao facto de o processo de origem se ter centrado (e creio que também a resposta prejudicial o deveria fazer) na diferença do regime aplicado a cada um dos tipos de pedidos, ou seja, na eventual violação do princípio da igualdade. Os restantes princípios invocados pelo tribunal de reenvio parecem-me ter, neste caso, importância meramente secundária.

53.

O princípio da neutralidade, fundamental no sistema comum do IVA ( 19 ), proíbe que mercadorias ou prestações semelhantes — que, precisamente por causa desta semelhança, se entende que se encontram em concorrência entre si ( 20 ) — sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista desse imposto ( 21 ). Ora, concordo com a posição da Comissão ( 22 ) e do Governo do Reino Unido ( 23 ) quando sublinham que tal não se verificou neste processo.

54.

Em particular, não se demonstrou que os Commissioners tenham tratado os fornecimentos da Compass de uma forma diferente dos fornecimentos semelhantes dos seus concorrentes. A todos eles, incluindo à Compass, foram aplicadas da mesma forma as disposições reguladoras dos prazos, em função da natureza dos seus pedidos (quer fossem de reembolso ou de dedução).

55.

Ora, o princípio da neutralidade fiscal constitui, simplesmente, a tradução, no âmbito do IVA, do princípio da igualdade de tratamento ( 24 ). Este último não incide apenas entre operadores económicos concorrentes, mas também entre aqueles que, não estando forçosamente em concorrência, se encontram numa situação comparável noutros aspetos ( 25 ), o que centra novamente a análise no princípio da igualdade.

56.

Assim, teria de se determinar:

se a situação de quem, como a Compass, pretende o reembolso do IVA pago em excesso é equiparável à de quem, não sendo forçosamente seu concorrente, pede a dedução do referido imposto; e

se, no caso de que os pedidos fossem equivalentes, a diferença de tratamento está justificada quando a lei fixa, para o exercício de cada um deles, um prazo de prescrição que, sendo igual, começa, no entanto, em datas diferentes.

1. Quanto à natureza diversa dos direitos ao reembolso e à dedução do IVA

57.

O Governo do Reino Unido e a Comissão entendem que, em termos conceptuais, um pedido de reembolso do IVA pago em excesso não é equiparável a um pedido de dedução desse imposto. Penso que têm razão e, na realidade, nem a Compass nega a existência de diferenças entre eles, uma vez que são tão evidentes que dificilmente admitiriam discussão ( 26 ).

58.

O direito à dedução do IVA constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela União. O regime de deduções, afirmou o Tribunal de Justiça, «visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas». Garante-se, desta forma, «uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam elas próprias sujeitas a IVA» ( 27 ).

59.

Por seu turno, o direito ao reembolso do IVA pago em excesso — que, em contraste com o anterior, não decorre das diretivas sobre o IVA, mas sim do direito geral da União ( 28 ) — «destina-se a resolver as consequências da incompatibilidade do imposto com o direito da União, neutralizando o encargo económico que indevidamente onerou o operador que, afinal, o veio a suportar efetivamente» ( 29 ).

60.

É lógico que essas diferenças de princípio resultem em regimes jurídicos para cada um dos referidos direitos que reflita a sua diversidade. Assim, podem ambos ser configurados de forma a que se distingam tanto quanto ao seu conteúdo como quanto às condições do seu exercício, atendendo ao objetivo para o qual foram instituídos pelo ordenamento jurídico.

61.

Essa diversidade explica, por exemplo, que, sob determinadas condições, o direito da União não se oponha a que um sistema jurídico nacional recuse a restituição de impostos indevidamente cobrados em condições suscetíveis de implicar um enriquecimento sem causa dos contribuintes ( 30 ), critério não aplicável à dedução do IVA.

62.

No estado atual do direito da União, dada a ausência de regras harmonizadas nesta matéria, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que podem ser apresentados os pedidos de restituição de impostos, sempre que estes respeitem os princípios da equivalência e da efetividade ( 31 ). Pelo contrário, no âmbito do IVA, a Sexta Diretiva define, no seu artigo 20.o, as condições a preencher para que a dedução dos impostos a montante possa ser regularizada ao nível do beneficiário da entrega de bens ou da prestação de serviços ( 32 ).

63.

Assim, tendo em consideração estas diferenças, as posições respetivas dos titulares de cada um desses direitos não são comparáveis e, consequentemente, não lhes são aplicáveis as exigências do princípio da igualdade. Os Estados-Membros podem estabelecer regras diferentes (entre outras matérias, quanto aos prazos para os respetivos pedidos e quanto à prescrição do direito ao pedido) para o reembolso do IVA pago em excesso, que podem divergir das regras aplicáveis à dedução do IVA a montante. O direito da União não dispõe, repito, que as referidas regras nacionais tenham de ser idênticas.

64.

Ora, apesar da sua especificidade e singularidade, é certo que se pode extrair um denominador comum das referidas posições: nos dois casos são direitos que habilitam os seus titulares a exigir a realização do seu conteúdo a um mesmo sujeito obrigado, a Administração Fiscal.

65.

A Compass refere esta circunstância, como elemento de equiparação, servindo-se da expressão «crédito de IVA», utilizada pelo acórdão M&S II ( 33 ). O Governo do Reino Unido ( 34 ) destaca a inadequação dessa expressão que, em sua opinião, o Tribunal de Justiça não utilizou como uma definição jurídica, mas sim como um simples recurso expressivo de caráter prático para descrever tanto a situação de quem pretende o reembolso do IVA pago em excesso como a de quem pretende a dedução do IVA ( 35 ), mas nunca a situação de comparação entre ambos.

66.

Entendo que o Reino Unido tem razão quanto ao contexto no qual deve ser interpretado o sentido e o alcance do conceito «crédito de IVA». No entanto, neste contexto, é uma expressão apropriada para indicar que tanto quem pede o reembolso do IVA pago em excesso como quem pede a dedução do IVA a montante reclamam um «crédito» (isto é, um montante que o credor tem direito a exigir e a cobrar ao devedor) à Administração. A posição de credores em que ambos se encontram perante o Tesouro é o elemento que permite comparar as suas posições, de forma que relativamente a elas se pode analisar, sob a perspetiva do princípio da igualdade, a diferença de tratamento que lhes é reservada pelo direito interno.

67.

Para a execução de cada um desses «créditos» tem de atender-se ao que decorra do seu respetivo regime jurídico. A Administração Fiscal cumprirá a sua obrigação atendendo ao que, para cada direito invocado, preveja o sistema fiscal. Têm, assim, de ser aplicadas as condições de exercício estabelecidas pelas regras que especificam os respetivos contornos jurídicos. Regras que não só não têm de ser necessariamente as mesmas para os dois direitos invocados, mas que, pelo contrário, podem ser diferentes, precisamente por afetarem direitos diferentes.

68.

Para além das condições próprias e inerentes ao conteúdo de cada direito invocado, a questão essencial consiste em saber se a Administração Fiscal pode impor condições temporais diferentes para o seu exercício. Por outras palavras, as diferenças entre o direito ao reembolso do IVA pago em excesso, por um lado, e a dedução do IVA, por outro, permitem que o exercício de cada um deles seja sujeito a prazos distintos?

2. Quanto à justificação da diferença de tratamento entre os dois direitos relativamente ao início do prazo de prescrição fixado para o seu exercício

69.

O problema suscitado pelo tribunal a quo colocou-se no contexto de uma iniciativa legislativa cujo objetivo consistia em tratar de forma unitária os dois direitos em causa: pretendia-se estender aos pedidos de dedução a redução do prazo que, inicialmente, o legislador nacional tinha fixado exclusivamente para os pedidos de restituição do IVA pago em excesso.

70.

Conforme já referido, a pretendida unificação temporal dos dois tipos de pedidos consistiu em determinar que a redução do prazo (de seis para três anos) instituída em dezembro de 1996 para os pedidos de reembolso do IVA pago em excesso seria aplicável, a partir de maio de 1997, aos pedidos de dedução ( 36 ).

71.

A vontade de conferir aos dois tipos de pedido um tratamento único é abertamente reconhecida pelo Governo do Reino Unido. Nos seus argumentos, afirma concordar com o facto de que a alteração, com efeitos a partir de 1 de maio de 1997, da Regulation 29 do Regulamento de 1995 sobre o IVA tinha por objeto «corrigir a anomalia acidental» decorrente do tratamento diferente dos pedidos de reembolso e dos pedidos de dedução e «garantir que todos [eles] fossem sujeitos ao mesmo prazo de três anos» ( 37 ).

72.

Para não incorrer na violação do direito da União referida pelo Tribunal de Justiça no processo M&S I ( 38 ), o legislador nacional decidiu não aplicar retroativamente o novo prazo de reclamação de três anos, mas sim contabilizá-lo a partir do momento da sua entrada em vigor, que teve lugar em datas diferentes para cada um dos dois tipos de pedido. Com exceção dessa diferença, o tratamento é o mesmo para os dois pedidos, tal como pretendia o legislador nacional.

73.

A diferença discutida no processo principal resulta assim das vicissitudes de uma iniciativa legislativa cujo objetivo consistia em equiparar o regime dos dois tipos de pedidos. Tratava-se, portanto, de uma diferença com origem num facto objetivo, ou seja: a diferente entrada em vigor da redução do prazo de reclamação para cada tipo de pedido.

74.

Na minha opinião, a medida adotada não se desvia da finalidade que a inspirou, uma vez que o prazo é, em todo o caso, de três anos para os dois tipos de pedidos, variando apenas a data a partir da qual ele tem de ser aplicado. Com essa medida, insisto, o legislador britânico pretendeu que o novo prazo regesse apenas a partir da data em que se deu a sua entrada em vigor, evitando quaisquer efeitos retroativos aos pedidos que até então eram sujeitos a um prazo de seis anos. Como o dia de entrada em vigor da alteração legislativa não foi o mesmo para os dois tipos de pedidos, parece razoável que o limite máximo à retroatividade do novo prazo (três anos) tenha sido fixado na data em que ainda era aplicável o prazo antigo (seis anos).

75.

A solução encontrada pelo legislador nacional neutralizava a retroatividade in peius da alteração do prazo de prescrição, o que era indispensável uma vez que o Tribunal de Justiça tinha declarado no processo M&S I ( 39 ) que, de outra forma, seria violado o direito da União. Dada a diferença relativamente à entrada em vigor do prazo de três anos, a proibição da retroatividade estava ligada, sob o ponto de vista do princípio da igualdade, ao tratamento diferenciado dos dois tipos de pedidos, uma vez que era também diferente o momento a partir do qual, para cada um deles, se podia aplicar o novo prazo sem dar origem a efeitos retroativos.

76.

Ora, independentemente da finalidade da alteração e do maior ou menor sucesso ( 40 ) em alcançar o seu objetivo de equiparar o regime dos prazos de prescrição, o certo é que se verificou um desfasamento temporal entre o tratamento dos pedidos de reembolso do IVA e o dos pedidos de dedução do referido imposto, limitado a alguns meses (de dezembro de 1996 a maio de 1997).

77.

Como o que está em causa neste processo é um pedido de restituição do IVA pago em excesso pela Compass, o desfasamento temporal, resultante das vicissitudes do processo legislativo nacional, entre o regime de prescrição para esse tipo de pedidos e para os pedidos de dedução do IVA a montante não é, na minha opinião, censurável sob a perspetiva do direito da União, uma vez que:

por um lado, como já referi, o direito da União não contempla uma regulação unificada nem harmonizada, que se sobreponha às regras nacionais que regulam o exercício do direito ao reembolso do IVA pago indevidamente, sendo suficiente que as referidas regras respeitem os princípios da equivalência e da efetividade ( 41 ), o que não é aqui discutido; e

por outro lado, nem a Sexta Diretiva nem as restantes disposições aplicáveis ao sistema comum do IVA obrigam a equiparar o tratamento dos pedidos de restituição deste imposto (quando tenha sido pago por erro ou, em geral, não seja devido) aos pedidos de dedução do IVA a montante.

78.

Em suma, creio que a existência de duas datas a partir das quais seja aplicável o prazo de três anos para cada tipo de pedido não suscita nenhum problema de incompatibilidade com o direito da União. As autoridades britânicas poderiam, sem dúvida, ter estabelecido noutros termos a aplicação do novo regime temporal aos pedidos, mas a forma como foi retroativamente regulada a prescrição dos pedidos de reembolso do IVA pago indevidamente não é contrária ao direito da União, não o sendo também o facto de que seja diferente da fixada para os pedidos de dedução.

79.

Proponho, portanto, como resposta à primeira questão prejudicial, que o direito da União não se opõe a uma medida nacional, como a que está em causa no processo principal, que, prevendo um período de transição para a fixação de prazos de prescrição reduzidos aplicáveis tanto aos pedidos de reembolso do IVA pago em excesso como aos pedidos de dedução do IVA a montante, dispõe que o novo prazo de prescrição tenha início, para os pedidos de dedução do imposto a montante, numa data posterior à fixada para o seu início relativamente aos primeiros.

C – Segunda questão prejudicial

80.

A segunda questão prejudicial submete-se subsidiariamente, em caso de resposta afirmativa à primeira questão, isto é, se se confirmasse que o tratamento diferente, no Reino Unido, dos dois tipos de pedidos viola o direito da União. Como propus o contrário, entendo que o Tribunal de Justiça não precisa de analisar esta segunda questão. Em todo o caso exporei as minhas observações a esse respeito.

81.

O tribunal de reenvio pretende saber, em síntese, qual o seguimento a dar aos pedidos de reembolso do IVA pago em excesso relativos ao período pertinente (de 4 de dezembro de 1996 a 30 de abril de 1997), isto é, relativos ao período compreendido entre as datas em que passou a reger o prazo de prescrição de três anos para cada tipo de pedidos (de reembolso ou de dedução do IVA).

82.

Tal como recordava o Tribunal de Justiça no processo M&S II ( 42 ), «na falta de regulamentação da União, é à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro que compete designar os órgãos jurisdicionais competentes e regulamentar as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a plena proteção dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União».

83.

Compete, assim, ao tribunal de reenvio extrair as eventuais consequências para o passado da possível violação do princípio da igualdade de tratamento, declarada pelo Tribunal de Justiça, recorrendo às indicações deste relativamente a determinados critérios ou princípios do direito da União que devem ser respeitados no exercício dessa tarefa ( 43 ).

84.

Em particular, o tribunal de reenvio seria obrigado «a não aplicar qualquer disposição nacional discriminatória, não tendo de pedir ou aguardar a sua revogação prévia pelo legislador, e a aplicar aos membros do grupo desfavorecido o mesmo regime de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada ( 44 )».

85.

Sujeito às restantes regras do seu próprio direito, o órgão jurisdicional de reenvio deveria, em princípio, ordenar que o operador económico vítima de uma discriminação recebesse como compensação pela violação do princípio da igualdade de tratamento o montante do IVA pago em excesso, a menos que, ao abrigo do ordenamento jurídico nacional, haja outras formas de sanar essa violação.

86.

Finalmente, na minha opinião, não seria admissível que a desigualdade verificada fosse eliminada sujeitando os pedidos de dedução ao prazo fixado para os pedidos de reembolso, ou seja, antecipando relativamente aos primeiros a data que inicialmente lhes tinha sido atribuída (30 de abril de 1997) e sujeitando-os posteriormente à data estabelecida para os segundos (4 de dezembro de 1996). Desta forma resolver se ia, é certo, a diferença de tratamento entre eles, mas com a consequência de que seria retroativamente aplicável aos pedidos de dedução um prazo que, para eles, entrou apenas em vigor em 1 de maio de 1997. Dessa forma seria violada a doutrina do acórdão M&S I ( 45 ).

VI – Conclusão

87.

Atendendo a todas as considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda nos seguintes termos às questões submetidas pelo First-tier Tribunal (Tax Chamber) (Tribunal de Primeira Instância, Secção Fiscal, Reino Unido):

«1)

O direito da União não se opõe a uma medida nacional que, ao prever um período de transição para a fixação de prazos de prescrição reduzidos, aplicáveis tanto aos pedidos de reembolso de IVA pago em excesso como aos pedidos de dedução do IVA, determine, em relação a estes, que o novo prazo tenha início em data posterior à fixada para o seu início relativamente aos primeiros.

2)

Subsidiariamente, em caso de resposta afirmativa do Tribunal de Justiça à primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio teria de extrair as eventuais consequências para o passado decorrentes da violação do princípio da igualdade, segundo as normas do seu direito interno relativas aos efeitos no tempo, de modo a que as medidas de ressarcimento que conceda não sejam contrárias ao direito da União.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Processo C-62/00, a seguir «M&S I», EU:C:2002:435.

( 3 ) Sexta Diretiva do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»).

( 4 ) Os n.o s 8 a 15 destas conclusões correspondem à transcrição quase literal dos n.o s 4 a 11 do acórdão M&S I.

( 5 ) Administração Tributária competente para a cobrança do IVA no Reino Unido.

( 6 ) Período que inclui a data do pedido de reembolso da Compass.

( 7 ) Processo C-309/06, a seguir «M&S II», EU:C:2008:211.

( 8 ) Processo C-62/00, EU:C:2002:435.

( 9 ) Acórdão de 15 de março de 2007, C-35/05, EU:C:2007:167.

( 10 ) N.o s 8 a 26 do despacho de reenvio.

( 11 ) N.o 4 das observações escritas do Governo do Reino Unido.

( 12 ) Como foi já referido no n.o 12 destas conclusões, a proposta foi feita em face do «risco crescente para o erário público causado pelos pedidos de reembolso de montantes cobrados por erro a título de impostos», risco que se procurava minimizar reduzindo, de seis para três anos, o prazo de pedido de reembolso dos referidos montantes.

( 13 ) Processo C-62/00, EU:C:2002:435.

( 14 ) Segundo a explicação apresentada pelo tribunal de reenvio no n.o 4 do despacho de reenvio, a expressão «pedido Fleming» tem origem no acórdão da House of Lords proferido no processo Fleming c. HMRC. Um «pedido Fleming relativo ao imposto a jusante» é um pedido apresentado ao abrigo da Section 80 da Lei de 1994 sobre o IVA, de um montante declarado ou pago a título de imposto a jusante, mas que não era devido, relativamente a um período contabilístico findo antes de 4 de dezembro de 1996. A expressão «pedido Fleming relativo ao imposto a montante» refere-se a um pedido de dedução do imposto a montante em que o direito à dedução se constituiu num período contabilístico findo antes de 1 de maio de 1997.

( 15 ) Como foi já referido, ainda que tenha sido previsto o mesmo prazo de prescrição para os dois tipos de pedidos, difere a data a partir da qual o referido prazo é aplicado.

( 16 ) Observações escritas da Comissão, n.o s 34 a 36.

( 17 ) Observações escritas do Reino Unido, n.o s 28 a 34.

( 18 ) Observações escritas do Reino Unido, n.o 8.

( 19 ) Acórdão de 19 de dezembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel (C-454/98, EU:C:2000:469, n.o 59).

( 20 ) Acórdão de 10 de novembro de 2011, The Rank Group (C-259/10C-260/10, EU:C:2011:719, n.o s 33 e 34).

( 21 ) V., neste sentido, acórdão de 3 de março de 2011, Comissão/Países Baixos (C-41/09, EU:C:2011:108, n.o 66).

( 22 ) Observações escritas da Comissão, n.o 20.

( 23 ) Observações escritas do Reino Unido, n.o s 25 a 27.

( 24 ) Acórdão de 8 de junho de 2006, L.u.P. (C-106/05, EU:C:2006:380, n.o 48).

( 25 ) Processo M&S II (C-309/06, EU:C:2008:211, n.o 49).

( 26 ) Na audiência, a Compass reconheceu que se tratavam de pedidos de natureza diferente, embora, em sua opinião, do mesmo género.

( 27 ) V., entre muitos outros, o acórdão de 6 de dezembro de 2012, Bonik (C-285/11, EU:C:2012:774, n.o s 25 e 27) e jurisprudência aí referida.

( 28 ) Tal como se recorda no acórdão de 16 de maio de 2013, Alakor Gabonatermelő és Forgalmazó (C-191/12, EU:C:2013:315, n.o 22): «o direito a obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado-Membro em violação das regras do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos às pessoas pelas disposições do direito da União, tal como têm sido interpretadas pelo Tribunal de Justiça».

( 29 ) Ibidem, n.o 24.

( 30 ) Processo M&S II (C-309/06, EU:C:2008:211, n.o 41).

( 31 ) Isto é, sempre que as condições para o seu exercício não sejam menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem fixadas de modo a impossibilitar na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União. V., entre outros, o acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05, EU:C:2007:167, n.o 37).

( 32 ) Acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05, EU:C:2007:167, n.o 38).

( 33 ) Processo C-309/06, EU:C:2008:211, n.o 50.

( 34 ) Observações escritas do Reino Unido, n.o s 18 e 19.

( 35 ) Situação para a qual o Governo do Reino Unido invoca, entre outros, o acórdão de 8 de maio de 2008, Ecotrade (C-95/07C-96/07, EU:C:2008:267).

( 36 ) A limitação da retroatividade da redução do prazo relativamente a cada tipo de pedido podia apenas ser efetiva se o pedido de qualquer um deles fosse apresentado antes de uma mesma data, comum para aos dois direitos (em 1 de abril de 2009).

( 37 ) Observações escritas do Reino Unido, n.o 4, alínea b).

( 38 ) Processo C-62/00, EU:C:2002:435.

( 39 ) Processo C-62/00, EU:C:2002:435.

( 40 ) Pergunto-me se não teria sido possível uma intervenção legislativa posterior que, após verificar o resultado decorrente das leis precedentes, corrigisse o desfasamento temporal detetado, em sintonia com a intenção de equiparar os pedidos a todos os níveis (também no que diz respeito ao início do prazo de prescrição).

( 41 ) V. n.o 62 e a nota 31 destas conclusões.

( 42 ) Acórdão M&S II, C-309/06, EU:C:2008:211, n.o 59.

( 43 ) Acórdão M&S II, C-309/06, EU:C:2008:211, n.o 61.

( 44 ) Acórdão M&S II, C-309/06, EU:C:2008:211, n.o 63.

( 45 ) Processo C-62/00, EU:C:2002:435.