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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 21 de março de 2018 ( 1 )

Processo C-5/17

Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs

contra

DPAS Limited

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal de Segunda Instância (Secção Tributária e da Chancelaria), Reino Unido]]

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Isenção — Artigo 135.o, n.o 1, alínea d) — Operações relativas a pagamentos e a transferências — Inexistência — Criação e implementação de planos de pagamento de tratamentos dentários por débito direto — Inexistência de prestação de serviços que implique a transferência de uma quantia de dinheiro — Cobrança de dívidas — Princípio da realidade económica — Irrelevância da identidade do destinatário formal da prestação»

I. Introdução

1.

Por decisão de 28 de novembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de janeiro de 2017, o Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal de Segunda Instância (Secção Tributária e da Chancelaria), Reino Unido] apresentou ao Tribunal de Justiça um pedido destinado a obter uma decisão prejudicial sobre a interpretação do artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2006/112/CE (a seguir «Diretiva IVA») ( 2 ).

2.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a DPAS Limited aos Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Administração tributária e aduaneira do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, a seguir «administração tributária»), relativamente à recusa desta última isentar do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) uma prestação de serviços efetuada pela DPAS.

3.

A DPAS propõe planos dentários a dentistas comercializados sob o nome do seu próprio gabinete dentário e presta serviços de gestão de planos dentários aos pacientes que os subscrevam. A questão suscitada no processo nacional é, em substância, a de saber se os serviços prestados a esses pacientes constituem «operações relativas a pagamentos ou a transferências», isentas ao abrigo do artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA.

4.

Proporei que o Tribunal de Justiça responda negativamente a esta questão, uma vez que uma prestação de serviços como a que está em causa no processo principal não realiza, enquanto tal, as transformações jurídicas e financeiras que caracterizam a transferência de uma quantia de dinheiro. Na prática, esta resposta implica que tal prestação deve ser sujeita a IVA.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

5.

No Capítulo 3 do Título IX da diretiva IVA, o artigo 135.o, n.o 1, prevê:

«Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

[…]

d)

As operações, incluindo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio, com exceção da cobrança de dívidas;

[…]»

B.   Direito do Reino Unido

6.

A section 31 do Value Added Tax Act 1994 (Lei de 1994 do imposto sobre o valor acrescentado) estabelece que se consideram isentas as prestações de serviços descritas no anexo 9 desta lei.

7.

O anexo 9 dispõe nomeadamente:

«GRUPO 5 — SERVIÇOS FINANCEIROS

[Estão isentos de IVA:]

1.

Pagamento, transferência ou cobrança de dinheiro, de qualquer título representativo de dinheiro ou de qualquer nota ou ordem de pagamento de dinheiro, bem como qualquer outra operação relativa a dinheiro ou a efeitos semelhantes.

[…]

5.

Prestação de serviços intermediários que tenham relação com operações compreendidas [no ponto 1] (independentemente de essas operações serem ou não concluídas) por uma pessoa que atua na qualidade de intermediário.»

8.

A nota explicativa (1A) do grupo 5 estabelece:

«O ponto 1 não inclui a prestação de serviços preparatórios de uma operação abrangida por esse ponto.»

III. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9.

A DPAS, que é o acrónimo de «Dental Plan Administration Services», cria e implementa planos de tratamentos dentários no Reino Unido.

10.

A DPAS propõe planos dentários a dentistas comercializados sob o nome do seu próprio gabinete dentário e presta serviços de gestão de planos dentários aos pacientes dos dentistas. No presente caso, o termo «plano de tratamentos dentários» designa o acordo entre um dentista e o seu paciente, nos termos do qual o primeiro se compromete a prestar um certo nível de tratamentos dentários e, em contrapartida, o paciente se compromete a pagar mensalmente uma quantia fixa. O plano abrange também outros serviços, concretamente serviços de seguro e gestão dos pagamentos, que são prestados pela DPAS.

11.

A DPAS gere os aspetos administrativos e financeiros e de seguro dos planos de tratamentos dentários. A DPAS presta aconselhamento aos dentistas e ao respetivo pessoal no que diz respeito à elaboração do plano e fornece material promocional, como brochuras, panfletos e cartazes, formulários de adesão, papel timbrado e cartões de aderente ao plano.

12.

Estes planos de tratamentos dentários permitem aos pacientes repartir os custos dos tratamentos de modo uniforme ao longo de todo o ano. Para o efeito, os pacientes efetuam pagamentos mensais à DPAS mediante um mandato de «débito direto». Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a forma de processar o débito direto é materialmente idêntica à descrita nos n.os 7 a 11 do Acórdão Axa UK ( 3 ). Interrogado pelo Tribunal de Justiça a este respeito, este órgão jurisdicional confirmou que os serviços prestados pela DPAS são «iguais ou muito semelhantes» aos descritos neste último acórdão.

13.

Até 1 de janeiro de 2012, os planos de tratamentos dentários tinham sido estruturados pela DPAS como serviços prestados aos dentistas, e os contratos destinados a pôr em prática esses planos eram celebrados entre a DPAS e os dentistas. A DPAS recebia de cada dentista uma mensalidade fixa, que, na grande maioria dos casos, ascendia a 366,66 GBP (aproximadamente 415 euros), bem como uma comissão «por paciente» entre 0,94 GBP e 2,90 GBP (cerca de 1,06 a 3,28 euros). A DPAS recebia o montante das suas comissões deduzindo-as dos montantes cobrados aos pacientes por débito direto.

14.

Na prática, a DPAS solicitava ao banco do paciente, com base no mandato de débito direto, que procedesse à transferência do montante acordado da conta bancária do paciente para a sua própria conta bancária. A DPAS solicitava, em seguida, ao seu próprio banco que transferisse para a conta bancária do dentista o montante total devido a este último, tomando em consideração apenas os pacientes que pagaram a sua mensalidade por débito direto e após dedução do montante faturado pela DPAS pelos seus serviços.

15.

A administração fiscal considerava que a DPAS efetuava operações relativas a pagamentos e a transferências, isentas de IVA nos termos do artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA ou da disposição equivalente da Sexta Diretiva ( 4 ).

16.

Em 28 de outubro de 2010, o Tribunal de Justiça proferiu o Acórdão Axa UK ( 5 ), que dizia respeito à sujeição ao IVA das prestações de serviços da Denplan Limited (a seguir «Denplan»), uma concorrente da DPAS, que também propunha planos de pagamento de tratamentos dentários em nome dos dentistas. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que os serviços tais como os prestados pela Denplan constituíam, «em princípio», operações relativas a pagamentos, mas deviam ser qualificados de serviços de cobrança de dívidas e, como tal, não podiam beneficiar da referida isenção.

17.

No seguimento desse acórdão, a DPAS restruturou os aspetos contratuais relativos aos seus planos de tratamentos dentários, a partir de 1 de janeiro de 2012, de forma a prestar serviços já não apenas aos dentistas mas também aos pacientes.

18.

Por carta datada de 8 de setembro de 2011 e dirigida aos seus clientes dentistas, a DPAS explicou, em substância, esta reestruturação da seguinte forma:

o efeito prático do Acórdão Axa UK ( 6 ) era sujeitar ao IVA os serviços prestados pela DPAS aos dentistas, embora fossem anteriormente considerados isentos pela administração tributária, o que provocaria um custo acrescido da ordem de 20%, que DPAS deveria ter de repercutir nos seus clientes;

até então, os planos de tratamentos dentários geridos pela DPAS incluíam, por um lado, um contrato entre a DPAS e o dentista para a prestação de serviços de planos de pagamento de tratamentos dentários («dental payment plan services») e, por outro, um contrato entre a DPAS e o paciente para a prestação de uma cobertura de seguro complementar;

a restruturação proposta consistia na divisão do primeiro dos referidos contratos em dois, a saber, um contrato entre a DPAS e o dentista, referente a serviços de gestão de planos de pagamento de tratamentos dentários («dental payment plan services»), e um contrato entre a DPAS e o paciente, referente às «modalidades» relativas aos planos de pagamento de tratamentos dentários («dental payment plan facilities»);

a DPAS esclarecia que o montante dos encargos não sofreria alterações, uma vez que a ela suportaria o IVA devido em relação aos serviços prestados ao dentista, pressupondo-se que os outros serviços continuariam a estar isentos de IVA;

a DPAS sublinhava que estas alterações eram «puramente administrativas» e que não «alteravam, na prática, os acordos em vigor».

19.

A DPAS enviou também aos dentistas um projeto de carta destinada aos pacientes que aderiram a um plano de tratamento dentário. A carta em questão recordava que, até então, o gabinete dentário tinha pago as comissões de gestão à DPAS, que eram retiradas do pagamento mensal por débito direto efetuado por cada paciente. Propunha que, a partir de então, do montante pago mensalmente por débito direto à DPAS, retivesse a parte correspondente à remuneração dos serviços de gestão e de administração do plano de pagamento do tratamento dentário, da apólice de seguro complementar e da linha telefónica de urgência dentária. A referida carta sublinhava ainda que «estas alterações tinham caráter puramente administrativo [não modificando] a cobertura conferida pelo plano de tratamento dentário nem o valor total das […] mensalidades».

20.

O órgão jurisdicional de reenvio concluiu que a DPAS fornece uma prestação de serviços aos pacientes, no contexto dos novos acordos contratuais. Estes acordos criam uma relação jurídica entre a DPAS e o paciente, nos termos da qual este aceita que parte do montante mensal devido nos termos do plano dentário será considerada como remuneração pelos serviços prestados pela DPAS ao paciente.

21.

No entanto, esse órgão jurisdicional não chegou a uma conclusão sobre a questão de saber se os serviços prestados pela DPAS aos pacientes estão isentos. Sublinha que, para responder a esta questão, é necessário determinar se os serviços são operações relativas a pagamentos e transferências, na aceção do artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA, bem como, se for caso disso, se constituem cobranças de dívidas. A este respeito, entende que os Acórdãos Bookit ( 7 ) e National Exhibition Centre ( 8 ) não decidiram estas questões de forma suficientemente clara.

22.

Neste contexto, o Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal de Segunda Instância (Secção Tributária e da Chancelaria)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Um serviço como o prestado pelo sujeito passivo no [processo principal], que consiste em ordenar, com base num mandato de débito direto, que determinada quantia seja retirada através de débito direto da conta bancária de um paciente e transferida pelo sujeito passivo, após dedução da sua remuneração, para o dentista e para a seguradora do paciente, constitui uma prestação de serviços de transferência ou pagamento na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA? Em especial, as decisões proferidas nos Acórdãos [de 26 de maio de 2016Bookit, C-607/14, EU:C:2016:355) e National Exhibition Centre, C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357] permitem concluir que a isenção do IVA prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea d), [da Diretiva IVA] não é aplicável a um serviço como o prestado pelo sujeito passivo no presente processo, que não envolve a realização pelo próprio sujeito passivo de operações de débito ou crédito de contas bancárias que estejam sob o seu controlo, mas que, quando ocorre uma transferência de fundos, é essencial para essa transferência? Ou aquilo que foi decidido no Acórdão [de 28 de outubro de 2010, Axa UK, C-175/09, EU:C:2010:646] impõe a conclusão contrária?

2)

Quais os princípios relevantes que devem ser aplicados para determinar se um serviço como o prestado pelo sujeito passivo no presente processo está abrangido pelo conceito de “cobrança de dívidas” na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea d), [da Diretiva IVA]? Em especial, caso se considere (como fez o Tribunal de Justiça no Acórdão [de 28 de outubro de 2010, Axa UK, C-175/09, EU:C:2010:646] em relação a um serviço igual ou muito semelhante) que tal serviço constituiria uma cobrança de dívidas se fosse prestado ao credor (ou seja, no presente caso e no [referido] acórdão), esse serviço também constitui uma cobrança de dívidas se for prestado ao devedor (ou seja, no presente caso, os pacientes)?»

IV. Tramitação no Tribunal de Justiça

23.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 6 de janeiro de 2017.

24.

O Governo do Reino Unido e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

25.

A DPAS, o Governo do Reino Unido e a Comissão compareceram na audiência de 24 de janeiro de 2018 para aí serem ouvidas as suas observações.

V. Análise

26.

Com as suas questões, órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que um serviço como o prestado pela DPAS aos pacientes, no âmbito do litígio no processo principal, beneficia da isenção aí estabelecida a favor das «operações relativas a pagamentos ou a transferências».

27.

A fim de responder a estas questões, começarei por indicar o critério estabelecido pelo Tribunal de Justiça para identificar uma «operação relativa a pagamentos ou a transferências», na aceção do artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA. Na minha opinião, resulta da jurisprudência que uma tal operação deve realizar as transformações jurídicas e financeiras que caracterizam a transferência de uma quantia de dinheiro. Em conformidade com este critério, não me parece possível qualificar uma prestação de serviços como a que está em causa no processo principal de «operação relativa a pagamentos ou a transferências» (secção A).

28.

Tendo em conta as perguntas do órgão jurisdicional de reenvio, e por razões de transparência, gostaria de sublinhar que esta interpretação não me parece ser reconciliável com a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Axa UK ( 9 ), no que diz respeito à qualificação como «operação relativa a pagamentos ou a transferências» (secção B).

29.

Por último, precisarei que a circunstância, evocada na segunda questão, de uma prestação de serviços ser formalmente fornecida pelo sujeito passivo (a DPAS) ao devedor do pagamento (o paciente) e não ao credor desse pagamento (o dentista), na sequência de uma alteração dos acordos contratuais entre estas partes, não é relevante para efeitos da aplicação dessa isenção, uma vez que a realidade económica desta prestação permaneceu inalterada (secção C).

A.   Uma prestação de serviços como a que está em causa no processo principal não constitui uma «operação relativa a pagamentos ou a transferências» na aceção do artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA (primeira questão)

30.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que um serviço como o prestado pelo sujeito passivo no processo principal, que consiste em solicitar às instituições financeiras envolvidas, por um lado, que seja transferida uma quantia de dinheiro da conta bancária do paciente para a do sujeito passivo, com base num mandato de débito direto, e, por outro, que essa quantia seja a seguir transferida desta última conta, após dedução da remuneração devida ao sujeito passivo, para as respetivas contas bancárias do dentista e da seguradora do paciente, constitui uma «operação relativa a pagamentos ou a transferências», isenta ao abrigo desta disposição.

31.

Partilho da posição do Governo do Reino Unido e da Comissão, segundo a qual deve ser dada uma resposta negativa a esta questão. Por outras palavras, o serviço prestado pela DPAS aos pacientes, nas circunstâncias do litígio no processo principal, não constitui uma «operação relativa a pagamentos ou a transferências» isenta ao abrigo da referida disposição, pelos motivos seguidamente expostos.

32.

Tanto quanto é do meu conhecimento, foi no Acórdão SDC ( 10 ) que o Tribunal de Justiça definiu, pela primeira vez, o conceito de «operação relativa a pagamentos ou a transferências» no contexto do regime do IVA. Na minha opinião, decorre desta definição que o critério decisivo que permite identificar uma operação de transferência reside na realização das transformações jurídicas e financeiras que caracterizam a transferência de uma quantia de dinheiro ( 11 ).

33.

Na verdade, essa definição visa formalmente o conceito de «transferência» e não o de «operação relativa a transferências», na aceção do artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA.

34.

A propósito deste último aspeto, o Tribunal de Justiça precisou que o teor desta disposição não exclui que uma operação de transferência se decomponha em diversos serviços distintos, que constituem então «operações relativas a transferências», na aceção desta disposição. Embora não se possa excluir que a isenção em causa pode abranger serviços que não são intrinsecamente transferências, o facto é que esta isenção só pode dizer respeito às operações que formam um conjunto distinto, apreciado de modo global, e que têm por efeito preencher as funções específicas e essenciais dessas transferências ( 12 ).

35.

Por outras palavras, uma prestação de serviços complexa só pode ser qualificada como «operações relativas a transferências» se tiver como efeito realizar as transformações jurídicas e financeiras que caracterizam a transferência de uma quantia de dinheiro.

36.

Com a exceção assinalável do Acórdão Axa UK ( 13 ), que referirei a seguir na secção B, o Tribunal de Justiça aplicou sempre o critério da transferência de uma quantia de dinheiro para determinar a existência de «operações relativas a transferências», na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA ( 14 ). De uma forma mais geral, o Tribunal de Justiça sublinhou que as operações a que essa disposição se refere dizem respeito a serviços ou instrumentos cujo modo de funcionamento implica a transferência de uma quantia de dinheiro ( 15 ).

37.

O Tribunal de Justiça precisou igualmente, em vários acórdãos, que as considerações sobre as operações relativas às transferências também são aplicáveis às operações relativas aos pagamentos. Por outras palavras, estes dois conceitos são objeto de um tratamento comum para efeitos da isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA ( 16 ). Este tratamento comum não me parece criticável, uma vez que a transferência constitui uma das modalidades práticas através das quais um pagamento pode ser efetuado. Na minha opinião, o referido tratamento comum é mesmo ditado pelo princípio da neutralidade fiscal, que se opõe a que prestações de serviços semelhantes, que se encontrem em concorrência entre si, sejam tratadas de modo diferente para efeitos do IVA ( 17 ).

38.

Saliento que o facto de a DPAS não ser uma instituição financeira não é suficiente para excluir as prestações de serviços por ela fornecidas do âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA. Segundo jurisprudência constante, as operações que são objeto dessa isenção são definidas em função da natureza das prestações de serviços que são fornecidas, e não em função do prestador ou do destinatário do serviço ( 18 ). Assim, o Tribunal de Justiça considerou, nomeadamente, que são abrangidas pela referida isenção determinadas prestações efetuadas para fundos de pensões profissionais, por um operador que não seja uma instituição financeira, que implicam, designadamente, a gestão das contas individuais dos trabalhadores e das contribuições pagas pelas entidades empregadoras ( 19 ).

39.

No entanto, decorre do que precede que não é abrangido pela isenção prevista na referida disposição o fornecimento de uma simples prestação material, técnica ou administrativa que não realiza as transformações jurídicas e financeiras que caracterizam a transferência de uma quantia de dinheiro ( 20 ).

40.

Ora, prestações como as fornecidas pela DPAS nas circunstâncias do processo principal pertencem precisamente, na minha opinião, a essa categoria de «simples prestações materiais, técnicas ou administrativas» que continuam sujeitas a IVA.

41.

Segundo a descrição fornecida pelo órgão jurisdicional de reenvio na primeira questão submetida, a prestação de serviços em causa no litígio no processo principal consiste em a DPAS solicitar a uma instituição financeira, com base num mandato de débito direto, que uma quantia em dinheiro seja retirada da conta bancária do paciente e paga à DPAS, a qual solicita a seguir ao seu banco que transfira essa quantia em dinheiro, após dedução da remuneração que lhe é devida, para o dentista e para a seguradora do paciente.

42.

Esclareço que, tendo em conta a obrigação de interpretar de forma estrita a isenção estabelecida no artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA, a circunstância de a prestação de serviços fornecida pela DPAS ser indispensável para a realização da transferência ou do pagamento, na medida em que materializa a vontade do paciente de proceder à transferência da quantia em dinheiro a partir da sua conta, não é suficiente para a equiparar a uma «operação relativa a pagamentos ou a transferências» isenta ao abrigo desta disposição ( 21 ).

43.

Ora, essa prestação não opera, enquanto tal, as transformações jurídicas e financeiras que caracterizam a transferência de uma quantia de dinheiro, na aceção da referida jurisprudência.

44.

De facto, no âmbito dessa prestação, a DPAS não procede ela própria à transferência das quantias de dinheiro acordadas no quadro dos planos de tratamentos dentários em causa no litígio no processo principal ( 22 ), mas solicita às instituições financeiras envolvidas que o façam. Assim, a intervenção da DPAS situa-se a montante das operações de transferência efetuadas por essas instituições, estando estas últimas, por seu lado, abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA.

45.

Do mesmo modo, um paciente que apresenta uma ordem de transferência a favor do seu dentista não procede ele próprio à transferência da quantia de dinheiro acordada, mas solicita ao seu banco que o faça. A circunstância de a DPAS ter poderes para solicitar a transferência de uma quantia de dinheiro em nome e por conta do paciente, junto do banco deste, não pode ter por efeito transformar esta etapa prévia em «operação relativa a pagamentos ou a transferências», na aceção da referida disposição.

46.

Por outras palavras, a DPAS fornece serviços de gestão administrativa, cujos destinatários são formalmente os pacientes, na sequência da reestruturação dos contratos iniciada pela DPAS, e são as instituições financeiras envolvidas que efetuam operações financeiras abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA. A natureza administrativa dos serviços prestados pela DPAS é avalizada, na minha opinião, pelo conteúdo da carta destinada aos pacientes em virtude da reestruturação contratual dos planos de pagamento de tratamentos dentários ( 23 ).

47.

Na minha opinião, esta interpretação é igualmente corroborada pelos Acórdãos Bookit ( 24 ) e National Exhibition Centre ( 25 ), proferidos posteriormente ao Acórdão Axa UK ( 26 ), e que diziam respeito a prestações de serviços mais intimamente ligadas a operações de transferência do que as prestações em causa nesse último acórdão e no litígio no processo principal.

48.

Com efeito, o serviço de gestão de pagamento com cartão, em causa nos referidos acórdãos, incluía nomeadamente a transmissão do ficheiro de liquidação no final do dia, efetuada pelo prestador ao banco adquirente, entendendo-se que esta transmissão desencadeava o processo de pagamento ou de transferência das quantias em causa dos bancos emissores para o banco adquirente, e, em última instância, para a conta desse prestador, e que, na prática, só os pagamentos ou as transferências cujas informações necessárias estivessem contidas nesse ficheiro eram efetivamente executados ( 27 ).

49.

Ora, o Tribunal de Justiça considerou que tal serviço não pode ser qualificado de «operação relativa a pagamentos ou a transferências» isenta ao abrigo do artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA, uma vez que não implica, como tal, as transformações jurídicas e financeiras que caracterizam a transferência de uma quantia de dinheiro ( 28 ).

50.

O Tribunal de Justiça precisou, com razão, que esse serviço consistia, em substância, numa troca de informações entre um comerciante e o seu banco adquirente, tendo em vista receber o pagamento de um bem ou de um serviço colocado à venda e, por conseguinte, não constituía uma operação financeira destinada a ser abrangida pela isenção acima referida ( 29 ).

51.

Não vejo razão para não alargar este raciocínio a uma prestação de serviços como a que está em causa no litígio no processo principal. Com efeito, esta prestação, tal como as prestações que foram objeto dos dois acórdãos referidos, constitui apenas uma etapa prévia à operação de transferência ou de pagamento abrangida por esta isenção e deve, por isso, continuar sujeita a IVA.

52.

Além disso, esta conclusão está em conformidade com os objetivos prosseguidos pelo artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA. Por um lado, segundo jurisprudência constante, as operações isentas ao abrigo do artigo 135.o, n.o 1, alíneas d) a f), desta diretiva são, por natureza, operações financeiras, apesar de não terem necessariamente de ser efetuadas por um banco ou por um estabelecimento financeiro ( 30 ).

53.

No caso em apreço, prestações como as que estão em causa no litígio no processo principal têm uma natureza administrativa, conforme acima expliquei. Como o Governo do Reino Unido salientou com razão, atualmente, um grande número de operadores aceita pagamentos por débito direto ou por cartão de crédito. A gestão dos aspetos administrativos destes meios de pagamento não pode, em meu entender, ser tratada como uma operação financeira isenta ao abrigo das disposições acima referidas.

54.

Por outro lado, e sempre segundo jurisprudência constante, as referidas isenções destinam-se, nomeadamente, a atenuar as dificuldades ligadas à determinação do valor tributável e do montante do IVA dedutível ( 31 ). A este respeito, depreende-se das explicações apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a remuneração recebida pela DPAS pelos seus serviços consiste na diferença entre os montantes cobrados aos pacientes e os montantes pagos pela DPAS ao dentista e à seguradora. Por conseguinte, a determinação da matéria coletável não apresenta qualquer dificuldade particular, pelo que essa operação não se destina a ser isenta ao abrigo do artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA.

55.

Tendo em conta o que precede, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão submetida como se segue. O artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que um serviço como o prestado pelo sujeito passivo no processo principal, que consiste em solicitar às instituições financeiras envolvidas, por um lado, que seja transferida uma quantia de dinheiro da conta bancária do paciente para a do sujeito passivo, com base num mandato de débito direto, e, por outro, que essa quantia seja a seguir transferida desta última conta, após dedução da remuneração devida ao sujeito passivo, para as respetivas contas bancárias do dentista e da seguradora do paciente, não constitui uma «operação relativa a pagamentos ou a transferências» isenta ao abrigo desta disposição, uma vez que não realiza, enquanto tal, as transformações jurídicas e financeiras que caracterizam a transferência de uma quantia de dinheiro.

B.   Quanto à qualificação de «operação relativa a pagamentos e transferências» adotada no Acórdão de 28 de outubro de 2010, Axa UK (C-175/09, EU:C:2010:646)

56.

Para responder às perguntas do órgão jurisdicional de reenvio de forma exaustiva, devo ainda referir a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Axa UK ( 32 ), no que diz respeito à qualificação de «operação relativa a pagamentos ou a transferências». O leitor atento terá já deduzido do que precede que essa solução não é, na minha opinião, minimamente reconciliável com a jurisprudência tanto anterior como posterior a esse acórdão.

57.

Neste contexto, resulta da decisão de reenvio, bem como dos esclarecimentos fornecidos por esse órgão jurisdicional a pedido do Tribunal de Justiça, que o serviço prestado pela DPAS, que está em causa no litígio no processo principal, é «igual ou muito semelhante» ao prestado pela Denplan, tal como descrito nos n.os 7 a 11 desse último acórdão ( 33 ). Não vejo qualquer razão para pôr em causa esta conclusão factual, que é da competência do juiz nacional. Saliento que a DPAS admitiu, pelo menos implicitamente, essa identidade ou essa grande semelhança, uma vez que reestruturou os contratos destinados a pôr em prática os seus serviços, tendo em vista evitar as consequências desse acórdão ( 34 ).

58.

Na secção A, referi que uma prestação de serviços como a fornecida pela DPAS no litígio no processo principal não constitui uma «operação relativa a pagamentos ou a transferências», uma vez que não realiza, enquanto tal, as transformações jurídicas e financeiras que caracterizam a transferência de uma quantia de dinheiro.

59.

Em contrapartida, no n.o 28 do Acórdão Axa UK ( 35 ), o Tribunal de Justiça considerou que uma prestação de serviços como a fornecida pela Denplan constituía, «em princípio», uma operação relativa a pagamentos isenta ao abrigo do artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA. No entanto, considerou a seguir que essa prestação devia ser qualificada como cobrança de dívidas e, por conseguinte, ser sujeita a IVA.

60.

Deste modo, o Tribunal de Justiça não examinou se a prestação de serviços fornecida pela Denplan satisfazia o critério estabelecido pela jurisprudência anterior para identificar uma «operação relativa a pagamentos ou a transferências», a saber, o facto de realizar as transformações jurídicas e financeiras que caracterizam a transferência de uma quantia de dinheiro. Ora, em meu entender, não há quaisquer dúvidas de que tal prestação, tal como a prestação fornecida pela DPAS no litígio no processo principal, não preenche esse critério.

61.

Por conseguinte, a questão suscitada pelo Acórdão Axa UK ( 36 ) é a de saber se o Tribunal de Justiça pretendeu alargar o conceito de «operação relativa a pagamentos ou a transferências», de forma a incluir operações que não implicam, enquanto tais, a transferência de uma quantia de dinheiro.

62.

Não penso que tenha sido essa a intenção do Tribunal de Justiça, pelos motivos que se seguem. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça não manifestou a sua intenção de proceder a uma tal alteração da jurisprudência no já referido acórdão, mas limitou-se a referir sucintamente que a prestação em causa constituía, «em princípio», uma operação relativa a pagamentos isenta, salvo se se tratasse de uma cobrança de dívidas ( 37 ).

63.

Em segundo lugar, não estabeleceu um novo critério que permita delimitar o conceito de «operação relativa a pagamentos e transferências».

64.

Por último, o Tribunal de Justiça confirmou a sua jurisprudência clássica, baseada no critério da transferência de uma quantia de dinheiro, nos Acórdãos Bookit ( 38 ) e National Exhibition Centre ( 39 ), que foram proferidos posteriormente ao Acórdão Axa UK ( 40 ). Tal como sublinhei, na secção A ( 41 ), a relevância destes dois acórdãos é acentuada pelo facto de, na minha opinião, dizerem respeito a prestações de serviços mais intimamente ligadas a operações de transferência do que as prestações em causa nesse último acórdão e no litígio no processo principal.

65.

Tendo em conta o que precede, proponho que o Tribunal de Justiça não aplique, no presente processo, a solução adotada no Acórdão Axa UK ( 42 ) e, por conseguinte, declare que uma prestação de serviços como a que está em causa no litígio no processo principal não constitui uma «operação relativa a pagamentos ou a transferências», na aceção do artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA.

C.   Quanto à irrelevância da identidade do destinatário formal da prestação de serviços para efeitos da aplicação do artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA (segunda questão)

66.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a prestação de serviços em causa no litígio no processo principal constitui uma «cobrança de dívidas», na aceção do artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA.

67.

Considero que não é necessário responder a esta questão, tendo em conta a resposta que proponho para a primeira questão submetida. Com efeito, essa resposta só é necessária no caso de a prestação em causa se inserir, em princípio, no âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA, enquanto «operação relativa a pagamentos ou a transferências». Nesse caso, coloca-se então a questão de saber se essa prestação está abrangida pela exceção prevista para as atividades de cobrança de dívidas.

68.

Uma vez que proponho que o Tribunal de Justiça responda no sentido de que a prestação em causa no litígio no processo principal não constitui uma «operação relativa a pagamentos ou a transferências», já não é necessário examinar o alcance da exceção à referida isenção. Do ponto de vista prático, dado que a resposta que proponho para a primeira questão implica que essa prestação está sujeita a IVA, não é necessário questionar se está sujeita a IVA enquanto cobrança de dívidas.

69.

No entanto, gostaria de referir uma vez mais a relevância, para efeitos da aplicação da referida isenção, da circunstância, evocada na segunda questão submetida, de a prestação em causa no litígio no processo principal ser formalmente fornecida pelo sujeito passivo (a DPAS) ao devedor do pagamento (o paciente) e não ao credor desse pagamento (o dentista), na sequência da alteração dos acordos contratuais entre estas partes.

70.

Recordo, a este propósito, que, em conformidade com a jurisprudência constante, a tomada em conta da realidade económica constitui um critério fundamental para aplicação do sistema comum do IVA ( 43 ). A este respeito, o Tribunal de Justiça admitiu expressamente a possibilidade de algumas disposições contratuais não refletirem a realidade económica das prestações efetuadas, que deve servir de base à aplicação do regime de IVA ( 44 ).

71.

Ora, decorre da descrição dos factos fornecida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a DPAS procedeu a uma reestruturação dos contratos destinados a pôr em prática os seus planos de pagamento de tratamentos dentários, a fim de indicar igualmente o paciente, e não apenas o dentista, como sendo o destinatário desses serviços. O objetivo declarado desta reestruturação era evitar que a parte dos serviços prestados aos pacientes fosse qualificada como «cobrança de dívidas» na sequência do Acórdão Axa UK ( 45 ) e, por conseguinte, continuasse isenta de IVA ( 46 ).

72.

No âmbito dessa reestruturação, a DPAS comunicou, tanto aos dentistas como aos pacientes, que a realidade económica das suas prestações de serviços permaneceria inalterada, sendo as alterações «puramente administrativas» e não «alterando, na prática, os acordos em vigor» ( 47 ).

73.

Nestas circunstâncias, essa reestruturação dos contratos, que visava indicar igualmente o paciente, e não apenas o dentista, como sendo o destinatário desses serviços, não é relevante para efeitos da aplicação do artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA. Esta conclusão decorre da obrigação de basear a aplicação do regime de IVA na realidade económica das prestações em causa, na aceção da referida jurisprudência.

74.

Essa abordagem afigura-se-me também ditada pelo artigo 131.o da Diretiva IVA, nos termos do qual as isenções previstas, nomeadamente, pelo artigo 135.o, n.o l, alínea d), desta diretiva, se aplicam «nas condições fixadas pelos Estados-Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso». Esclareço, a este respeito, que não me parece necessário recorrer à doutrina do abuso de direito, ainda que bem estabelecida no domínio do IVA ( 48 ), uma vez que a obrigação de se basear na realidade económica das prestações em causa permite resolver o problema suscitado pela segunda questão submetida.

75.

Tendo em conta o que precede, proponho que o Tribunal de Justiça responda a esta questão como se segue. O artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que a circunstância de a prestação de serviços em causa no processo principal ser formalmente fornecida pelo sujeito passivo ao devedor do pagamento (o paciente) e não ao credor desse pagamento (o dentista), na sequência da alteração dos acordos contratuais entre estas partes, não é relevante para efeitos da aplicação da isenção prevista nessa disposição, uma vez que a realidade económica desta prestação permaneceu inalterada.

76.

Esclareço que esta resposta é igualmente relevante se o Tribunal de Justiça decidir aplicar, no presente processo, a solução adotada no Acórdão Axa UK ( 49 ), contrariamente ao que acima propus, nas secções A e B. Em meu entender, se o Tribunal de Justiça considerar que uma prestação de serviços, como a que está em causa no litígio no processo principal, deve ser qualificada de «cobrança de dívidas» (sujeita a IVA), será indiferente, para efeitos dessa qualificação, que os contratos em causa no processo principal indiquem o dentista ou o paciente como sendo o destinatário formal dessa prestação. Com efeito, a obrigação de se basear na realidade económica das operações, para efeitos da aplicação do IVA, opõem-se também, neste caso, a que um simples registo contabilístico contratual possa alterar a qualificação de uma prestação de serviços, quando a sua realidade económica permaneceu inalterada ( 50 ).

VI. Conclusão

77.

Tendo em conta o que precede, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal de Segunda Instância (Secção Tributária e da Chancelaria), Reino Unido], da seguinte forma:

1)

O artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que um serviço como o prestado pelo sujeito passivo no processo principal, que consiste em solicitar às instituições financeiras envolvidas, por um lado, que seja transferida uma quantia de dinheiro da conta bancária do paciente para a do sujeito passivo, com base num mandato de débito direto, e, por outro, que essa quantia seja a seguir transferida desta última conta, após dedução da remuneração devida ao sujeito passivo, para as respetivas contas bancárias do dentista e da seguradora do paciente, não constitui uma «operação relativa a pagamentos ou a transferências» isenta ao abrigo desta disposição, uma vez que não realiza, enquanto tal, as transformações jurídicas e financeiras que caracterizam a transferência de uma quantia de dinheiro.

2)

O artigo 135.o, n.o l, alínea d), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que a circunstância de a prestação de serviços em causa no processo principal ser formalmente fornecida pelo sujeito passivo ao devedor do pagamento (o paciente) e não ao credor desse pagamento (o dentista), na sequência da alteração dos acordos contratuais entre estas partes, não é relevante para efeitos da aplicação da isenção prevista nessa disposição, uma vez que a realidade económica desta prestação permaneceu inalterada.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

( 3 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 4 ) Artigo 13.o, B, alínea d), n.o 3, da Sexta Diretiva 77/388/CE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).

( 5 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 6 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 7 ) Acórdão de 26 de maio de 2016 (C-607/14, EU:C:2016:355).

( 8 ) Acórdão de 26 de maio de 2016 (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357).

( 9 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 10 ) Acórdão de 5 de junho de 1997 (C-2/95, EU:C:1997:278, n.o 53): «[A] transferência é uma operação que consiste na execução de uma ordem de transporte de certa quantia de uma conta bancária para outra. Caracteriza-se, designadamente, pelo facto de originar a alteração da situação jurídica e financeira existente, por um lado, entre o dador da ordem e o beneficiário e, por outro, entre este e o seu banco respetivo, bem como, eventualmente, entre os bancos. Além disso, a operação que conduz a esta alteração é apenas a transferência de fundos entre as contas, independentemente da sua causa. Assim, sendo a transferência apenas um meio de transferir fundos, os aspetos funcionais são decisivos para determinar se uma operação constitui uma transferência na aceção da Sexta Diretiva [substituída pela Diretiva IVA]».

( 11 ) Esse critério corresponde, além disso, à definição habitual do conceito de transferência, bem como à definição constante do artigo 4.o, ponto 24, da Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que altera as Diretivas 2002/65/CE, 2009/110/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010, e que revoga a Diretiva 2007/64/CE (JO 2015, L 337, p. 35), a transferência é «um serviço de pagamento que consiste em creditar na conta de pagamento de um beneficiário uma operação de pagamento ou uma série de operações de pagamento a partir da conta de pagamento de um ordenante, sendo o crédito efetuado pelo prestador de serviços de pagamento que detém a conta de pagamento do ordenante com base em instruções deste».

( 12 ) Acórdãos de 26 de maio de 2016, Bookit (C-607/14, EU:C:2016:355, n.o 39); de 26 de maio de 2016, National Exhibition Centre (C-130/15 não publicado, EU:C:2016:357, n.o 34); E, neste sentido, de 5 de junho de 1997, SDC (C-2/95, EU:C:1997:278, n.os 64 a 66).

( 13 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 14 ) Acórdãos de 5 de junho de 1997, SDC (C-2/95, EU:C:1997:278, n.o 53); de 28 de julho de 2011, Nordea Pankki Suomi (C-350/10, EU:C:2011:532, n.o 25); de 13 de março de 2014, ATP PensionService (C-464/12, EU:C:2014:139, n.o 79); de 26 de maio de 2016, Bookit (C-607/14, EU:C:2016:355, n.o 38); e de 26 de maio de 2016, National Exhibition Centre (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357, n.o 33).

( 15 ) Acórdão de 22 de outubro de 2015, Hedqvist (C-264/14, EU:C:2015:718, n.o 40), e, neste sentido, de 12 de junho de 2014, Granton Advertising (C-461/12, EU:C:2014:1745, n.os 37 e 38).

( 16 ) V. Acórdãos de 5 de junho de 1997, SDC (C-2/95, EU:C:1997:278, n.o 50); de 28 de julho de 2011, Nordea Pankki Suomi (C-350/10, EU:C:2011:532, n.o 26); de 26 de maio de 2016, Bookit (C-607/14, EU:C:2016:355, n.o 43); e de 26 de maio de 2016, National Exhibition Centre (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357, n.o 38).

( 17 ) V., nomeadamente, Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere (C-276/09, EU:C:2010:730, n.o 31).

( 18 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 5 de junho de 1997, SDC (C-2/95, EU:C:1997:278, n.o 32); de 26 de junho de 2003, MKG-Kraftfahrzeuge-Factoring (C-305/01, EU:C:2003:377, n.o 64); de 13 de março de 2014, ATP PensionService (C-464/12, EU:C:2014:139, n.o 78); de 22 de outubro de 2015, Hedqvist (C-264/14, EU:C:2015:718, n.o 39); de 26 de maio de 2016, Bookit (C-607/14, EU:C:2016:355, n.o 36); e de 26 de maio de 2016, National Exhibition Centre (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357, n.o 31).

( 19 ) Acórdão de 13 de março de 2014, ATP PensionService (C-464/12, EU:C:2014:139, n.os 77 a 85). O Tribunal de Justiça indicou que constituíam «operações relativas a pagamentos e transferências» as operações que materializam os direitos dos beneficiários em relação aos fundos de pensões ao transformarem o crédito que o trabalhador detém sobre a sua entidade empregadora em crédito sobre o respetivo fundo de pensões (n.o 82 do mesmo acórdão).

( 20 ) V., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 1997, SDC (C-2/95, EU:C:1997:278, n.o 66); de 13 de dezembro de 2001, CSC Financial Services (C-235/00, EU:C:2001:696, n.os 26 a 28); de 28 de julho de 2011, Nordea Pankki Suomi (C-350/10, EU:C:2011:532, n.os 24 e 28 a 39); de 13 de março de 2014, ATP PensionService (C-464/12, EU:C:2014:139, n.o 79); de 26 de maio de 2016, Bookit (C-607/14, EU:C:2016:355, n.os 40 e 51); e de 26 de maio de 2016, National Exhibition Centre (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357, n.os 35 e 46).

( 21 ) Acórdãos de 5 de junho de 1997, SDC (C-2/95, EU:C:1997:278, n.o 65); de 13 de dezembro de 2001, CSC Financial Services (C-235/00, EU:C:2001:696, n.o 32); de 28 de julho de 2011, Nordea Pankki Suomi (C-350/10, EU:C:2011:532, n.o 31); de 26 de maio de 2016, Bookit (C-607/14, EU:C:2016:355, n.o 45); e de 26 de maio de 2016, National Exhibition Centre (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357, n.o 40).

( 22 ) As circunstâncias do litígio no processo principal devem, portanto, ser distinguidas das que deram origem ao Acórdão ATP PensionService (C-464/12, EU:C:2014:139). V. nota 19 das presentes conclusões.

( 23 ) Com efeito, resulta dessa carta, citada pelo órgão jurisdicional de reenvio e da qual reproduzo, a seguir, alguns excertos, que a DPAS fornece serviços de gestão administrativa: «[O] seu débito direito mensal é pago através da DPAS […], que criou, disponibiliza e gere o seu plano de tratamento dentário, com estatuto de administrador de débitos diretos. Embora a DPAS tenha naturalmente mantido uma relação consigo no passado, a nossa clínica dentária tem pago uma comissão de gestão à DPAS, que é retirada do seu pagamento por débito direto. […] Daqui em diante, propomos […] que, do montante total que deverá pagar mensalmente por débito direto à DPAS, esta retenha a parte correspondente à remuneração dos serviços de gestão e administração dos pagamentos do seu plano de tratamento dentário, da apólice de seguro complementar e da linha telefónica de urgência dentária» (os sublinhados são meus). V., igualmente, n.os 17 a 19 das presentes conclusões.

( 24 ) Acórdão de 26 de maio de 2016 (C-607/14, EU:C:2016:355).

( 25 ) Acórdão de 26 de maio de 2016 (C-130/15 não publicado, EU:C:2016:357).

( 26 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 27 ) Acórdãos de 26 de maio de 2016, Bookit (C-607/14, EU:C:2016:355, n.o 44), e National Exhibition Centre (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357, n.o 39).

( 28 ) V., neste sentido, Acórdãos de 26 de maio de 2016, Bookit (C-607/14, EU:C:2016:355, n.os 45 a 51), e National Exhibition Centre (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357, n.os 40 a 46).

( 29 ) V., neste sentido, Acórdãos de 26 de maio de 2016, Bookit (C-607/14, EU:C:2016:355, n.os 53 a 56), e National Exhibition Centre (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357, n.os 48 a 51).

( 30 ) Acórdãos de 19 de abril de 2007, Velvet & Steel Immobilien (C-455/05, EU:C:2007:232, n.o 22); de 22 de outubro de 2009, Swiss Re Germany Holding (C-242/08, EU:C:2009:647, n.o 46); de 12 de junho de 2014, Granton Advertising (C-461/12, EU:C:2014:1745, n.o 29); de 13 de março de 2014, ATP PensionService (C-464/12, EU:C:2014:139, n.o 78); de 22 de outubro de 2015, Hedqvist (C-264/14, EU:C:2015:718, n.o 37); de 26 de maio de 2016, Bookit (C-607/14, EU:C:2016:355, n.o 36); e de 26 de maio de 2016, National Exhibition Centre (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357, n.o 31).

( 31 ) Acórdãos de 19 de abril de 2007, Velvet & Steel Immobilien (C-455/05, EU:C:2007:232, n.o 24); de 10 de março de 2011, Skandinaviska Enskilda Banken (C-540/09, EU:C:2011:137, n.o 21); de 12 de junho de 2014, Granton Advertising (C-461/12, EU:C:2014:1745, n.o 30); de 22 de outubro de 2015, Hedqvist (C-264/14, EU:C:2015:718, n.o 36); de 26 de maio de 2016, Bookit (C-607/14, EU:C:2016:355, n.o 55); e de 26 de maio de 2016, National Exhibition Centre (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357, n.o 50).

( 32 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 33 ) V. n.o 12 das presentes conclusões.

( 34 ) V. n.os 16 a 19 das presentes conclusões.

( 35 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 36 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 37 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010, Axa UK (C-175/09, EU:C:2010:646, n.o 28).

( 38 ) Acórdão de 26 de maio de 2016 (C-607/14, EU:C:2016:355).

( 39 ) Acórdão de 26 de maio de 2016 (C-130/15, não publicado, EU:C:2016:357).

( 40 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 41 ) V. n.os 47 a 51 das presentes conclusões.

( 42 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 43 ) Acórdãos de 20 de fevereiro de 1997, DFDS (C-260/95, EU:C:1997:77, n.o 23); de 28 de junho de 2007, Planzer Luxembourg (C-73/06, EU:C:2007:397, n.o 43); de 7 de outubro de 2010, Loyalty Management UK e Baxi Group (C-53/09C-55/09, EU:C:2010:590, n.o 39); e de 20 de junho de 2013, Newey (C-653/11, EU:C:2013:409, n.o 42).

( 44 ) V., nomeadamente, Acórdão de 20 de junho de 2013, Newey (C-653/11, EU:C:2013:409, n.o 44).

( 45 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 46 ) V. n.os 16 a 19 das presentes conclusões.

( 47 ) V. n.os 18 e 19 das presentes conclusões.

( 48 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o. (C-255/02, EU:C:2006:121, n.os 74 e 75); de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C-419/14, EU:C:2015:832, n.os 35 e 36); e de 22 de novembro de 2017, Cussens e o. (C-251/16, EU:C:2017:881).

( 49 ) Acórdão de 28 de outubro de 2010 (C-175/09, EU:C:2010:646).

( 50 ) V. n.o 72 das presentes conclusões.