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Processo C-418/07

Société Papillon

contra

Ministère du Budget, des Comptes publics et de la Fonction publique

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État (França)]

«Liberdade de estabelecimento – Fiscalidade directa – Impostos sobre as sociedades – Regime de tributação pelo lucro consolidado – Sociedade-mãe residente – Subfiliais detidas por intermédio de uma filial não residente»

Sumário do acórdão

Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Legislação fiscal – Impostos sobre as sociedades

[Tratado CE, artigo 52.° (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE)]

O artigo 52.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado-Membro por força da qual se concede um regime de tributação pelo lucro consolidado a uma sociedade-mãe residente desse Estado-Membro que detenha filiais e subfiliais também residentes desse Estado, mas exclui a concessão desse regime a essa sociedade-mãe se as suas subfiliais residentes forem detidas por intermédio de uma filial residente doutro Estado-Membro.

Com efeito, essa legislação gera uma desigualdade de tratamento em razão do lugar em que se encontra a sede da filial por intermédio da qual a sociedade-mãe residente detém as suas subfiliais residentes. Na medida em que desfavorece, no plano fiscal, as situações comunitárias em comparação com as situações puramente internas que são objectivamente comparáveis em relação ao objectivo prosseguido por essa legislação, constitui, pois, uma restrição proibida, em princípio, pelas disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento.

A referida restrição não pode ser justificada pela repartição da competência fiscal entre os Estados-Membros, dado que a questão da compensação dos lucros e das perdas das sociedades pertencentes ao grupo apenas se coloca para sociedades residentes num único Estado-Membro o que também exclui, a priori, um risco de evasão fiscal.

Além disso, essa legislação não pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do sistema fiscal. Na verdade, ao recusar o benefício do regime de tributação pelo lucro consolidado a uma sociedade-mãe residente que pretenda incluir nele subfiliais residentes quando as detém por intermédio de uma filial não residente, a referida legislação pode garantir a coerência do referido regime. Com efeito, no caso de a filial ser uma sociedade não residente, as perdas sofridas pela subfilial seriam duplamente compensadas, a primeira vez sob a forma de perdas directas desta última e outra vez sob a forma de provisão constituída pela sociedade-mãe para depreciação da sua participação na referida filial, pois as operações internas não seriam neutralizadas pelo facto de a filial não residente não estar abrangida pelo regime de tributação pelo lucro consolidado. Nesse caso, as sociedades residentes beneficiariam das vantagens do regime de tributação pelo lucro consolidado, em termos de consolidação dos resultados e de compensação imediata das perdas de todas as sociedades abrangidas por este regime fiscal, sem que as perdas da subfilial e as provisões da sociedade-mãe pudessem ser neutralizadas. Por conseguinte, o nexo directo existente entre as vantagens fiscais e a neutralização das operações internas do grupo permite, nomeadamente, evitar a duplicação da compensação das perdas nas sociedades residentes abrangidas pelo regime de tributação, seria assim destruído, o que afectaria a coerência do referido regime.

Todavia, dado que há medidas menos restritivas da liberdade de estabelecimento para atingir o objectivo de garantir a coerência do sistema fiscal, essa legislação ultrapassa o que é necessário para atingir esse objectivo. Em primeiro lugar, as dificuldades práticas, como a dificuldade em verificar a existência de dupla compensação das perdas quando uma sociedade não residente se interpõe entre a sociedade-mãe e as suas subfiliais, não podem justificar por si sós a restrição de uma liberdade garantida pelo Tratado. Depois os Estados-Membros podem solicitar às autoridades competentes dos outros Estados-Membros todas as informações com interesse para o cálculo exacto do imposto sobre as sociedades Por último, quando sociedades-mães residentes dum Estado-Membro pedem o benefício do regime de tributação pelo lucro consolidado com subfiliais residentes detidas por intermédio de filiais residentes doutro Estado-Membro, as autoridades fiscais do primeiro Estado podem pedir a estas filiais que lhes forneçam os elementos de prova que considerem necessários para que a transparência das provisões feitas por estas seja totalmente assegurada. Ora, a legislação em causa obsta, em todas as circunstâncias, a que estas sociedades residentes provem a inexistência de dupla compensação das perdas no quadro do regime de tributação pelo lucro consolidado.

(cf. n.os 30-32, 39, 40, 46, 48-51, 53-55, 58, 60-63, disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

27 de Novembro de 2008 (*)

«Liberdade de estabelecimento – Fiscalidade directa – Impostos sobre as sociedades – Regime de tributação pelo lucro consolidado – Sociedade-mãe residente – Subfiliais detidas por intermédio de uma filial não residente»

No processo C-418/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Conseil d'État (França), por decisão de 10 de Julho de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de Setembro de 2007, no processo

Société Papillon

contra

Ministère du Budget, des Comptes publics et de la Fonction publique,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts (relator), presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász, G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

advogada-geral: J. Kokott,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de Junho de 2008,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Société Papillon, por G. Calisti, avocat,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e J.-C. Gracia, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por C. Blaschke, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo espanhol, por M. Muñoz Pérez, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels, C. ten Dam e M. de Grave, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e J.-P. Keppenne, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 4 de Setembro de 2008,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE).

2        Este pedido foi apresentado num litígio que opõe a sociedade Papillon (a seguir «Papillon»), com sede em França, ao ministère du Budget, des Comptes publics et de la Fonction publique, por este último lhe ter recusado o benefício do regime de «tributação pelo lucro consolidado».

 Quadro jurídico

3        Na versão aplicável aos factos do litígio no processo principal, o artigo 223.° A do Código Geral dos Impostos francês (code général des impôts, a seguir «CGI» dispõe o seguinte:

«Uma sociedade […] pode constituir-se como o único sujeito passivo do imposto sobre as sociedades devido pelo resultado consolidado do grupo formado por ela e pelas sociedades em que detenha pelo menos 95% do capital, de modo continuado ao longo do exercício, directamente ou indirectamente por intermédio de sociedades do grupo […]. As sociedades do grupo continuam sujeitas à obrigação de declarar os seus resultados […]. Só podem fazer parte do grupo as sociedades que tenham dado o seu acordo e cujos resultados estejam sujeitos ao imposto sobre as sociedades […]»

4        O órgão jurisdicional de reenvio explica que, nos termos do artigo 223.° A do CGI, a sociedade-mãe do grupo pode determinar livremente, à sua escolha, a composição do mesmo. No entanto, a mesma sociedade-mãe só pode deter indirectamente uma outra sociedade por intermédio de uma sociedade que faça parte do grupo integrado e, portanto, que esteja sujeita ao imposto sobre as sociedades em França.

5        Nos termos do artigo 223.° B do CGI, o «resultado consolidado é determinado pela sociedade-mãe calculando a soma algébrica dos resultados de cada uma das sociedades do grupo […]».

6        Os artigos 223.° B, 223° D e 223.° F do CGI prevêem designadamente a neutralização de operações internas do grupo, tais como provisões para créditos de cobrança duvidosa ou para riscos entre sociedades do grupo, desistências de créditos ou subvenções internas do grupo, provisões para depreciação de participações detidas noutras sociedades do grupo e cessões de bens do activo imobilizado no interior do mesmo.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

7        Durante os anos fiscais a que se refere o processo principal, ou seja, nos exercícios que decorreram de 1 de Janeiro de 1989 a 31 de Dezembro de 1991, a Papillon detinha 100% do capital da sociedade neerlandesa Artist Performance and Communication, que, por sua vez, detinha 99,99% do capital da Kiron, SARL, com sede am França. Neste contexto, a Papillon optou pelo regime de tributação pelo lucro consolidado, regulado pelos artigos 223.° A a 223.° F do CGI, nos termos do qual uma sociedade residente pode constituir-se como o único sujeito passivo do imposto sobre as sociedades devido pelo resultado consolidado do grupo formado por ela e pelas sociedades em que detenha, directa ou indirectamente, pelo menos 95% do capital. Para o efeito, a Papillon incluiu na composição do grupo integrado de que tinha o domínio a sociedade Kiron SARL e várias filiais desta, também sedeadas em França.

8        A Administração Fiscal recusou à Papillon o benefício do referido regime, com o fundamento de que esta não podia constituir um grupo integrado com sociedades detidas indirectamente por intermédio de uma sociedade sedeada nos Países Baixos, uma vez que esta última sociedade não estava sujeita ao imposto sobre as sociedades em França por não possuir aí qualquer estabelecimento estável.

9        Por consequência, após liquidação correctiva, a Papillon foi tributada pelos lucros próprios que tinha declarado, sem poder compensá-los com os resultados das restantes sociedades do grupo integrado.

10      A Papillon inpugnou as liquidações adicionais do imposto sobre as sociedades que lhe foram feitas relativamente aos anos de 1989 a 1991 no tribunal administratif de Paris, que julgou improcedentes os seus pedidos por decisão de 9 de Fevereiro de 2004. No recurso interposto desta decisão para a cour administrative d’appel de Paris, esta limitou-­se a reduzir parte das colectas e penalidades em litígio, por acórdão de 24 de Junho de 2005.

11      Tendo sido interposto recurso deste acórdão pela Papillon para o Conseil d’État, este suscita a questão de saber se o regime de tributação pelo lucro consolidado, tal como vigora em França, que permita a uma sociedade-mãe residente compensar os resultados de todas as sociedades do grupo integrado e a neutralização fiscal das operações no interior do grupo, pode constituir uma restrição à liberdade de estabelecimento de uma ou mais sociedades do grupo, na medida em que o referido regime exclui essa possibilidade relativamente a uma subfilial residente quando esta seja detida por uma filial não residente.

12      O Conseil d’État interroga-se sobre se uma restrição deste tipo, supondo que está provada, pode justificar-se por razões imperiosas de interesse geral, nomeadamente pela necessidade de garantir a coerência do sistema fiscal.

13      Nestas condições, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Na medida em que a vantagem fiscal resultante do regime de ‘tributação pelo lucro consolidado’ produz os seus efeitos na tributação da sociedade-mãe do grupo, que pode compensar os lucros e as perdas do conjunto das sociedades do grupo integrado e beneficiar da neutralização fiscal das operações internas desse grupo, a impossibilidade, resultante do regime definido pelos artigos 223.° A e seguintes do [CGI], de incluir no grupo fiscal integrado uma sociedade subfilial da sociedade-mãe, quando seja detida por intermédio de uma filial que, por estar estabelecida noutro Estado-Membro […] e por não ter actividade em França, não está sujeita ao imposto sobre o rendimento das sociedades em França e, por conseguinte, não pode fazer parte do grupo, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento em virtude das consequências fiscais que resultam da opção da sociedade-mãe de deter uma subfilial por intermédio de uma filial francesa ou por intermédio de uma filial estabelecida noutro Estado-Membro?

2)      No caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode essa restrição ser justificada pela necessidade de preservar a coerência do sistema de ‘tributação pelo lucro consolidado’, designadamente os mecanismos de neutralização fiscal das operações internas do grupo, tendo em conta as consequências de um sistema que consistisse em considerar a filial estabelecida noutro Estado-Membro como pertencente ao grupo exclusivamente para efeitos de detenção indirecta da subfilial, ficando necessariamente excluída da aplicação do regime de grupo por não ser abrangida pelo imposto francês, ou por qualquer outra razão imperiosa de interesse geral?»

 Sobre as questões prejudiciais

14      Com as suas duas questões, que devem ser apreciadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a legislação de um Estado-Membro ao abrigo da qual se concede um regime de tributação de grupo a uma sociedade residente do referido Estado-Membro que detenha filais e subfiliais também residentes desse Estado, mas se exclui desse regime essa sociedade-mãe se as suas subfiliais residentes forem detidas por intermédio de uma filial residente doutro Estado-Membro, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento e, sendo esse o caso, se tal restrição pode ser justificada.

15      A este propósito, importa recordar que a liberdade de estabelecimento compreende, para as sociedades constituídas nos termos da legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede estatutária, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal na Comunidade Europeia, o direito de exercer a sua actividade noutros Estados-Membros através de uma filial, de uma sucursal ou de uma agência (v. acórdãos de 23 de Fevereiro de 2006, Keller Holding, C-471/04, Colect., p. I-2107, n.° 29, e de 15 de Maio de 2008, Lidl Belgium, C-414/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 18).

16      Embora, de acordo com o seu teor literal, as disposições do Tratado CE relativas à liberdade de estabelecimento visem assegurar o direito a um tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento, opõem-se igualmente a que o Estado-Membro de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado-Membro de um dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação (acórdãos de 16 de Julho de 1998, ICI, C-264/96, Colect., p. I-4695, n.° 21; de 6 de Dezembro de 2007, Columbus Container Services, C-298/05, Colect., p. I-10451, n.° 33, e Lidl Belgium, já referido, n.° 19).

17      No processo principal, convém realçar antes de mais que o órgão jurisdicional de reenvio não pergunta se a impossibilidade da filial neerlandesa da Papillon de ser incluída na tributação pelo lucro consolidado constitui uma restrição da liberdade de estabelecimento. Como observou a advogada-geral nos n.os 5 e 24 das suas conclusões, o pedido de decisão prejudicial tem por objectivo saber se o facto de uma sociedade-mãe estabelecida num Estado-Membro não poder beneficiar do regime de tributação pelo lucro consolidado para o grupo que constitui com as suas subfiliais com sede no mesmo Estado, quando a sociedade intermédia, sedeada noutro Estado-Membro, não está sujeita ao imposto sobre as sociedades no primeiro Estado, constitui uma restrição da liberdade de estabelecimento na acepção do artigo 52.° do Tratado.

18      Como resulta da decisão de reenvio, o regime de tributação pelo lucro consolidado alivia a tributação da sociedade-mãe, ao permitir-lhe a compensação dos lucros e das perdas de todas as sociedades do grupo integrado para efeitos fiscais. Este regime constitui uma vantagem fiscal na medida em que, entre outros efeitos, a compensação autorizada permite ao grupo compensar imediatamente as perdas de certas sociedades que o integram.

19      Nos termos dos artigos 223.° A e seguintes do CGI, esta vantagem fiscal não é, porém, concedida quando a sociedade-mãe sedeada em França detém uma subfilial, igualmente sedeada em território francês, por intermédio de uma filial sedeada noutro Estado-Membro e que não exerce actividade em França.

20      Com efeito, como se recorda nos n.os 3 e 4 deste acórdão, a sociedade-mãe do grupo, para beneficiar do regime de tributação pelo lucro consolidado, só pode deter indirectamente outra sociedade integrante do grupo por intermédio de uma sociedade que faça também parte do grupo integrado e, por isso, esteja sujeita a imposto sobre as sociedades em França.

21      Deste modo, uma sociedade com sede em França que detenha as suas subfiliais por intermédio de uma filial sedeada noutro Estado-Membro não pode beneficiar do regime de tributação pelo lucro consolidado. Pelo contrário, uma sociedade-mãe francesa tem a faculdade de constituir uma tributação pelo lucro consolidado com as suas subfiliais francesas quando a filial intermediária está estabelecida em França.

22      Como observou a advogada-geral no n.° 30 das suas conclusões, resulta do exposto que as disposições do CGI em causa no processo principal criam uma desigualdade de tratamento no que respeita à faculdade de optar pelo regime de tributação pelo lucro consolidado, consoante a sociedade-mãe detenha as suas participações indirectas por intermédio de uma filial estabelecida em França ou noutro Estado-Membro.

23      Todavia, o Governo francês sustenta que esta desigualdade de tratamento se explica pelo facto de as duas situações não serem objectivamente comparáveis.

24      Numa situação como a do processo principal, a filial estabelecida num Estado-Membro diferente da República Francesa não está sujeita ao imposto sobre as sociedades em França, contrariamente à situação de uma filial com sede neste último Estado.

25      Esta argumentação não pode ser acolhida.

26      Com efeito, admitir que um Estado-Membro possa aplicar livremente um tratamento diferente unicamente pelo facto de a sede de uma sociedade estar situada noutro Estado-Membro esvaziaria as regras relativas à liberdade de estabelecimento da sua substância (v., neste sentido, acórdãos de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, Colect., p. 273, n.° 18, e de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colect., p. I-1727, n.° 42).

27      Para determinar a existência de discriminação, a comparabilidade de uma situação comunitária com uma situação puramente interna deve ser analisada tendo em conta o objectivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa (v., neste sentido, acórdãos Metallgesellschaft e o., já referido, n.° 60, e de 18 de Julho de 2007, Oy AA, C-231/05, Colect., p. I-6373, n.° 38).

28      No processo principal, as disposições do CGI em causa visam equiparar o mais possível o grupo constituído por uma sociedade-mãe com as suas filiais e subfiliais a uma empresa que tenha vários estabelecimentos, permitindo consolidar os resultados de cada sociedade.

29      Ora, este objectivo pode ser atingido tanto na situação de uma sociedade-mãe sedeada num Estado-Membro que detenha subfiliais também residentes deste Estado por intermédio de uma filial também residente como na situação de uma sociedade-mãe residente do mesmo Estado-Membro que detenha subfiliais também residentes deste último, mas por intermédio de uma filial estabelecida noutro Estado-Membro.

30      Relativamente ao objectivo das disposições do CGI em causa no processo principal, as duas situações são objectivamente comparáveis.

31      Por consequência, o regime fiscal em causa no processo principal gera uma desigualdade de tratamento em razão do lugar em que se encontra a sede da filial por intermédio da qual a sociedade-mãe residente detém as suas subfiliais residentes.

32      As disposições do CGI em causa no processo principal, na medida em que desfavorecem, no plano fiscal, as situações comunitárias em comparação com as situações puramente internas, constituem, pois, uma restrição proibida, em princípio, pelas disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento.

33      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que essa restrição à liberdade de estabelecimento só pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Mas é ainda necessário, em tal caso, que seja adequada para garantir a realização do objectivo em causa e que não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objectivo (acórdão Lidl Belgium, já referido, n.° 27 e jurisprudência citada).

34      A este propósito, deve observar-se em primeiro lugar que os Governos alemão e neerlandês alegam, nas observações escritas que apresentaram ao Tribunal de Justiça, que a restrição da liberdade de estabelecimento decorrente da legislação em causa no processo principal pode ser justificada pela necessidade de preservar a repartição da competência fiscal entre os Estados-Membros.

35      Sobre esta questão, os referidos governos referem­-se aos acórdãos de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer (C-446/03, Colect., p. I-10837), e Oy AA, já referido, e alegam que a restrição criada pelas disposições do CGI em causa no processo principal é necessária para impedir a dupla compensação das perdas e lutar contra o risco de evasão fiscal.

36      Estes elementos de justificação não podem ter sucesso.

37      Com efeito, nos processos que deram origem aos referidos acórdãos Marks & Spencer e Oy AA, as questões suscitadas diziam respeito à compensação das perdas sofridas num Estado-Membro diferente do da sede do contribuinte e a um risco de evasão fiscal.

38      Ora, nas circunstâncias do processo principal, estas questões não se colocam, uma vez que o objectivo do pedido de decisão prejudicial é saber se o facto de uma sociedade residente de um Estado-Membro não poder beneficiar do regime de tributação pelo lucro consolidado com as suas subfiliais também residentes do referido Estado quando a filial intermédia está estabelecida noutro Estado-Membro constitui uma restrição, e não se a filial não residente deve poder beneficiar desse regime.

39      No processo principal, a questão da compensação dos lucros e das perdas das sociedades pertencentes ao grupo em questão apenas se coloca para sociedades residentes num único Estado-Membro. Por conseguinte, a questão colocada refere-se à compensação de perdas sofridas num único e o mesmo Estado-Membro, o que também exclui, a priori, um risco de evasão fiscal.

40      Por consequência, a restrição identificada nos n.os 22 a 32 deste acórdão não pode ser justificada pela repartição do poder tributário entre os Estados-Membros.

41      Em segundo lugar, deve observar-se que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a restrição em causa pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do sistema fiscal, considerando o Governo francês nas observações escritas que apresentou ao Tribunal de Justiça que é o que se passa no processo principal.

42      O órgão jurisdicional de reenvio observa que, uma vez que a filial não residente está necessariamente excluída da aplicação do regime de tributação pelo lucro consolidado, pois não está sujeita ao imposto sobre as sociedades em França, a coerência do sistema de neutralização das operações no interior do grupo ficaria afectada, uma vez que o tratamento das operações em que está implicada essa filial é diferente do aplicável às operações em que está implicada uma filial residente e pode levar a duplas deduções comparativamente com um sistema que apenas envolva sociedades sujeitas ao referido imposto.

43      A este propósito, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça já admitiu que a necessidade de preservar a coerência de um sistema fiscal pode justificar uma restrição ao exercício das liberdades de circulação garantidas pelo Tratado (acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann, C-204/90, Colect., p. I-249, n.° 28; de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C-319/02, Colect., p. I-7477, n.° 42, e Keller Holding, já referido, n.° 40).

44      Para que um argumento baseado nessa justificação possa ter sucesso, o Tribunal de Justiça exige, porém, um nexo directo entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto (acórdão de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C-484/93, Colect., p. I-3955, n.° 18; acórdãos, já referidos, ICI, n.° 29; Manninen, n.° 42, et Keller Holding, n.° 40), devendo o carácter directo deste nexo ser apreciado à luz do objectivo prosseguido pela regulamentação fiscal em causa (acórdãos Manninen, já referido, n.° 43, e de 28 de Fevereiro de 2008, Deutsche Shell, C-293/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 39).

45      No processo principal, o Governo francês expõe que o regime de tributação pelo lucro consolidado prevê a consolidação fiscal das sociedades e, em contrapartida, a neutralização de certas operações entre sociedades do grupo, nos termos dos artigos 223.° B, 223.° D e 223.° F do CGI.

46      A este propósito, deve observar-se que a neutralização das diversas operações internas do grupo permite, nomeadamente, evitar a duplicação da compensação das perdas nas sociedades residentes abrangidas pelo regime de tributação pelo lucro consolidado.

47      Com efeito, em caso de perdas sofridas pela subfilial, a filial constituirá normalmente provisões para depreciação da sua participação nessa subfilial, de modo que a sociedade-mãe constituirá provisões para depreciação da sua participação na filial. Tratando-se de uma só e a mesma perda com origem na subfilial, se todas as sociedades estiverem incluídas no regime de tributação pelo lucro consolidado, abstrai-se, pelo mecanismo da neutralização, das provisões para depreciação na filial e na sociedade-mãe.

48      Todavia, no caso de a filial ser uma sociedade não residente, as perdas sofridas pela subfilial seriam duplamente compensadas, a primeira vez sob a forma de perdas directas desta última e outra vez sob a forma de provisão constituída pela sociedade-mãe para depreciação da sua participação na referida filial, pois as operações internas não seriam neutralizadas pelo facto de a filial não residente não estar abrangida pelo regime de tributação pelo lucro consolidado.

49      Nesse caso, é forçoso reconhecer que as sociedades residentes beneficiariam das vantagens do regime de tributação pelo lucro consolidado, em termos de consolidação dos resultados e de compensação imediata das perdas de todas as sociedades abrangidas por este regime, sem que as perdas da subfilial e as provisões da sociedade-mãe pudessem ser neutralizadas.

50      Por conseguinte, o nexo directo existente no regime de tributação pelo lucro consolidado entre as vantagens fiscais e a neutralização das operações internas do grupo seria assim destruído, o que afectaria a coerência do referido regime.

51      Por consequência, ao recusarem o benefício do regime de tributação pelo lucro consolidado a uma sociedade-mãe residente que pretenda incluir nele subfiliais residentes quando as detém por intermédio de uma filial não residente, as disposições do CGI em causa no processo principal são adequadas para garantir a coerência do referido regime.

52      Mas é ainda exigível que esta legislação nacional não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objectivo, ou seja, que o mesmo objectivo também não possa ser atingido por meios menos restritivos da liberdade de estabelecimento.

53      A este propósito, o Governo francês alega que as referidas disposições do CGI se tornam necessárias pela dificuldade que as autoridades nacionais têm em verificar a existência de dupla compensação das perdas quando uma sociedade não residente se interpõe entre a sociedade-mãe e as suas subfiliais. O montante de uma provisão não corresponde geralmente à importância da perda da filial e é simplesmente impossível identificar a origem exacta de uma provisão.

54      Sobre esta questão, há que salientar antes de mais que as dificuldades práticas não podem justificar por si sós a restrição duma liberdade garantida pelo Tratado (acórdãos de 4 de Março de 2004, Comissão/França, C-334/02, Colect., p. I-2229, n.° 29; de 14 de Setembro de 2006, Centro di Musicologia Walter Stauffer, C-386/04, Colect., p. I-8203, n.° 48, e de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colect., p. I-11753, n.° 70).

55      Em seguida, deve recordar-se que a regulamentação comunitária, a saber, a Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), permite aos Estados-Membros solicitarem às autoridades competentes dos outros Estados-Membros todas as informações com interesse para o cálculo exacto do imposto sobre as sociedades, entre outros.

56      Finalmente, deve acrescentar-se que, como observou a advogada-geral no n.° 66 das suas conclusões, as autoridades fiscais em causa podem exigir da própria sociedade-mãe as provas que considerem necessárias para determinar se as provisões contabilizadas por essa sociedade para a depreciação das suas participações no capital da filial devem ser indirectamente atribuídas a uma perda sofrida pela subfilial repercutida nas provisões da referida filial (v., neste sentido, acórdãos Centro di Musicologia Walter Stauffer, já referido, n.° 49; de 30 de Janeiro de 2007, Comissão/Dinamarca, C-150/04, Colect., p. I-1163, n.° 54; de 29 de Março de 2007, Rewe Zentralfinanz, C-347/04, Colect., p. I-2647, n.° 57, e de 11 de Outubro de 2007, ELISA, C-451/05, Colect., p. I-8251, n.° 95).

57      Nas relações entre Estados-Membros, as informações pedidas ou fornecidas pelas autoridades fiscais competentes permitem verificar se as condições previstas pela legislação nacional estão preenchidas, tanto mais que se aplicam medidas comunitárias de harmonização em matéria de contabilidade das sociedades, de modo que há a possibilidade de apresentar dados fidedignos e verificáveis relativos a uma sociedade estabelecida noutro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdão de 18 de Dezembro de 2007, A, C-101/05, Colect., p. I-11531, n.° 62).

58      Assim, quando sociedades-mães residentes dum Estado-Membro pedem o benefício do regime de tributação pelo lucro consolidado com subfiliais residentes detidas por intermédio de filiais residentes doutro Estado-Membro, como no processo principal, as autoridades fiscais do primeiro Estado podem pedir a estas filiais que lhes forneçam os elementos de prova que considerem necessários para que a transparência das provisões feitas por estas seja totalmente assegurada.

59      Ora, as sociedades estabelecidas em França que detêm subfiliais residentes por intermédio de filiais residentes doutro Estado-Membro e que, por este facto, são privadas do benefício do regime de tributação pelo lucro consolidado não são autorizadas, por força das disposições do CGI em causa no processo principal, a fornecer documentos justificativos que permitam provar que não existe qualquer risco de duplicação da compensação das perdas.

60      Por consequência, esta legislação obsta, em todas as circunstâncias, a que estas sociedades residentes provem a inexistência de dupla compensação das perdas no quadro do regime de tributação pelo lucro consolidado.

61      Daí se conclui que há medidas menos restritivas da liberdade de estabelecimento para atingir o objectivo de garantir a coerência do sistema fiscal.

62      Por isso, as disposições do CGI em questão ultrapassam o que é necessário para atingir esse objectivo e, assim, não podem ser justificadas pela necessidade de garantir a coerência do sistema fiscal.

63      À luz das considerações expostas, deve responder-se às questões colocadas que o artigo 52.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado-Membro por força da qual se concede um regime de tributação pelo lucro consolidado a uma sociedade-mãe residente desse Estado-Membro que detenha filiais e subfiliais também residentes desse Estado, mas se exclui a concessão desse regime a essa sociedade-mãe se as suas subfiliais residentes forem detidas por intermédio de uma filial residente doutro Estado-Membro.

 Quanto às despesas

64      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado-Membro por força da qual se concede um regime de tributação pelo lucro consolidado a uma sociedade-mãe residente desse Estado Membro que detenha filiais e subfiliais também residentes desse Estado, mas se exclui a concessão desse regime a essa sociedade-mãe se as suas subfiliais residentes forem detidas por intermédio de uma filial residente doutro Estado-Membro.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.