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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

27 de setembro de 2012 ( *1 )

«Segurança social dos trabalhadores migrantes — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Artigos 13.° e 14.°-C — Legislação aplicável — Trabalhadores não assalariados — Regime de segurança social — Inscrição — Pessoa que exerce uma atividade assalariada ou que não exerce nenhuma atividade num Estado-Membro — Atividade não assalariada exercida noutro Estado-Membro — Representante de sociedade — Residência num Estado-Membro diferente do da sede da sociedade — Gestão da sociedade a partir do Estado da residência — Regra nacional que estabelece uma presunção inilidível de exercício da atividade profissional como trabalhador independente no Estado-Membro da sede da sociedade — Inscrição obrigatória no regime social dos trabalhadores independentes deste Estado»

No processo C-137/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela cour du travail de Bruxelles (Bélgica), por decisão de 11 de março de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 21 de março de 2011, no processo

Partena ASBL

contra

Les Tartes de Chaumont-Gistoux SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.-C. Bonichot, presidente de secção, K. Schiemann, L. Bay Larsen (relator), C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de março de 2012,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Partena ASBL, por M. Lauwers, avocate,

em representação da Les Tartes de Chaumont-Gistoux SA, por A. Moyaerts e É. Piret, avocats,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck e J.-C. Halleux, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por V. Kreuschitz e G. Rozet, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 26 de junho de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 13.° e 14.°-C do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1606/98 do Conselho, de 29 de junho de 1998 (JO L 209, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1408/71»), bem como do artigo 21.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Partena ASBL (a seguir «Partena»), instituição de segurança social dos trabalhadores independentes, à sociedade Les Tartes de Chaumont-Gistoux, SA (a seguir «sociedade Les Tartes de Chaumont-Gistoux») a propósito dos montantes exigidos a esta última pela Partena correspondentes a contribuições para a segurança social e a majorações respeitantes ao período compreendido entre o primeiro trimestre de 1999 e o quarto trimestre de 2007.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O oitavo a décimo primeiro considerandos do Regulamento n.o 1408/71 enunciam:

«Considerando que convém subordinar os trabalhadores assalariados e os trabalhadores não assalariados, que se deslocam no interior da União, ao regime de segurança social de um único Estado-Membro, por forma a evitar a cumulação de legislações nacionais aplicáveis e os problemas que daí podem decorrer;

Considerando que importa limitar na medida do possível o número e o âmbito dos casos em que, por derrogação à regra geral, uma pessoa está sujeita simultaneamente à legislação de dois Estados-Membros;

Considerando que, para melhor garantir a igualdade de tratamento de todos os trabalhadores ocupados no território de um Estado-Membro, é conveniente determinar como legislação aplicável, em regra geral, a legislação do Estado-Membro em cujo território o interessado exerce a sua atividade assalariada ou não assalariada;

Considerando que convém derrogar esta regra geral em situações específicas que justifiquem outro critério de conexão».

4

O artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, sob a epígrafe «Regras gerais», dispõe:

«1.   Sem prejuízo do disposto no artigo 14.o-C e 14.°-F, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado-Membro. Esta legislação será determinada em conformidade com as disposições do presente título.

2.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.° a 17.°:

a)

A pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado-Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado-Membro ou se a empresa ou entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado-Membro;

b)

a pessoa que exerça uma atividade não assalariada no território de um Estado-Membro está sujeita à legislação deste Estado, mesmo se residir no território de outro Estado-Membro;

[...]»

5

O artigo 14.o-A, n.o 2, do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Regras especiais aplicáveis às pessoas que exercem uma atividade assalariada, não sendo pessoal do mar», tem a seguinte redação:

«A regra enunciada no n.o 2, alínea b), do artigo 13.o[…] é aplicada tendo em conta as seguintes exceções e particularidades:

[...]

2)   A pessoa que normalmente exerça uma atividade não assalariada no território de dois ou mais Estados-Membros está sujeita à legislação do Estado-Membro em cujo território reside, se exercer uma parte da sua atividade no território deste Estado-Membro.

Se a referida pessoa não exercer qualquer atividade no território do Estado-Membro em que reside está sujeita à legislação do Estado-Membro em cujo território exerça a sua atividade principal [...]»

6

O artigo 14.o-C do referido regulamento, sob a epígrafe «Regras especiais aplicáveis às pessoas que exercem simultaneamente uma atividade assalariada e uma atividade não assalariada no território de diferentes Estados-Membros», prevê:

«A pessoa que exerça, simultaneamente, uma atividade assalariada e uma atividade não assalariada no território de diferentes Estados-Membros, está sujeita:

a)

Sem prejuízo do disposto na alínea b), à legislação do Estado-Membro em cujo território exerça uma atividade assalariada ou, se exercer tal atividade no território de dois ou mais Estados-Membros, à legislação [consoante os casos, do Estado-Membro da sede ou do domicílio da empresa ou do empregador, do lugar da situação de uma sucursal ou de uma representação permanente da empresa, ou da residência do trabalhador];

b)

Nos casos referidos no Anexo VII:

à legislação do Estado-Membro em cujo território exerça uma atividade assalariada [...]

e

à legislação do Estado-Membro em cujo território exerça uma atividade não assalariada [...]»

7

O Anexo VII do Regulamento n.o 1408/71 enumera 18 hipóteses de aplicação cumulativa das legislações de dois Estados-Membros, a saber, situações em que uma pessoa exerce, por um lado, uma atividade não assalariada no território de um dos 17 Estados-Membros designados nesse anexo e, por outro, uma atividade assalariada noutro Estado-Membro.

8

Enuncia no seu n.o 1:

«Exercício de uma atividade não assalariada na Bélgica e de uma atividade assalariada noutro Estado-Membro.»

Direito belga

9

No direito belga, a sujeição ao regime social dos trabalhadores independentes é regida, em especial, pelo Decreto Real n.o 38, de 27 de julho de 1967, que estabelece o regime social dos trabalhadores independentes (Moniteur belge de 29 de julho de 1967), alterado, designadamente, pelo Decreto Real de 18 de novembro de 1996 relativo às disposições financeiras e outras do regime social dos trabalhadores independentes, em aplicação do título VI da Lei de 26 de julho de 1996 sobre a modernização da segurança social e que garante a viabilidade dos regimes legais das pensões e do artigo 3.o da Lei de 26 de julho de 1996 que visa realizar as condições orçamentais da participação da Bélgica na União Económica e Monetária europeia (Moniteur belge de 12 de dezembro de 1996, a seguir «Decreto Real n.o 38»).

10

O artigo 3.o, n.o 1, do Decreto Real n.o 38, constante do capítulo I sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«Para efeitos do presente decreto, considera-se trabalhador independente qualquer pessoa singular que exerça na Bélgica uma atividade profissional em razão da qual não esteja vinculada por um contrato de trabalho ou estatuto.

Presume-se, até prova em contrário, que uma pessoa está nas condições referidas no parágrafo anterior se exercer na Bélgica uma atividade profissional suscetível de produzir rendimentos referidos em [determinadas disposições do Código dos impostos sobre os rendimentos de 1992].

Para efeitos do presente número, considera-se que uma atividade profissional é exercida ao abrigo de um contrato de trabalho se, por aplicação de um dos regimes de segurança social em benefício dos trabalhadores assalariados, o interessado deva ser contratado, por esse motivo, ao abrigo de um contrato de trabalho.

[…] presume-se juris et de jure que as pessoas designadas como representantes numa sociedade ou associação que seja sujeito passivo do imposto belga sobre as sociedades ou do imposto belga aplicável aos não residentes exercem, na Bélgica, uma atividade profissional como trabalhadores independentes.»

11

Nos termos do artigo 15.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do mesmo decreto real, as sociedades são solidariamente responsáveis com os seus representantes pelo pagamento das contribuições de que estes sejam devedores.

12

Pelo acórdão n.o 176/2004 de 3 de novembro de 2004, a Cour d’arbitrage, posteriormente designada Cour constitutionnelle, declarou inconstitucional o artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Decreto Real n.o 38 relativamente aos representantes de sociedades sujeitos passivos do imposto belga sobre as sociedades ou do imposto belga aplicável aos não residentes e que não efetuem a partir do estrangeiro a gestão de uma sociedade referida na disposição em causa. Declarou que, tratando-se desses representantes, a presunção, na medida em que era inilidível, tinha um caráter geral e absoluto que era desproporcionado relativamente a essas pessoas, uma vez que impedia um representante que tivesse cessado a sua atividade de provar essa cessação sem ser por despedimento e de pôr termo às obrigações resultantes da sua sujeição ao regime social dos trabalhadores independentes.

13

Em contrapartida, não considerou inconstitucional o artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Decreto Real n.o 38 no que respeita aos representantes que geriam a partir do estrangeiro sociedades com sede na Bélgica. Considerou que o caráter inilidível da presunção instituída poderia ter sido considerado necessário para assegurar a sujeição de tais representantes ao regime social dos trabalhadores independentes, uma vez que a autoridade nacional não dispõe, relativamente a essas pessoas, da informação e das competências de que dispõe relativamente aos representantes que gerem tais sociedades na Bélgica.

14

Resulta desse acórdão da Cour d’arbitrage que, atualmente, no direito belga, a presunção continua a ser inilidível para as pessoas que gerem a partir do estrangeiro uma sociedade com sede na Bélgica, de modo que, independentemente do exercício efetivo de tal atividade, essas pessoas estão sujeitas na Bélgica ao regime social dos trabalhadores independentes.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

A sociedade Les Tartes de Chaumont-Gistoux foi constituída em 17 de abril de 1993.

16

Esta sociedade é sujeito passivo de imposto sobre as sociedades na Bélgica, uma vez que a sua sede se encontra nesse país.

17

Na assembleia-geral de 12 de outubro de 1995, O. Rombouts e Van Acker, detinham cada um metade do capital da sociedade. Sendo administradores, foram reconduzidos nos seus mandatos pelas assembleias-gerais de 7 de junho de 2000 e 7 de junho de 2006.

18

O. Rombouts reside em Portugal desde finais do ano de 1999.

19

Aí exerceu uma atividade assalariada ou recebeu subsídio de desemprego entre janeiro de 2001 e julho de 2005.

20

O órgão jurisdicional de reenvio indica que o. Rombouts exerceu aí uma atividade independente a partir do mês de novembro de 2007, mas acrescenta que a sociedade Les Tartes de Chaumont-Gistoux sustenta que essa atividade começou no mês de novembro de 2005.

21

Em 28 de maio de 2008, a Partena notificou O. Rombouts e a sociedade Les Tartes de Chaumont-Gistoux de uma ordem de pagamento no montante de 125696,50 euros, correspondente às contribuições, majorações trimestrais e anuais alegadamente devidas por O. Rombouts em relação ao período entre o primeiro trimestre de 1999 e o quarto trimestre de 2007.

22

Por petição de 5 de agosto de 2008, a sociedade Les Tartes de Chaumont-Gistoux opôs-se a esta ordem no tribunal du travail de Nivelles (tribunal de trabalho).

23

Ao conhecer desta oposição, o tribunal du travail de Nivelles declarou-a admissível por decisão de 14 de setembro de 2009, e posteriormente por decisão de 14 de dezembro de 2009 julgou-a procedente.

24

Em 29 de janeiro de 2010, a Partena interpôs recurso destas decisões.

25

Durante o processo, precisou que, tendo em conta o estatuto de assalariado de o. Rombouts em Portugal a partir de 1 de janeiro de 2001, já só podia estar sujeito ao regime social belga dos trabalhadores independentes a título complementar. Por conseguinte, reduziu o montante exigido a 68 137,61 euros, acrescidos de juros, em vez do montante de 125696,50 euros.

26

A sociedade Les Tartes de Chaumont-Gistoux contestou, por seu turno, qualquer sujeição de o. Rombouts ao regime social dos trabalhadores independentes na Bélgica. Sustentou que o artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Decreto Real n.o 38, na medida em que tem por efeito a aplicação da legislação belga, é contrário ao direito da União e, designadamente, ao artigo 18.o CE.

27

Nestas circunstâncias, a cour du travail de Bruxelles decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Para efeitos da aplicação dos artigos 13.° e [seguintes] do Regulamento n.o 1408/71 e, mais especificamente, para efeitos da aplicação do seu artigo 14.o-C, um Estado-Membro, no âmbito da competência que lhe é reconhecida para definir as condições de sujeição ao regime de segurança social que institui para os trabalhadores independentes, pode equiparar a ‘gestão efetuada do estrangeiro de uma sociedade tributada neste Estado’ ao exercício de uma atividade no seu território?

2)

O artigo 3.o, [n.o 1, quarto parágrafo, do Decreto Real n.o 38] é compatível com o direito da União […], designadamente com a liberdade de circulação e de permanência assegurada pelo artigo 21.o [TFUE], uma vez que não permite que uma pessoa que reside noutro Estado-Membro e efetua no estrangeiro a gestão de uma sociedade tributada na Bélgica ilida a presunção de sujeição ao regime de segurança social dos trabalhadores independentes, enquanto o mandatário que reside na Bélgica e não gere essa sociedade do estrangeiro tem a faculdade de ilidir essa presunção e de provar que não exerce uma atividade independente na aceção do artigo 3.o, [n.o 1, primeiro parágrafo], do Decreto Real n.o 38?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

Quanto à competência

28

O Governo belga considera que o Tribunal de Justiça não é competente para responder à primeira questão na medida em que esta implica que o Tribunal de Justiça seria levado a interpretar o artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Decreto Real n.o 38 ou a analisar a sua compatibilidade com o artigo 14.o-C do Regulamento n.o 1408/71.

29

A este respeito, basta constatar que esta primeira questão, pela sua própria redação, visa a interpretação de disposições do direito da União, no caso concreto os artigos 13.° e seguintes do Regulamento n.o 1408/71, e não a interpretação de uma disposição de direito nacional ou uma apreciação da compatibilidade desta com o direito da União.

30

Em conformidade com jurisprudência constante (v., designadamente, acórdão de 27 de janeiro de 2011, Vandoorne, C-489/09, Colet., p. I-225, n.o 25 e jurisprudência referida), o Tribunal de Justiça é competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito da União que lhe possam permitir apreciar a compatibilidade de uma disposição de direito nacional para a decisão do litígio que lhe foi submetido.

31

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça é competente para analisar a primeira questão.

Quanto à admissibilidade

32

O Governo belga sustenta que a primeira questão é inadmissível, uma vez que é irrelevante para a resolução do litígio no processo principal de proceder a uma interpretação do artigo 14.o-C, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71.

33

Com efeito, não haveria que aplicar a presunção inilidível prevista no artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Decreto Real n.o 38 para sujeitar O. Rombouts ao regime social belga dos trabalhadores independentes.

34

Essa presunção visa abranger os representantes que gerem, a partir do estrangeiro, sociedades com sede na Bélgica, que não declarem nenhum rendimento como dirigentes de empresa nesse Estado-Membro e que invoquem a gratuitidade do exercício do seu mandato a fim de excluir a existência da condição de exercício de uma atividade profissional, a que está subordinada a sujeição.

35

Ora, segundo o Governo belga, para o período em causa no litígio no processo principal, O. Rombouts foi sujeito ao imposto belga dos não residentes em razão da sua atividade de representante da sociedade, enquanto seu administrador, por aplicação conjugada dos artigos 2.°, n.o 1, alínea a), 227.°, n.o 1, e 228.°, n.o 1, do Código dos impostos sobre os rendimentos de 1992, bem como do artigo 16.o da Convenção entre a Bélgica e Portugal para evitar a dupla tributação e regular algumas outras questões em matéria de impostos sobre os rendimentos, assinada em Bruxelas, em 16 de julho de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 787, p. 4), alterada por uma Convenção adicional assinada em Bruxelas, em 6 de março de 1995 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 2155, p. 76), que entrou em vigor em 5 de abril de 2001.

36

O Governo belga acrescenta que o. Rombouts nunca contestou esta sujeição e que as contribuições sociais objeto do litígio no processo principal foram calculadas com base nos rendimentos de dirigente de empresa considerados pela Administração Fiscal.

37

Por conseguinte, nem O. Rombouts nem a sociedade Les Tartes de Chaumont-Gistoux podiam invocar o exercício gratuito do mandato para contestar a existência da condição de exercício de uma atividade profissional.

38

A este respeito, basta constatar que, nas suas observações escritas, o Governo belga explicou que a presunção enunciada no artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Decreto Real n.o 38 prevê de forma inilidível a sujeição dos representantes de sociedades ao regime belga dos trabalhadores independentes, «ainda» que não tenham declarado nenhum rendimento em virtude desse mandato.

39

Isso implica que, segundo o próprio Governo belga, esta presunção se aplica igualmente aos mandatários de sociedades como a que está em causa no processo principal que estão sujeitos na Bélgica ao imposto dos não residentes em razão da sua atividade de representante da sociedade.

40

A primeira questão não é por isso desprovida de pertinência, na medida em que visa o artigo 14.o-C, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71.

41

Como tal, é admissível.

Quanto ao mérito

42

A título liminar, importa referir que o órgão jurisdicional de reenvio circunscreveu o litígio que foi chamado a dirimir à situação relativa aos períodos durante os quais o representante social em causa residia em Portugal e onde exercia uma atividade assalariada ou não exercia nenhuma outra atividade. Considera que, em relação a esses períodos, o Regulamento n.o 1408/71 e o seu Anexo VII não parecem excluir uma sujeição ao regime social belga dos trabalhadores independentes. O Tribunal de Justiça deve limitar a sua análise apenas a esta situação.

43

Neste contexto, importa considerar que, com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito da União, em especial os artigos 13.°, n.o 2, alínea b), e 14.°-C, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, bem como o Anexo VII deste, se opõe a uma regulamentação nacional que, como o artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Decreto Real n.o 38, permite a um Estado-Membro presumir, de forma inilidível, que é exercida no seu território uma atividade de gestão, realizada a partir de outro Estado-Membro, de uma sociedade sujeita a imposto nesse primeiro Estado.

44

Com essa questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta em que medida um Estado-Membro pode, para efeitos de sujeição ao seu regime de segurança social de trabalhadores não assalariados, definir o local de exercício da atividade dos trabalhadores em causa.

45

A este propósito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, as disposições do título II do Regulamento n.o 1408/71 que determinam a legislação aplicável aos trabalhadores que se deslocam no interior da União Europeia vão no sentido de os interessados estarem, em princípio, sujeitos ao regime de segurança social de um único Estado-Membro, de forma a evitar as cumulações de legislações nacionais aplicáveis e os problemas que daí possam resultar. Este princípio encontra expressão, designadamente, no artigo 13.o, n.o 1, deste regulamento (v., designadamente, acórdão de 12 de junho de 2012, Hudzinski e Wawrzyniak, C-611/10C-612/10, n.o 41).

46

Cumpre igualmente recordar que as disposições do Regulamento n.o 1408/71 devem ser interpretadas à luz do objetivo do artigo 48.o TFUE, que é contribuir para o estabelecimento de uma liberdade de circulação dos trabalhadores migrantes tão completa quanto possível (v. acórdão Hudzinski e Wawrzyniak, já referido, n.o 53).

47

O oitavo considerando do Regulamento n.o 1408/71 sublinha que importa sujeitar os trabalhadores assalariados e não assalariados ao regime da segurança social de um único Estado-Membro. O nono considerando do mesmo regulamento acrescenta que importa limitar tanto quanto possível o número e o alcance dos casos em que, por derrogação da regra geral, um trabalhador está simultaneamente sujeito à legislação de dois Estados-Membros.

48

Em conformidade com o décimo considerando do referido regulamento, o critério adequado para o efeito de determinar a legislação aplicável é, regra geral, o lugar do exercício da atividade assalariada ou não assalariada. O décimo primeiro considerando do Regulamento n.o 1408/71 visa apenas derrogações em situações específicas que justifiquem outro critério de conexão.

49

Assim, resulta da economia e do sistema do Regulamento n.o 1408/71 que o critério do «lugar do exercício» da atividade assalariada ou não assalariada do trabalhador em causa é o critério principal para efeitos da designação de uma única legislação aplicável e que este critério só deve ser derrogado em situações específicas, através de critérios de conexão subsidiários como os do Estado da residência do trabalhador, do Estado da sede da empresa que é a sua entidade patronal ou do lugar de uma sucursal ou representação permanente desta, ou do lugar da atividade principal do trabalhador, previstos nos artigos 14.°, n.os 2 e 3, 14.°-A, n.os 2 e 3, e 14.°-C, alínea a), in fine, do Regulamento n.o 1408/71.

50

Quanto aos conceitos de «atividade assalariada» e de «atividade não assalariada» na aceção dos artigos 13.° e seguintes do Regulamento n.o 1408/71, visam as atividades como tal consideradas para a aplicação da legislação social do Estado-Membro no território do qual essas atividades são exercidas (v., designadamente, acórdãos de 30 de janeiro de 1997, de Jaeck, C-340/94, Colet., p. I-461, n.o 34, e Hervein e Hervillier, C-221/95, Colet., p. I-609, n.o 22).

51

Esses conceitos decorrem, portanto, quanto ao seu conteúdo, das legislações dos Estados-Membros no território dos quais as atividades assalariadas ou não assalariadas são exercidas.

52

Assim, para efeitos da aplicação dos artigos 13.° e seguintes do Regulamento n.o 1408/71, a determinação do lugar do exercício da atividade profissional do trabalhador que, como resulta do décimo considerando deste regulamento, condiciona regra geral a designação da legislação aplicável precede a qualificação da atividade como atividade assalariada ou não assalariada.

53

No entanto, diferentemente dos conceitos de «atividade assalariada» e de «atividade não assalariada», deve considerar-se que o conceito de «lugar do exercício» de uma atividade decorre não das legislações dos Estados-Membros, mas do direito da União, e, por conseguinte, da interpretação que o Tribunal de Justiça lhe dá.

54

Com efeito, se este conceito decorresse igualmente das legislações dos Estados-Membros, o critério que constitui podia ser objeto de definições ou de interpretações contraditórias por parte dos Estados-Membros em causa e conduzir, para uma pessoa determinada, à aplicação cumulativa de várias legislações a uma mesma atividade. Ora, essa cumulação criaria o risco de sujeitar um interessado a uma dupla contribuição social sobre o mesmo rendimento e penalizaria, por isso, o trabalhador que exerceu o seu direito à livre circulação como consagrado pelo direito da União, o que seria, assim, manifestamente contrário aos objetivos do Regulamento n.o 1408/71.

55

Como foi declarado pelo Tribunal de Justiça no que respeita ao artigo 14.o-D, n.o 2, do referido regulamento, este impõe aos Estados-Membros a obrigação de tratarem de forma não discriminatória os trabalhadores sujeitos às disposições do artigo 14.o-C, alínea b), deste mesmo regulamento, relativamente aos trabalhadores que exercem todas as suas atividades num só Estado-Membro (v. acórdão de 9 de março de 2006, Piatkowski, C-493/04, Colet., p. I-2369, n.o 27).

56

Para efeitos da interpretação do conceito de «lugar do exercício» como conceito do direito da União, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a determinação do significado e do alcance dos termos para os quais o direito da União não fornece nenhuma definição deve ser estabelecida em conformidade com o sentido habitual em linguagem corrente destes, tendo em conta o contexto no qual são utilizados e os objetivos prosseguidos pela legislação da qual fazem parte (v., designadamente, acórdão de 10 de março de 2005, easyCar, C-336/03, Colet., p. I-1947, n.o 21 e jurisprudência referida).

57

A este propósito, o conceito de «lugar do exercício» de uma atividade deve ser entendido, em conformidade com o sentido primário dos termos utilizados, como designando o lugar onde, concretamente, a pessoa em causa cumpre os atos ligados a essa atividade.

58

Ora, ao presumir, de forma inilidível, que se considera que as pessoas designadas como representantes de uma sociedade ou associação sujeita ao imposto belga das sociedades ou ao imposto belga dos não residentes exercem, na Bélgica, uma atividade profissional como trabalhador independente, as disposições nacionais em causa arriscam-se a conduzir assim a uma definição do lugar do exercício da atividade que não corresponderia à que resulta do número anterior do presente acórdão e, assim, a serem contrárias ao direito da União.

59

Sendo certo que o direito da União não prejudica a competência dos Estados-Membros para organizarem os seus regimes de segurança social e que compete, na falta de harmonização a nível comunitário, à legislação de cada Estado-Membro em causa determinar as condições do direito ou da obrigação de se filiar num regime de segurança social, importa, no entanto, que, no exercício da sua competência, o Estado-Membro em causa respeite o direito da União (v., designadamente, acórdão Piatkowski, já referido, n.os 32 e 33).

60

Na verdade, como alega o Governo belga, a presunção em causa no processo principal pode impedir a fraude em matéria de segurança social que consiste em subtrair-se à natureza obrigatória do regime social dos trabalhadores independentes através de uma deslocalização artificial da atividade dos representantes sociais de sociedades com sede na Bélgica. Todavia, ao conferir um caráter inilidível a esta presunção, a regulamentação nacional em causa vai mais longe do que é estritamente necessário para atingir esse objetivo legítimo de lutar contra a fraude, uma vez que obsta de modo geral à possibilidade de os trabalhadores em causa justificarem, perante o juiz nacional, que o lugar do exercício da atividade se situa, na realidade, no território de outro Estado-Membro onde realizam, mais concretamente, os atos ligados a essa atividade.

61

Importa, assim, responder à primeira questão que o direito da União, em especial os artigos 13.°, n.o 2, alínea b), e 14.°-C, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, bem como o Anexo VII deste, se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal na medida em que permite a um Estado-Membro presumir, de forma inilidível, que é exercida no seu território uma atividade de gestão, a partir de outro Estado-Membro, de uma sociedade sujeita a imposto nesse primeiro Estado.

Quanto à segunda questão

62

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que examinar a segunda questão.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O direito da União, em especial os artigos 13.°, n.o 2, alínea b), e 14.°-C, alínea b), do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1606/98 do Conselho, de 29 de junho de 1998, bem como o Anexo VII do referido regulamento, opõe-se a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal na medida em que permite a um Estado-Membro presumir, de forma inilidível, que é exercida no seu território uma atividade de gestão, a partir de outro Estado-Membro, de uma sociedade sujeita a imposto nesse primeiro Estado.

 

Assinaturas


( *1 )   Língua do processo: francês.