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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 11 de Fevereiro de 2010 1(1)

Processo C-492/08

Comissão Europeia

contra

República Francesa

«Directiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Taxa reduzida de IVA – Categorias de serviços a que se refere o ponto 15 do Anexo III e que podem beneficiar de uma taxa reduzida – Prestações de serviços dos advogados e equiparados pelas quais são compensados pelo Estado francês no âmbito do apoio judiciário»





I –    Introdução

1.        A República Francesa aplica, desde 1 de Abril de 1991, ao abrigo do artigo 279.° do Código geral dos impostos francês (a seguir «code général des impôts»), uma taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») de 5,5% às prestações de serviços dos advogados, dos advogados junto do Conseil d’État (França) e da Cour de cassation (França) e dos «avoués» (a seguir, conjuntamente, «advogados»), pelas quais estes são total ou parcialmente compensados pelo Estado no âmbito do apoio judiciário.

2.        A Comissão das Comunidades Europeias requereu ao Tribunal de Justiça que declarasse que, ao aplicar a referida taxa reduzida, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 96.° e 98.°, n.° 2, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, a seguir «Directiva IVA»).

3.        Em sua defesa, a República Francesa alegou que as prestações de serviços dos advogados no âmbito do apoio judiciário se enquadram nas «prestações de serviços por organizações consideradas de beneficência pelos Estados-Membros, empenhadas em actividades de assistência social ou segurança social» abrangidas pelo ponto 15 do Anexo III da Directiva IVA, pelo que tais prestações podem beneficiar de uma taxa reduzida de IVA.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União Europeia (2)

4.        A Directiva IVA procedeu, por razões de clareza e de racionalidade, à reformulação das disposições da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, a seguir «Sexta Directiva») –, a qual já antes fora substancialmente modificada por diversas vezes.

5.        As disposições da Directiva IVA, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007, revogaram e substituíram as da Sexta Directiva, com efeitos a partir da referida data. A continuidade entre os dois diplomas resulta claramente do artigo 411.°, n.° 2, da Directiva IVA, designadamente ao remeter para o quadro de correspondência constante do Anexo XII.

6.        Os artigos 96.° e seguintes da Directiva IVA correspondem, no essencial, ao artigo 12.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva.

7.        O artigo 96.° da Directiva IVA prevê:

«Os Estados-Membros aplicam uma taxa normal de IVA fixada por cada Estado-Membro numa percentagem do valor tributável que é idêntica para a entrega de bens e para a prestação de serviços.»

8.        O artigo 97.°, n.° 1, da Directiva IVA, prevê que, a partir de 1 de Janeiro de 2006 e até 31 de Dezembro de 2010, a taxa normal não pode ser inferior a 15%.

9.        Nos termos do artigo 98.° da Directiva IVA:

«1.      Os Estados-Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas.

2.      As taxas reduzidas aplicam-se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III.

[...]».

10.      O Anexo III da Directiva IVA, intitulado «Lista das entregas de bens e das prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas previstas no artigo 98.°», menciona, no ponto 15, «Entregas de bens e prestações de serviços por organizações consideradas de beneficência pelos Estados–Membros, empenhadas em actividades de assistência social ou segurança social, desde que tais operações não estejam isentas ao abrigo dos artigos 132.°, 135.° e 136.°» (3).

B –    Legislação nacional

11.      O artigo 279.° do code général des impôts, resultante do artigo 32.° IV da lei das finanças francesa para 1991 (loi n.° 901168, de 29 de Dezembro de 1990, a seguir «loi de finances»), dispõe, com efeitos a partir de 1 de Abril de 1991 (4):

«O imposto sobre o valor acrescentado é cobrado à taxa reduzida de 5,50% relativamente a: [...]

f. prestações de serviços dos advogados, dos advogados junto do Conseil d’État e da Cour de cassation e dos ‘avoués’, pelas quais estes são total ou parcialmente compensados pelo Estado no âmbito do apoio judiciário; […]» (5).

III – Procedimento pré-contencioso

12.      Considerando que a aplicação de uma taxa reduzida de IVA às prestações dos advogados, dos advogados junto do Conseil d’État e da Cour de cassation e dos «avoués», pelas quais estes são total ou parcialmente compensados pelo Estado no âmbito do apoio judiciário, em conformidade com o artigo 279.°, alínea f), do code général des impôts, devia ser considerada incompatível com as disposições do artigo 12.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva, conjugadas com as do Anexo H desta, a Comissão decidiu iniciar o procedimento previsto no artigo 226.° CE, enviando à República Francesa uma notificação para cumprir, por carta de 10 de Abril de 2006.

13.      Não se mostrando convencida pela argumentação aduzida pelas autoridades francesas na sua resposta de 12 Junho de 2006, a Comissão enviou-lhes, em 15 de Dezembro de 2006, um parecer fundamentado, convidando-as a adoptar as medidas de conformidade aí indicadas, no prazo de dois meses a contar da recepção do referido parecer.

14.      Por carta de 13 de Fevereiro de 2007, a República Francesa fez saber que considerava sem fundamento a acusação formulada. Tendo verificado que o Estado-Membro não tinha posto termo à infracção que lhe tinha sido imputada, a Comissão intentou a presente acção por incumprimento, com fundamento nos artigos 96.° e 98.°, n.° 2, da Directiva IVA, que substituíram o artigo 12.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva a partir de 1 de Janeiro de 2007.

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

15.      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao aplicar uma taxa reduzida de IVA às prestações de serviços dos advogados pelas quais estes são total ou parcialmente compensados pelo Estado no âmbito do apoio judiciário, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 96.° e 98.°, n.° 2, parágrafo 2, da Directiva IVA. Alega que os referidos prestadores de serviços não podem ser vistos como «organizações consideradas de beneficência pelos Estados–Membros, empenhadas em actividades de assistência social ou segurança social» na acepção desta directiva. A Comissão pediu igualmente a condenação da República Francesa nas despesas.

16.      O Estado-Membro demandado pediu que a acção fosse julgada improcedente, preconizando uma interpretação diferente das disposições em causa e ainda a condenação da Comissão nas despesas.

V –    Análise do incumprimento

17.      Desde logo, parece-me necessário recordar que o apoio judiciário tem a natureza de direito fundamental, do mesmo modo que o regime no qual se integra. De seguida, abordarei os aspectos económicos do processo e, depois, os métodos de interpretação pertinentes na causa, antes de analisar as disposições em discussão. Contudo, antes de mais, impõe-se uma precisão quanto à aplicação destas disposições no tempo.

A –    As disposições aplicáveis ratione temporis

18.      A título preliminar, como fez notar a Comissão, sem que tal tomada de posição tenha suscitado oposição por parte da República Francesa, é necessário precisar que se aplicam as disposições da Directiva IVA, e não as da Sexta Directiva, porquanto o prazo concedido às autoridades francesas para se conformarem com o parecer fundamentado expirava em data posterior à da revogação da Sexta Directiva, ocorrida em 1 de Janeiro de 2007.

B –    O apoio judiciário, elemento do direito fundamental de acesso à justiça

19.      O direito de aceder de forma efectiva a um tribunal, designadamente por via da supressão de um eventual obstáculo financeiro a esse acesso, foi reconhecido como um direito fundamental, quer pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem (6) (a seguir «CEDH») quer pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, adoptado pela Assembleia Geral das Nações Unidas (7). A possibilidade de obter assistência gratuita por advogado nomeado oficiosamente só está expressamente garantida nestes textos em benefício de uma pessoa acusada, ou seja, no âmbito do processo penal.

20.      No entanto, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem estendeu esta prerrogativa aos processos cíveis (8), tendo esclarecido, por acórdão proferido em 9 de Outubro de 1979 (9), que o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH só impõe aos Estados contratantes que tomem as medidas necessárias para garantir assistência jurídica gratuita quando esta se revelar indispensável para assegurar o acesso efectivo à justiça, quer porque a lei prescreve a representação por um advogado, quer em razão da complexidade do processo ou da respectiva tramitação (10). Aquele Tribunal interpretou este artigo no sentido de que consagra o princípio segundo o qual o apoio judiciário é um instrumento útil, mas não sistematicamente necessário, para tornar efectivo o direito de acesso à justiça e para, assim, tornar o processo equitativo na acepção deste texto. Portanto, este direito não é absoluto. Só é imperativo que o apoio judiciário seja concedido quando a respectiva inexistência tornar ineficaz a garantia de acesso efectivo à justiça.

21.      Penso que o apoio judiciário é cada vez mais considerado um elemento social necessário para assegurar a eficácia do direito fundamental de acesso à justiça e, por conseguinte, de acesso ao direito de uma forma generalizada.

22.      Este processo evolutivo decorre, em particular, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (11), cujo artigo 47.°, intitulado «Direito à acção e a um tribunal imparcial», prevê e enquadra o direito ao apoio judiciário perante qualquer jurisdição. Nos termos do último parágrafo deste artigo, «[é] concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efectividade do acesso à justiça». É patente que este texto foi redigido na linha traçada pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

23.      De igual forma, a Directiva 2003/8/CE do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços, através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios (12) refere-se expressamente à CEDH e à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

24.      Em consequência, há que reconhecer, a título preliminar, que o objectivo de favorecer o acesso à justiça, e de uma maneira geral, ao direito, a pessoas que dispõem de recursos insuficientes está em conformidade com os valores fundamentais do sistema de protecção judiciária prevalecente na União.

C –    O regime do apoio judiciário em França

25.      Decorre da Lei n.° 91-647, de 10 de Julho de 1991, relativa ao apoio jurídico (13), que as pessoas, singulares ou colectivas, cujos recursos sejam insuficientes (14) para fazer valer os seus direitos perante a justiça podem beneficiar de apoio.

26.      O beneficiário do apoio judiciário fica dispensado quer do pagamento antecipado, ou da consignação de um montante para custas processuais, quer do pagamento de quaisquer despesas ocasionadas pelo processo para o qual este apoio foi concedido, quer total, quer parcialmente.

27.      Quando o apoio judiciário é total, o Estado assume o pagamento da totalidade das despesas que seriam da responsabilidade da pessoa em causa (honorários dos advogados, emolumentos dos oficiais de justiça, remuneração dos notários, encargos com peritagens, etc. (15)). O montante da retribuição dos advogados, que é fixo, é estabelecido de acordo com uma tabela que assenta num coeficiente de base contendo um certo número de unidades de valor (16) definido para os diversos tipos de processos de que as jurisdições (17) podem conhecer.

28.      Quando o apoio judiciário é parcial, o Estado só suporta uma parte da remuneração dos auxiliares de justiça. A parte com que o Estado contribui é fixada numa percentagem do apoio judiciário total, a qual é inversamente proporcional aos recursos do beneficiário (18) do apoio. O advogado tem ainda direito a uma retribuição complementar, que pode ser mais ou menos importante. O montante destes honorários complementares é negociado livremente entre o advogado e o seu cliente, embora deva respeitar critérios definidos por lei, que devem ter em conta, designadamente, considerações financeiras (19). Tal acordo deve ser concluído antes de qualquer intervenção, mediante convenção escrita submetida à fiscalização do Bastonário da Ordem dos Advogados, sob pena de nulidade.

29.      Em França não existem gabinetes públicos de assistência jurídica que completem os serviços prestados pelos advogados, contrariamente à situação que existe no noutros países, como na Finlândia (20) e em certos Länder alemães.

D –    Aspectos económicos do processo

30.      O IVA é um imposto geral sobre o consumo que abrange todos os bens e serviços consumidos ou utilizados nos Estados-Membros da União. No que respeita aos serviços prestados por advogados, é o cliente, na qualidade de consumidor final, que utiliza o serviço, e que, portanto, e em conformidade com a lógica do IVA, é onerado por este imposto. No âmbito do apoio judiciário, este encargo económico é, total ou parcialmente, suportado pelo Estado.

31.      Em caso de apoio judiciário total, a aplicação de uma taxa reduzida de IVA não tem um impacto perceptível aos olhos do beneficiário de tal apoio. Dado que não suporta nenhum encargo com advogados, o interessado não tem consciência da concessão que lhe é feita à custa das finanças gerais do Estado, representada pela redução da taxa de IVA (21). Com efeito, verifico que, neste caso, a aplicação de uma taxa reduzida limita a quantidade dos meios orçamentais directamente destinados ao financiamento do apoio judiciário mas que, ao mesmo tempo, o Estado paga menos impostos, em seu próprio benefício.

32.      Pelo contrário, o beneficiário de apoio judiciário parcial deve pagar ao seu advogado os honorários complementares negociados. Graças à aplicação de uma taxa de IVA reduzida, o interessado pode beneficiar de uma ajuda fiscal que completa a ajuda directa que recebe sob a forma de apoio judiciário. Contudo, deve salientar-se que este resultado positivo para o beneficiário do apoio judiciário só é alcançado se a retribuição complementar (sem IVA) tiver sido fixada no nível mais baixo aceitável para o advogado. Pelo contrário, quando os honorários (com IVA) tiverem sido fixados no máximo absoluto admissível para o cliente, a vantagem fiscal aproveita ao advogado. Entre estes dois extremos, a margem entre a taxa reduzida e a taxa normal é partilhada pelas partes. É certo que uma redução das taxas de IVA não beneficia necessariamente o consumidor final (22).

33.      Uma análise de direito comparado revela que a República Francesa não é o único Estado-Membro da União a ter decidido aplicar um regime específico aos serviços prestados por advogados no âmbito do apoio judiciário. Com efeito, resulta de um documento elaborado pela Comissão (23) que os referidos serviços estão sujeitos a uma taxa reduzida de IVA não apenas em França, mas também em Portugal. O documento indica que, neste último Estado, as «prestações cobradas no quadro de assistência judiciária ou [da] nomeação oficiosa [, as] prestações relativas aos direitos das pessoas e da família [e as] prestações relativas ao direito do trabalho» estão sujeitas a uma taxa de IVA reduzida de 5%, em vez de 5,5% em França, enquanto as outras prestações de advogados estão sujeitas a uma taxa de IVA que ascende a 20% em Portugal, contra 19,6% em França.

34.      Chegados a este ponto, há uma questão que se coloca com particular acuidade: a aplicação da taxa normal de IVA tem como consequência limitar o acesso ao direito, como pretende a República Francesa?

35.      A Comissão não partilha deste ponto de vista porquanto menciona na sua petição que, conforme já referido, quando o Estado suporta integralmente os honorários facturados ao beneficiário do apoio judiciário, este não é afectado pela aplicação da taxa normal de IVA. Existe incidência negativa unicamente nos casos em que o apoio judiciário seja parcial. Acresce que, em sua opinião, a aplicação da taxa normal às prestações efectuadas pelos advogados no âmbito do apoio judiciário permitiria à República Francesa arrecadar mais recursos, que poderiam, designadamente, ser destinados ao aumento das verbas disponíveis para conceder este apoio. O Governo francês poderia assim suportar a totalidade dos montantes, incluindo o IVA, facturados pelos advogados às pessoas que beneficiam deste apoio. É o nível da ajuda concedida aos beneficiários, e não a taxa do IVA aplicada, que determina a acessibilidade aos serviços prestados por estes profissionais.

36.      Dito de outra forma, a Comissão alega que a aplicação da taxa normal de IVA não tem incidência na situação financeira dos beneficiários quando o apoio judiciário está inteiramente coberto pela contribuição do Estado e que as autoridades francesas podem modificar a regulamentação aplicável quando o apoio judiciário é concedido forma parcial, se tiverem a intenção de conceder apoio financeiro aos beneficiários em causa. A análise dos efeitos económicos inerentes às disposições do artigo 279.°, alínea f., do code général des impôts levada a cabo pela Comissão parece-me acertada.

37.      Por outro lado, a neutralidade fiscal e a ausência de distorções da concorrência causadas pelo dispositivo, que são invocadas pela República Francesa, não têm uma importância determinante para efeitos da interpretação dos termos utilizados no ponto 15 do Anexo III da Directiva IVA. A este propósito, é de salientar que o argumento segundo o qual uma operação é fiscalmente neutra parece ser, quer na economia da Directiva IVA quer na jurisprudência do Tribunal de Justiça (24), um factor utilizado para limitar o campo de aplicação das excepções à regra da imposição pela taxa normal (derrogações, isenções, etc.) e não um critério utilizado para justificar uma extensão do seu alcance. Sucede igualmente que o princípio da neutralidade fiscal, que é inerente ao sistema comum do IVA, venha sustentar uma interpretação menos limitativa dos conceitos em causa (25). Mas, no presente caso, tal consideração não me parece essencial, porque o objectivo prosseguido pelos artigos 96.° e 98.°, n.° 2, e pelo Anexo III da Directiva IVA não é tanto evitar falsear a concorrência mas favorecer uma harmonização progressiva das legislações dos Estados-Membros, aproximando as taxas de IVA e limitando as operações que podem ser objecto de taxas reduzidas.

E –    Observações gerais acerca da interpretação do ponto 15 do Anexo III da Directiva IVA

1.      Quanto à transposição da jurisprudência relativa às isenções de IVA

38.      Tanto quanto sei, não existem precedentes jurisprudenciais especificamente nesta matéria. Com efeito, ainda não foi pedido ao Tribunal para se pronunciar sobre a interpretação dos conceitos que figuram no ponto 15 do Anexo III da Directiva IVA, nem dos conceitos equivalentes que anteriormente figuravam na décima-quarta categoria do Anexo H da Sexta Directiva.

39.      Contudo, a República Francesa considera que é necessário transpor a interpretação que o Tribunal de Justiça deu da expressão idêntica «organismos reconhecidos de carácter social» contida no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva, actual artigo 132.°, parágrafo 1, alínea g), da Directiva IVA. Em apoio desta posição, salienta que o artigo 98.° da Directiva IVA remete para o artigo 132.°, deduzindo que é necessário adoptar uma concepção uniforme dos termos utilizados em matéria de taxa reduzida de IVA e de isenção de IVA.

40.      Efectivamente, os princípios de interpretação decorrentes da jurisprudência respeitante às isenções de IVA parecem-me pertinentes e podem ser utilmente transpostos para interpretar o Anexo III relativo às taxas reduzidas de IVA (26). Sou de opinião que, por razões de coerência, os mesmos critérios devem ser utilizados para conceitos idênticos, tanto mais que, neste caso, a taxa em causa é tão baixa (5,5%), em comparação com a taxa normal (19,6%), que os efeitos desta redução do IVA se aproximam dos de uma isenção.

2.      Quanto aos métodos de interpretação pertinentes

41.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça indica claramente que a interpretação das disposições relativas às isenções de IVA deve ser efectuada à luz e no respeito dos fins que estas prosseguem (27). Assim, foi sublinhado que o objectivo de uma isenção era aligeirar a carga fiscal que pesa sobre os consumidores (28).

42.      A mesma abordagem teleológica deve ser adoptada para as disposições relativas às taxas reduzidas de IVA. Decorre da lista de bens e serviços susceptíveis de beneficiarem de taxa reduzida constante do Anexo H da Sexta Directiva, e posteriomente do Anexo III da Directiva IVA, que o legislador parece ter tido a intenção de permitir aos Estados-Membros aplicarem uma taxa reduzida de IVA a certas categorias de actividades com finalidades sociais e/ou públicas (29).

43.      Contudo, o Anexo III da Directiva IVA, tal como anteriormente o Anexo H da Sexta Directiva, não se baseia numa abordagem coerente com as suas origens. As diferentes categorias enumeradas por este diploma não formam um conjunto estruturado (30). Afiguram-se constituir o resultado da adopção de várias taxas reduzidas que já antes existiam nos Estados-Membros. A combinação, sem uma lógica interna, não tem verdadeiramente sentido e não permite uma interpretação contextualizada. Em consequência, haverá poucas respostas construtivas a esperar da análise dos trabalhos preparatórios (31).

3.      Quanto à interpretação mais ou menos ampla dos conceitos em causa

44.      A Comissão considera que os conceitos contidos no ponto 15 do Anexo III da Directiva IVA requerem uma interpretação «estrita» ou mesmo «restritiva», sabendo-se que se trata de derrogações ao princípio segundo o qual deve ser aplicada a taxa normal de IVA. A este respeito, baseia-se no acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo C-83/99, que respeita à taxa reduzida de IVA autorizada pelo Anexo H, quinta categoria, da Sexta Directiva (32).

45.      É verdade que o campo de aplicação de uma norma que institui uma excepção a um princípio geral, neste caso o princípio da tributação, deve ser concebido de forma rigorosa (33). Contudo, tal não implica que se adopte uma abordagem restritiva. Assim, no que respeita às isenções permitidas relativamente a certas actividades de interesse geral, o Tribunal de Justiça decidiu que o conceito de «organismos reconhecidos de carácter social […] não reclama uma interpretação particularmente restritiva» (34).

46.      Com efeito, a interpretação da Directiva IVA não deve ser tão restritiva que exclua soluções adoptadas por certos Estados-Membros para organizar uma actividade abrangida por um regime especial expressamente previsto por este diploma. É necessário atentar nas diferenças existentes entre as várias práticas nacionais no que respeita às prestações de serviços de carácter social e evitar que a realização do efeito útil das derrogações em causa seja posta em causa. Parece-me que foi esta a filosofia adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kingscrest (35). Esta consideração resulta igualmente do acórdão Horizon College (36) e de dois acórdãos recentes (37).

47.      A lista dos bens e serviços elegíveis para a aplicação de uma taxa reduzida, constante do Anexo III da Directiva IVA, foi deliberadamente concebida de forma taxativa, e não puramente exemplificativa. Em princípio, nos termos do artigo 98.°, esta enumeração é exaustiva. Todavia, ainda que a enumeração seja igualmente taxativa em matéria de isenções de IVA, tal não impediu o Tribunal de Justiça de, neste domínio, adoptar uma qualificação não redutora.

48.      Em meu entender, a interpretação da Directiva IVA deve basear-se essencialmente nos objectivos fiscais e económicos do regime geral deste imposto sobre o consumo, o qual, de resto, faz parte da base de recursos próprios da União. Partindo deste ponto de vista, é possível afirmar que o alcance das práticas económicas que beneficiam das excepções não pode ser alargado através de uma interpretação liberal.

4.      Quanto à interpretação decorrente dos termos utilizados

a)      Quanto às disparidades existentes entre as versões linguísticas

49.      A comparação entre diferentes versões linguísticas da Directiva IVA revela que os termos utilizados no ponto 15 do Anexo III não correspondem exactamente aos conceitos que figuram na versão francesa.

50.      Pode notar-se que o conceito de «organismo» que figura na versão francesa não se encontra nos mesmos termos em todas as outras versões. A diversidade dos termos utilizados para o conceito de organismo e a sua repercussão sobre as dificuldades de interpretação já foram sublinhadas noutras ocasiões (38). Parece-me que este termo não deveria suscitar problemas particulares porquanto, como se verá mais adiante, é um dado adquirido que, em matéria de IVA, mesmo uma pessoa singular agindo sozinha pode ser considerada um organismo. Esta interpretação pode aplicar-se também aos advogados.

51.      Parece-me que as dificuldades resultam antes da interpretação do «carácter social». Com efeito, quanto a esta primeira parte dos requisitos constantes do ponto 15 do Anexo III, e relativamente às diferentes versões linguísticas deste texto, pode observar-se o seguinte:

–        na versão alemã, a expressão «gemeinnützige» remete para a ideia de «bem comum»,

–        na versão dinamarquesa, a palavra «velgørende» encontra correspondência directa no vocábulo inglês «charitable», sabendo-se que este foi substituído pelo conceito de «wellbeing» na actual versão inglesa, já que o termo «charitable» utilizado na versão inglesa do Anexo H da sexta directiva foi considerado demasiado restritivo no processo Kingscrest (39).

52.      Quanto à segunda série de requisitos constantes do ponto 15 do Anexo III, pode observar-se que, enquanto a versão francesa remete para a ideia de um acto individual («œuvre»), as versões inglesa, dinamarquesa, italiana, finlandesa e sueca evocam antes uma actividade em sentido geral, ao passo que as versões alemã e polaca se referem a um sector ou campo, termos ainda mais neutros.

53.      As variações entre as versões linguísticas resultam numa ambiguidade extrínseca que reforça a ambiguidade intrínseca dos termos utilizados na versão francesa do ponto 15 do Anexo III da Directiva IVA (40).

54.      Ora, é sabido que, a fim de garantir a aplicação uniforme do direito da União, perante diferenças entre as versões linguísticas de um mesmo acto, nenhuma pode ser considerada isoladamente nem prevalecer sobre as demais, devendo cada uma delas ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (41).

55.      Além disso, a harmonização, que constitui o objectivo primordialmente visado pela Directiva IVA, implica necessariamente que situações de facto idênticas sejam objecto de uma qualificação idêntica e sejam submetidas a um regime único. É evidente que os requisitos exigidos por este diploma para beneficiar de uma taxa reduzida de IVA constituem noções autónomas (42) e devem, consequentemente, ser definidos de uma forma própria à União, e não ser apreendidos sob o ângulo da qualificação que possam ter em direito interno.

b)      Quanto ao «sentido habitual dos termos»

56.      Segundo a Comissão, as disposições do artigo 98.°, n.° 2, e do Anexo III da Directiva IVA devem ser interpretadas em conformidade com sentido o habitual dos termos em causa.

57.      Esta posição é efectivamente confortada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativamente a outras possibilidades de taxa reduzida de IVA, como sejam as autorizadas pelo Anexo H, quinta e oitava categorias, da Sexta Directiva (43).

58.      Assim, seria possível interrogarmo-nos acerca da questão de saber se os advogados podem ser qualificados como um dos organismos visados pelo ponto 15 do Anexo III, quando prestam os seus serviços aos beneficiários do apoio judiciário, à luz do sentido habitual das palavras utilizadas na Directiva IVA.

59.      Contudo, parece-me pouco útil aprofundar esta análise, considerando as variações existentes entre as diferentes versões linguísticas. As cambiantes que se poderiam encontrar na terminologia francesa não seriam necessariamente válidas face aos conceitos escolhidos nas outras línguas oficiais.

60.      O principal ensinamento a reter desta jurisprudência é o de que, em caso de hesitação entre duas interpretações de palavras utilizadas no ponto 15 do Anexo III, há que afastar a concepção mais extensiva e optar pelo significado mais próximo do sentido habitual destes termos.

F –    O alcance das disposições do ponto 15 do anexo III da Directiva IVA

1.      Quanto ao carácter cumulativo dos critérios fixados pelo texto

61.      O ponto 15 do Anexo III da Directiva IVA prevê dois requisitos para que uma prestação de serviços, ou uma entrega de bens, possa beneficiar, a esse título, de uma taxa reduzida de IVA: por um lado, os prestadores de serviços abrangidos devem ter uma certa qualidade, ou seja, serem «organizações consideradas de beneficência pelos Estados-Membros», e, por outro lado, os serviços fornecidos devem ser de uma certa natureza, ou seja, consistir em «actividades de assistência social ou segurança social» (44).

62.      Ambas as partes na acção parecem partilhar o ponto de vista segundo o qual os requisitos de aplicação têm carácter cumulativo. Em contrapartida, adoptam uma concepção diferente quanto ao alcance dos termos utilizados para as enunciar.

63.      A Comissão considera, por um lado, que os advogados que actuam no âmbito do apoio judiciário não podem ser considerados organizações nos termos visados nesta disposição e, por outro lado, que as respectivas prestações neste contexto não podem ser assimiladas a obras de assistência social e de segurança social.

64.      Em contrapartida, a República Francesa alega que o artigo 279.°, alínea f., do code général des impôts é compatível com os artigos 96.° e 98.° da Directiva IVA, uma vez as prestações pelas quais os advogados são, total ou parcialmente, compensados pelo Estado no âmbito do apoio judiciário cumprem ambos os requisitos impostos pelo ponto 15 do Anexo III da referida directiva.

65.      Com o intuito de tomar posição a este respeito, parece-me mais frutuoso inverter a ordem de exame dos requisitos estabelecidos pelo texto.

2.      Quanto ao critério da «actividades de assistência social ou segurança social»

a)      Argumentos das partes

66.      A Comissão considera que os advogados que actuam no âmbito do apoio judiciário não estão envolvidos nas obras visadas pelo texto em discussão. Alega que os serviços prestados consistem em assistência jurídica e que, portanto, têm natureza idêntica à dos que são prestados aos clientes que não dispõem de apoio financeiro do Estado. Contesta o argumento avançado pela República Francesa segundo o qual o advogado que assiste um beneficiário do apoio judiciário passa de uma missão de aconselhamento e de defesa para uma missão de assistência social, sublinhando que as expectativas do interessado consistem em obter protecção jurídica e não apoio social. Acrescenta que o facto de a retribuição paga ao advogado no âmbito do apoio judiciário ser geralmente considerada insuficiente em nada altera a natureza das prestações fornecidas pelo advogado, sabendo-se que este deve assumir todos os prejuízos ligados à sua actividade profissional. Sublinha igualmente que os advogados estão sujeitos a várias exigências de ordem deontológica mesmo fora do âmbito do apoio judiciário. Por fim, considera que o IVA, enquanto imposto geral sobre o consumo, não permite a aplicação de taxas de imposto diferentes em função do nível de recursos de cada destinatário dos produtos ou dos serviços.

67.      A República Francesa alega que as actividades cujo conteúdo e a natureza são idênticas devem ou não ser consideradas obras de assistência social em função do nível de recursos dos respectivos destinatários. E ilustra da forma seguinte: a preparação de refeições pode constituir uma obra de assistência social quando é exercida em benefício de pessoas desfavorecidas, enquanto a mesma actividade já não o é quando é exercida em benefício de clientela não indigente. Tal como para a restauração, há que distinguir entre a actividade do advogado que assiste um beneficiário do apoio judiciário e a função tradicional do advogado que age em proveito de uma pessoa solvente. Concede que os serviços prestados nos dois casos são idênticos, mas sustenta que a finalidade social e a exiguidade dos recursos do beneficiário concorrem para conferir às prestações do apoio judiciário do advogado a natureza de uma obra de assistência social.

68.      Sobretudo, a República Francesa propõe um feixe de quatro indícios para determinar se um organismo está envolvido em obras de assistência social e de segurança social, a saber 1) a prossecução de um objectivo social em benefício de pessoas desfavorecidas, 2) a realização de medidas de solidariedade nacional mediante uma forma redistributiva de financiamento, 3) o carácter não lucrativo das prestações fornecidas e 4) as exigências exorbitantes às quais o prestador está sujeito. Considera que o apoio judiciário prestado pelos advogados preenche todas estas condições. Especifica que, ao contrário da leitura que foi feita pela Comissão, não defende que apenas um destes indícios, isoladamente considerado, seja suficiente para estabelecer que os advogados estão envolvidos numa obra de assistência social.

b)      Análise

69.      O termo «social» é uma noção vaga. Comporta, pelo menos, duas dimensões de categorias pertinentes para o presente processo. Um destes aspectos diz respeito à esfera das interacções, relações e instituições humanas fundadas na a vulnerabilidade do indivíduo e na sua necessidade do apoio e da protecção que podem ser-lhe oferecidos pelas diversas comunidades da sociedade contra os riscos inerentes à vida. Esta concepção do social reflecte-se nas instituições normalmente encaradas como instâncias típicas do fenómeno social, como o auxílio económico às pessoas desfavorecidas, a protecção das crianças e dos jovens, os serviços de assistência às necessidades específicas dos doentes, dos deficientes ou das pessoas dependentes de substâncias psicotrópicas. Outro aspecto do «social» diz respeito à solidariedade ou ao altruísmo colectivo indispensável para que as necessidades de todos possam ser equitativamente satisfeitas.

70.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de IVA demonstra por si mesma que estes dois aspectos ou dimensões do social têm uma interacção complexa. Por exemplo, o Tribunal admitiu que finalidade comercial não impedia que se pudesse considerar que um organismo de direito privado que explora lares para crianças e jovens reveste carácter social, solução permitida pelo contexto particular do caso (45). Acresce que, no acórdão Kügler (46), o Tribunal de Justiça declarou que «as prestações de cuidados gerais e de economia doméstica fornecidas por um serviço de cuidados ambulatórios a pessoas em estado de dependência física ou económica […] estão, em princípio, ligadas à assistência social».

71.      No caso presente, parece-me que a missão de assistência assumida pelo advogado no âmbito do apoio judiciário não se substitui à sua missão habitual de aconselhamento e patrocínio mas antes que a completa. Por assim dizer, a contribuição do advogado ao serviço do apoio judiciário confere um matiz social à sua função tradicional.

72.      O critério da natureza da prestação, que é inequivocamente idêntica no âmbito do apoio judiciário e no âmbito das actividades tradicionais dos advogados, invocado a título principal pela Comissão, não me parece suficiente para, por si só, dotar uma actividade de carácter social ou para lhe recusar essa mesma qualificação. Em minha opinião, é esclarecedora a este título a constatação acima referida feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kügler (47).

73.      Parece-me sem fundamento o risco, alegado pela Comissão, da aplicação de uma taxa reduzida ao conjunto das prestações que oferecem assistência às pessoas mais desfavorecidas. Só existiria esse risco se o único critério aplicável fosse o dos destinatários da prestação. Sucede que a República Francesa propõe uma ponderação de acordo com outros critérios, por meio do feixe de quatro indícios que apresenta.

74.      No que respeita ao fraco nível de remuneração dos advogados invocado pela República Francesa, observa-se, contudo que os honorários de um advogado dependem das suas expectativas individuais quanto ao nível de remuneração que considera aceitável. Ora, parece-me que existe em França um grupo de advogados que consideram satisfatório o nível das receitas fornecidas pelo apoio judiciário, pois é bem visível que as missões deste tipo estão concentradas nessa categoria de advogados (48).

75.      Considero que o factor determinante é o contexto no qual o advogado presta os seus serviços. Existem múltiplos exemplos, e em diferentes Estados-Membros, de que os serviços jurídicos, incluindo quer as funções de aconselhamento quer de representação judicial, podem ser prestados em condições que lhes conferem uma natureza social. É o caso do auxílio prestado pelos gabinetes públicos de assistência jurídica, por diferentes organizações da sociedade civil e mesmo por advogados que actuam pro bono em prol das pessoas desfavorecidas, das vítimas de crimes ou dos requerentes de asilo.

76.      No que diz respeito ao dispositivo legislativo francês em causa, o mesmo é tradicionalmente justificado no plano nacional pelo carácter social inerente à situação dos destinatários do apoio judiciário (49).

77.      Parece-me que o apoio judiciário pode efectivamente ser entendido, sem demasiadas dificuldades, como uma «obra de assistência social», uma vez que, baseando-se na solidariedade social, pode ser qualificada de medida de política social (50).

78.      Em contrapartida, subsistem dúvidas reais no que diz respeito ao primeiro parâmetro dos requisitos estabelecidos pelo ponto 15 do Anexo III da Directiva IVA.

3.      Quanto ao critério das «organizações consideradas de beneficência pelos Estados–Membros»

a)      Argumentos das partes

79.      A Comissão defende que os prestadores em causa devem ter uma certa qualidade, ou seja, um atributo constante e estável que os caracterize. Alega que a Directiva IVA exige um certo grau de permanência na relação entre o Estado-Membro e o sujeito cujas prestações beneficiam da taxa reduzida. Afirma que, em França, a aplicação da taxa reduzida a certas prestações dos advogados não está ligada a uma qualidade estável do prestador, mas unicamente ao facto de as referidas prestações serem fornecidas, de forma ocasional, no âmbito do apoio judiciário. Considera ainda que a circunstância de se seguir a interpretação proposta pela República Francesa apresenta um risco, na medida em que tal seria equivalente a aplicar a excepção prevista no ponto 15 a qualquer sujeito, unicamente na condição de as prestações em causa serem remuneradas total ou parcialmente pelo Estado, e não apenas aos prestadores que dispõem de um estatuto privilegiado conferido pelo Estado em atenção ao seu carácter social.

80.      As autoridades francesas refutam ponto par ponto os argumentos da Comissão. No que respeita à estabilidade da ligação entre o Estado e os advogados, a República Francesa alega que, mesmo que se desse tal critério por pertinente, tal estabilidade seria garantida pelo facto de as prestações em causa serem abrangidas pelo artigo 279.°, alínea f., do code général des impôts. Acrescenta que, se nem todos os advogados assumem necessariamente missões regulares de apoio judiciário, qualquer um deles pode, a todo o momento, ser designado por um presidente de secção ou pelo bastonário da ordem dos advogados e é obrigado a responder a este apelo.

81.      Para mais, recorda que, na falta de definição na Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça decidiu que, em princípio, incumbia ao direito interno de cada Estado-Membro estabelecer as regras segundo as quais pode ser reconhecido o carácter social, especificando-se que a jurisprudência forneceu às autoridades nacionais as seguintes indicações para determinar os organismos com carácter social (51): 1) a existência de disposições legais específicas, 2) o carácter de interesse geral das actividades do sujeito em causa, 3) o facto de outros contribuintes que prestam os mesmos serviços beneficiarem de um reconhecimento semelhante (52), e ainda 4) o custo das prestações em causa ser eventualmente suportado em grande medida por organismos de segurança social. Segundo a República Francesa, as disposições do artigo 279.°, alínea f., do code général des impôts cumprem o conjunto destes critérios.

b)      Análise

82.      O Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a interpretação do conceito «organismos reconhecidos de carácter social pelo Estado-Membro em causa» relativamente às disposições do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva, que prevêem «isenções em benefício de certas actividades de interesse geral» correspondentes às enunciadas no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Directiva IVA. É, pois, conveniente adoptar uma concepção uniforme dos conceitos de «organismos» e de «carácter social» que são retomadas em diversas componentes da Directiva IVA e dos respectivos anexos (53), e não atribuir-lhes significados de geometria variável.

83.      Os acórdãos proferidos em matéria de isenção de IVA indicam que o conceito de «organismos de carácter social reconhecidos» é suficientemente abrangente para incluir entidades privadas que prosseguem fins lucrativos ou mesmo uma única pessoa individual agindo num quadro económico, nomeadamente tendo em conta o objectivo de reduzir o custo de certas prestações de serviços de interesse geral realizadas no sector social e, portanto, de as tornar mais acessíveis às pessoas susceptíveis de delas virem a beneficiar (54).

84.      Esta abordagem extensiva que foi adoptada pelo Tribunal de Justiça relativamente às isenções de IVA vale, por maioria de razão, para as reduções de taxas de IVA, permitindo englobar os advogados na categoria das organizações abrangidas pelo campo de aplicação do ponto 15 do Anexo III da Directiva IVA. É certo que o termo «organização» sugere uma entidade individualizada desempenhando uma função particular (55). Contudo, é seguro que este conceito autónomo do direito da União se pode referir a uma ou a várias pessoas singulares que explorem uma empresa, e não apenas a pessoas colectivas. No presente caso, as pessoas sujeitas ao regime do IVA são os advogados, que actuam no âmbito do apoio judiciário, individualmente considerados. Pouco importa em que organização, ordem ou delegação da ordem estes advogados estão inscritos e, em particular, é indiferente que os respectivos modos de designação ou de remuneração pelo exercício desta missão estejam centralizados.

85.      Resulta do acima exposto que os advogados que exercem no âmbito do apoio judiciário se enquadram indubitavelmente no conceito de «organização». De resto, o litígio não versava especialmente sobre este ponto já que, a este respeito, ambas as partes fizeram referência à jurisprudência extensiva do Tribunal de Justiça. A Comissão reconhece-o ao salientar que o que está em causa é unicamente o «carácter social» da organização que efectua a prestação.

86.      Relativamente a este último critério, as partes entram em forte oposição. Com efeito, a Directiva IVA, tal como antes a Sexta Directiva, não define as condições nem as modalidades do reconhecimento do «carácter social» das organizações abrangidas pelo ponto 15 do Anexo III. É de observar que, na versão francesa, a expressão do Anexo III da Directiva IVA retoma exactamente a disposição equivalente da Sexta Directiva. Em contrapartida, na versão inglesa, a formulação foi alterada em comparação com o texto precedente, como já salientei (56).

87.      Parece-me que a exigência de permanência, formulada pela Comissão, não resulta expressamente da letra da Directiva IVA, nem da jurisprudência do Tribunal. Mas será necessário admitir que uma permanência é implicitamente necessária?

88.      Considero que, nas actividades sociais, há necessidade de uma certa estabilidade, senão mesmo de perenidade. Contudo, a permanência acaba por ser relativa, já que o critério temporal não é suficiente por si só. Parece-me ser necessário que a actividade principal, ou até mesmo quase exclusiva, do prestador de serviços revista carácter social. Um simples aspecto social não é suficiente. A interpretação «funcional» defendida pela República Francesa não é conforme ao texto da Directiva IVA nem aos seus objectivos. Tal abordagem conduz à situação estranha de um mesmo organismo poder ter uma dupla qualidade, ou seja, ser-lhe reconhecido carácter social quando pratica actos de natureza social, sendo desprovido de carácter social nos restantes casos. Tal interpretação parece conduzir a uma fusão das duas condições na hipótese de as obras de natureza social constituírem a única indicação deste carácter social. A ser esse o caso, teria sido suficiente que o Anexo III da Directiva IVA estatuísse que se poderia aplicar uma taxa reduzida nas situações em que os prestadores exercem uma actividade de ordem social.

89.      Mas não foi essa a posição adoptada pelo legislador. Não há que admitir uma dupla qualidade na medida em que a Directiva IVA não o permite, contrariamente à possibilidade de variação nela expressamente prevista para os organismos públicos. O que me parece determinante é o campo no qual a actividade decorre, e não a finalidade do organismo. É necessário concentrarmo-nos nos operadores e no que estes fazem, e não nos objectivos que prosseguem.

90.      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as autoridades nacionais dispõem de poderes de apreciação a fim de reconhecerem a uma entidade o estatuto de organismo de carácter social, embora tais poderes devam ser exercidos em conformidade com o direito da União (57). Contudo, resulta desta jurisprudência que o processo segundo o qual o reconhecimento do carácter social pode ser efectuado não depende de uma abordagem puramente nacional. É certo que compete às autoridades dos Estados-Membros a atribuição de tal qualidade, embora sob a fiscalização das jurisdições nacionais, as quais devem actuar à luz das exigências do direito da União e ter em conta critérios não limitativos fixados pelos acórdãos do Tribunal de Justiça (58).

91.      No que respeita às actividades exercidas por um advogado no âmbito do apoio judiciário e abrangidas pelo code général des impôts, penso que não se pode falar do «carácter social» do organismo em causa porque esta expressão, a meu ver, remete para um sujeito com uma certa permanência e uma certa preponderância relativamente à natureza das suas actividades. A fim de salvaguardar o efeito útil da Directiva IVA e de conservar o carácter limitativo do Anexo III, é necessário adoptar uma interpretação das disposições do ponto 15 segundo a qual, não apenas a actividade mas igualmente a organização em causa devem revestir um carácter social suficientemente marcado, ou mesmo dominante. Ora, este último critério, entendido no sentido habitual do termo, não é preenchido pelos advogados, dado que, em minha opinião, há que tomar em conta o conjunto das actividades de um organismo para determinar se este preenche os requisitos estabelecidos pela disposição em causa (59). Na falta de um duplo «carácter social» comprovado, as prestações de serviços em causa não preenchem o conjunto dos requisitos estabelecidos pela directiva para a aplicação de uma taxa reduzida de IVA.

92.      Em consequência, considero que a acção por incumprimento é procedente porquanto as prestações de advogados e equiparados visadas pelo artigo 279.°, alínea f., do code général des impôts não são abrangidas pela categoria constante do ponto 15 do Anexo III da Directiva IVA, que é a única disposição invocada pela República Francesa em sua defesa, ou seja, «entregas de bens e prestações de serviços por organizações consideradas de beneficência pelos Estados–Membros, empenhadas em actividades de assistência social ou segurança social», pelo que não podem, portanto, beneficiar de uma taxa reduzida de IVA (60).

VI – Despesas

93.      Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

94.      Tendo a Comissão pedido a condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

VII – Conclusão

95.      À luz das considerações anteriores, sugiro ao Tribunal de Justiça que declare que:

«1)      A República Francesa, ao aplicar uma taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado às prestações de serviços dos advogados, dos advogados junto do Conseil d’État e da Cour de cassation e dos «avoués», pelas quais estes são total ou parcialmente compensados pelo Estado no âmbito do apoio judiciário, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 96.° e 98.°, n.° 2, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.

2)      A República Francesa é condenada nas despesas».


1 – Língua original: francês.


2 – Uma vez que o parecer fundamentado que a Comissão dirigiu à República Francesa data de 15 de Dezembro de 2006, far-se-á referência às disposições do Tratado CE seguindo a numeração aplicável anteriormente à entrada em vigor do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.


3 – O Anexo H da Sexta Directiva, introduzido pela Directiva 92/77/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e que altera a Directiva 77/388/CEE (aproximação das taxas de IVA) (JO L 316, p. 1), continha igualmente a «[l]ista dos bens e serviços a que se poderão aplicar taxas reduzidas de IVA» e mencionava numa décima-quarta categoria: «[e]ntregas de bens e prestações de serviços por organizações consideradas de beneficência pelos Estados–Membros, empenhadas em actividades de assistência social ou segurança social, desde que tais operações não estejam isentas ao abrigo do artigo 13.°».


4 – Esta disposição, que não era aplicável antes da entrada em vigor da Sexta Directiva, não se enquadra, portanto, nas disposições transitórias por esta previstas, nomeadamente nas disposições do artigo 28.°, n.° 2, desta directiva, a que a Comissão faz referência na petição.


5 –      O artigo 279.° do Code général des impôts foi modificado por último pelo artigo 22.° da Lei n.° 2009-888 de 22 de Julho de 2009 (França), embora esta modificação não tenha incidência nas disposições da alínea f.


6 – Artigo 6.°, n.° 3, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950.


7 – Artigo 14.°, n.° 3, alínea d), in fine, do Pacto Internacional dobre os Direitos Civis e Políticos, aberto à assinatura em 19 de Dezembro de 1966.


8 – Com efeito, no acórdão Golder de 21 de Fevereiro de 1975 (série A, n.° 18, § 35 e seguintes), o referido Tribunal declarou que «o artigo 6.°, n.° 1 [da CEDH] garante a qualquer pessoa o direito de que um Tribunal examine a sua causa e decida sobre os seus direitos e obrigações de carácter civil. Consagra-se, deste modo, o ‘direito a um tribunal’, de que o direito de acesso, ou seja, o direito de recorrer a um tribunal em matéria civil, constitui apenas um aspecto».


9 – Acórdão Airey c. Irlanda (série A, n.° 32, § 26).


10 – Nesta última hipótese, o Tribunal salientou que a falta de apoio judiciário podia privar os sujeitos da faculdade de defenderem a sua causa, de maneira efectiva, perante um tribunal, provocando uma desigualdade de armas inaceitável à luz do conceito de processo equitativo. V., nomeadamente, TEDH, acórdão Steel e Morris de 15 Fevereiro de 2005 (Recueil des arrêts et décisions, 2005-II, § 72).


11 – A Carta, proclamada em Nice em 7 de Dezembro de 2000 (JO C 364, p. 1), foi modificada e dotada de valor jurídico vinculativo quando foi adoptado o Tratado de Lisboa (JO 2007, C 303, p. 1).


12 – JO L 26, p. 41.


13 – O artigo 1.° desta lei especifica, por um lado, que a mesma tem por objectivo garantir o acesso à justiça e ao direito e, por outro lado, que o apoio jurídico engloba o apoio judiciário, o apoio no acesso ao direito, bem como o apoio para a intervenção do advogado durante a detenção e em matéria de mediação penal e de dispensa de procedimento criminal.


14 – Certas categorias de pessoas, visadas nos artigos 4.°, 6.°, 9.°-1 e 9-.°-2 da referida lei, não estão sujeitas a esta condição da falta de recursos. É, nomeadamente, o caso dos menores e das vítimas dos crimes mais graves.


15 – É necessário observar que, contrariamente aos advogados e equiparados, as prestações das outras categorias de auxiliares de justiça não beneficiam de uma taxa reduzida de IVA, em aplicação das disposições do artigo 279.° do code général des impôts.


16 – V. artigo 27.°, segundo parágrafo e seguintes, da Lei de 10 Julho de 1991 e artigos 90.° e seguintes do Decreto n.° 91-1266, de 19 Dezembro de 1991, que dão execução à referida lei. A contribuição do Estado francês para a remuneração dos advogados que prestam os seus serviços ao beneficiário do apoio judiciário total determina-se pelo produto do montante da unidade de valor (UV) previsto na lei de finanças e dos coeficientes multiplicadores fixados por decreto.


17 – São abrangidas as jurisdições administrativas, cíveis, penais ou sociais, de primeira e segunda instância, tal como o Conseil d’État e a Cour de cassation.


18 – As taxas são escalonadas entre 85%, 70%, 55%, 40%, 25% e 15%.


19 – O artigo 35.°, segundo parágrafo, da Lei de 10 Julho de 1991 prevê que as partes fixem, «tomando em conta a complexidade do caso, as diligências e as despesas impostas pela natureza do caso, o montante e as modalidades de pagamento desse complemento de honorários, em condições compatíveis com os recursos e o património do beneficiário». Além disso, nos termos do quarto parágrafo: «Quando a delegação em que o advogado estiver inscrito tiver estabelecido um método de avaliação dos honorários que tenha em conta os critérios acima fixados, o montante do complemento é calculado com base nesse método de avaliação».


20 – V. acórdão de 29 de Outubro de 2009, Comissão/Finlândia (C-246/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 5 e seguintes), e as conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer (n.os 8 e seguintes e n.° 28) nesse processo, que tinha por objecto o conceito de actividade económica na acepção da Sexta Directiva.


21 – Sabendo que o IVA é indolor e invisível para o beneficiário do apoio judiciário total, trata-se de uma ajuda fiscal opaca, como constatou Roland du Luart, nos termos de um relatório elaborado para o Senado francês em de 9 de Outubro de 2007 (Rapport d’information n.° 23 du Sénat – Relatório Informativo do Senado–na sessão ordinária 2007/-2008, acessível no sítio de Internet do Senado, p. 82).


22 – Terra, B., e Kajus, J., A Guide to the European Directives, Introduction to European VAT, IBFD, Amsterdam/Hombæk, 2009, volume 1, p. 298.


23 – V. o documento intitulado «Taxas de IVA aplicadas nos Estados-Membros da Comunidade Europeia – Situação em 1 de Julho de 2009» [taxud.d.1(2009)307669 – FR] acessível no sítio de Internet da Comissão, em particular p. 19 e seguintes. A título de advertência, a Comissão indica que, na medida em que foi «compilado com base nas informações comunicadas pelos Estados-Membros, [mas] que certas informações ainda não foram verificadas quanto a alguns Estados, este documento informativo não vincula a Comissão, nem tem o valor de aprovação das legislações dos Estados-Membros».


24 – Rosas, A., «Value Added Tax and Distortion of Competition», em EU Competition Law in Context: Essays in Honour of Virpi Tiili,, sob a direcção de Kanninen H., Korjus, N. e Rosas, A. Hart, Oxford & Portland, Oregon, 2009, p. 275 e seguintes, especialmente p. 277 a 282 e p. 289.


25 – Acórdão de 7 Setembro de 1999, Gregg (C-216/97, Colect. p. I-4947, n.° 19), respeitante à interpretação da Sexta Directiva.


26 – Observo, contudo, que as isenções têm carácter obrigatório para os Estados-Membros, ao passo que as taxas reduzidas têm carácter opcional.


27 – V. nomeadamente acórdãos de 6 de Novembro de 2003, Dornier (C-45/01, Colect. p. I-12911, n.° 42), de 26 de Maio de 2005, Kingscrest Associates e Montecello (C-498/03, Colect. p. I-4427, n.° 29), e de 3 de Abril de 2008, Zweckverband zur Trinkwasserversorgung und Abwasserbeseitigung Torgau-Westelbien (C-442/05, Colect. p. I-1817, n.° 30).


28 – V. n.os 23, 30 e seguintes das conclusões da advogada-geral E. Sharpston no processo C-434/05, relativo à Sexta Directiva (acórdão de 14 de Junho de 2007, Horizon College, Colect. p. I-4793).


29 – V. igualmente n.° 47 das conclusões do advogado-geral J. Mazák no processo C-442/05, já referido, relativo às disposições do Anexo H da Sexta Directiva.


30 – Nos termos das suas conclusões no processo C-434/05, já referidas, a advogada-geral E. Sharpston salienta que as listas constantes dos Anexos da Sexta Directiva não respondem a uma lógica bem definida, o que se presta a suposições quanto às intenções do legislador comunitário.


31 – Neste sentido, acórdão de 8 de Junho de 2000, Epson Europe (C-375/98, Colect. 2000 p. I-4243, n.° 19 in fine).


32 – Acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Comissão/Espanha (C-83/99, Colect. p. I-445, n.os 19 e 20), nos termos do qual o Tribunal de Justiça declarou que a disposição relativa ao «transporte de pessoas e respectiva bagagem» não se aplica às portagens em infra-estruturas rodoviárias.


33 – V., nomeadamente, acórdão de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiële Acties (348/87, Colect. p. 1737, n.° 13).


34 – Acórdão Kingstreet Associates e Montecello, já referido (n.os 29 a 32), relativo à interpretação do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva. V. igualmente acórdão Gregg, já referido (n.° 17); acórdão de 3 Abril de 2003, Hoffmann (C-144/00, Colect. p. I-2921, n.os 24 e seguintes) e acórdão Dornier, já referido (n.° 48).


35 – Ibidem.


36 – Acórdão Horizon College acima referido (n.° 16): «[...] esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 13.° devam ser interpretados de um modo que as prive dos seus efeitos».


37 – Acórdãos de 19 de Novembro de 2009, Don Bosco Onroerend Goed (C-461/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25), e de 28 de Janeiro de 2010, Eulitz (C-473/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 27).


38 – V., nomeadamente, as conclusões da advogada-geral J. Kokott no processo C-505/07 (acórdão de 1 de Outubro de 2009, Compañía Española de Comercialización de Aceite, ainda não publicado na Colectânea, n.° 45).


39 – Acórdão Kingscrest Associates e Montecello, já referido (n.os 21 e seguintes), e conclusões do advogado geral D. Ruiz-Jarabo Colomer (n.os 23 e seguintes).


40 – Comparar a ambiguidade salientada pelo advogado-geral J. Mazák nos termos das suas conclusões no processo C-442/05 (já referidas, n.° 38), quanto aos Anexos D e H da Sexta Directiva.


41 – V., nomeadamente, as conclusões da advogada-geral J. Kokott no processo C-505/07, já referidas, e a jurisprudência referida na nota 29, bem como o recente acórdão de 22 de Outubro de 2009, Zurita García e Choque Cabrera (C-261/08 e C-348/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 54 e seguintes, e acórdãos referidos) e acórdão Eulitz, já referido, n.° 22.


42 – Comparar com a jurisprudência em matéria de isenções de IVA, em particular com o acórdão Kingscrest Associates e Montecello, já referido, e com os acórdãos citados no n.° 25 do acórdão Eulitz, já referido.


43 – V. acórdãos Comissão/Espanha, já referido (n.os 18 e seguintes), e de 23 de Outubro de 2003, Comissão/Alemanha (C-109/02, Colect. p. I-12691, n.° 23). No primeiro destes processos, o advogado-geral S. Alber sugere que se adopte uma interpretação restritiva e que se tenha em conta «o que predomina» no conceito em causa, no caso, a ideia de transporte.


44 – No que se refere às variações existentes entre as diferentes versões linguísticas, especialmente para este segundo critério, v. n.os 49 e seguintes, supra.


45 – Acórdão Kingscrest e Montecello, já referido (n.os 29 a 32).


46 – Acórdão de 10 de Setembro de 2002, Kügler (C-141/00, Colect. p. I-6833, n.° 44).


47 – Ibidem.


48 – V. o Rapport d’information du Sénat de Roland du Luart, de 9 de Outubro de 2007, já referido, pp. 64-65: «Está mesmo em curso uma concentração provavelmente excessiva, uma vez que 9,4% dos advogados (ou seja, 4 492 advogados) asseguram 64% das missões de apoio judiciário. […] […D]o lado dos poderes públicos, pode igualmente levantar-se alguma desconfiança quanto à natureza da contribuição do apoio judiciário para a rentabilidade financeira de certos escritórios. Com efeito, não é raro ouvir que alguns deles ‘apenas vivem à custa do apoio judiciário’».


49 – Noutro relatório do Senado francês, de 30 Junho de 1999, Denis Badré indica que uma taxa reduzida de IVA é aplicada às prestações realizadas pelos advogados no âmbito do apoio judiciário devido ao seu carácter de «prestações com carácter social marcado», nos termos de uma resposta oficial da Assemblée Nationale (Parlamento francês), tendo em conta o facto de que a concessão do apoio judiciário depende de condições, nomeadamente dos recursos do beneficiário (Rapport d’information du Sénat n.° 74 da sessão ordinária de 1998-1999, acessível no sítio de Internet do Sénat).


50 – Neste sentido, Roland du Luart, membro do Senado francês, recorda que o apoio judiciário é «o herdeiro de uma prática que releva simultaneamente da caridade e do dever de solidariedade para com os mais desfavorecidos» (relatório acima referido, p. 64). A título comparativo, a autoridade sueca responsável pelo apoio judiciário (Rättshjälpsmyndigheten) define-o como consistindo numa legislação de protecção social para assistir aqueles que, de outra forma, não poderiam receber apoio jurídico. http://www.rattshjalp.se/templates/DV_infoPage___3526.aspx).


51 – V., nomeadamente, acórdãos, já referidos, Kügler (n.os 54 e seguintes) e Kingscrest Associates e Montecello (n.os 53 e seguintes).


52 – A necessidade de respeitar o princípio da neutralidade fiscal foi frequentemente recordada pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente no acórdão Zweckverband zur Trinkwasserversorgung und Abwasserbeseitigung Torgau Westelbien, já referido (n.° 42), respeitante às taxas reduzidas de IVA.


53 – V. n.° 40 das conclusões já referidas do advogado-geral J. Mazák no processo C-442/05.


54 – Acórdãos já referidos, Gregg, (n.os 17 e 18); Kingscrest Associates e Montecello (pontos 30, 35 e 43), e de 9 de Fevereiro de 2006, Stichting Kinderopvang Enschede (C-415/04, Colect. p. I-1385, n.° 23).


55 – V. acórdão Gregg, ibidem, e as conclusões do advogado-geral G. Cosmas nesse processo (n.° 7), que evoca um «operador autónomo», distinto das pessoas que o constituíram.


56 – O termo «charitable» tornou-se «as being devoted to social wellbeing», o que parece mais conforme com a posição do Tribunal de Justiça no acórdão Kingscrest Associates e Montecello, já referido.


57 – Nomeadamente, acórdãos já referidos Kügler, (n.os 54 a 56); Stichting Kinderopvang Enschede (n.° 23) e Kingscrest Associates e Montecello (n.os 52 e 53).


58 – Para além dos acórdãos acima referidos, v. o acórdão de 11 de Outubro de 2001, Adam (C-267/99, Colect. p. I-7467, n.os 35 e seguintes), bem como as conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 10 de Setembro de 2009 no processo CopyGene ainda pendente (C-262/08, n.os 73 e seguintes).


59 – Neste sentido, acórdão de 21 de Março de 2002, Kennemer Golf (C-174/00, Colect. p. I-3293, n.os 21 e seguintes) que enuncia que «a qualificação de um organismo como ‘sem fins lucrativos’ deve ser efectuada tendo em consideração o conjunto das suas actividades».


60 – De resto, como observou a Comissão, esta constatação já tinha sido claramente feita, em 2007, por Roland du Luart, membro do Senado francês, relativamente às disposições da Sexta Directiva: «[O]s Estados-Membros da Comunidade Europeia podem escolher aplicar uma ou duas taxas reduzidas, superiores ou iguais a 5%, a uma lista restrita de bens e de serviços. Ora, os serviços dos advogados não figuram nessa lista. […] [A] reforma, hoje necessária e urgente, do sistema do apoio judiciário deve igualmente ser uma ocasião para a França se conformar com as regras que se impõem a todos os Estados-Membros da Comunidade Europeia» (Rapport d’information du Sénat, de 9 de Outubro de 2007, acima referido, p. 83).