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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 8 de maio de 2012 (1)

Processo C-44/11

Finanzamt Frankfurt am Main V-Höchst

contra

Deutsche Bank AG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«IVA — Serviços de gestão de carteiras de títulos — Isenção — Serviços principais e acessórios — Lugar da prestação»





1.        Nos termos da Diretiva IVA (2), determinadas operações financeiras estão isentas de IVA. Se o prestador e o cliente não estiverem estabelecidos no mesmo país, o lugar da prestação das operações bancárias e financeiras é o da atividade económica ou da residência do cliente.

2.        O Bundesfinanzhof (Tribunal Fiscal Federal) (Alemanha) pretende saber de que forma aquelas regras se aplicam a um serviço de gestão de carteiras de títulos no qual, de acordo com a estratégia escolhida, o cliente dá ao banco autorização para comprar e vender títulos em seu nome e por sua conta, a troco de uma taxa calculada de acordo com uma percentagem do valor dos títulos. Procura igualmente orientação sobre se os elementos constitutivos desse serviço deverão ser tratados autonomamente ou em conjunto e, neste último caso, qual dos elementos deve preponderar para efeitos de classificação.

I —    Direito da União Europeia (a seguir «UE»)

3.        Em 2008, o ano fiscal em causa no processo principal, o artigo 56.°, n.° 1, da Diretiva IVA dispunha, no que é relevante, o seguinte:

«O lugar das prestações de serviços adiante enumeradas, efetuadas a destinatários estabelecidos fora da Comunidade ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade, mas fora do país do prestador, é o lugar onde o destinatário tem a sede da sua atividade económica ou dispõe de um estabelecimento estável para o qual foi prestado o serviço ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar onde tem domicílio ou residência habitual:

[...]

e)      Operações bancárias, financeiras e de seguros, incluindo as de resseguro, com exceção do aluguer de cofres-fortes;

[…]» (3).

4.        Nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alíneas a) a g), da Diretiva IVA, os Estados-Membros devem isentar determinadas operações de natureza financeira:

«a)      As operações de seguro e de resseguro, incluindo as prestações de serviços relacionadas com essas operações efetuadas por corretores e intermediários de seguros;

b)      A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu;

c)      A negociação e a aceitação de compromissos, fianças e outras garantias, e bem assim a gestão de garantias de crédito efetuada por parte de quem concedeu o crédito;

d)      As operações, incluindo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio, com exceção da cobrança de dívidas;

e)      As operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel-moeda e moeda com valor liberatório, com exceção das moedas e notas de coleção, nomeadamente as moedas de ouro, prata ou outro metal, e bem assim as notas que não sejam normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório ou que apresentem um interesse numismático;

f)       As operações, incluindo a negociação mas excluindo a guarda e gestão, relativas às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos direitos ou títulos referidos no n.° 2 do artigo 15.° [(4)];

g)      A gestão de fundos comuns de investimento, tal como definidos pelos Estados–Membros [(5)];

[…]».

5.        Dessas disposições, são relevantes para o presente processo as alíneas f) e g) (6). Outras isenções previstas no artigo 135.°, n.° 1, são: h) as entregas, pelo seu valor facial, de selos de correio, de selos fiscais e de outros valores similares; i) as apostas, lotarias e outros jogos de azar ou a dinheiro; j) as entregas de edifícios e do terreno da sua implantação; k) as entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção; e l) a locação de bens imóveis.

6.        O artigo 135.°, n.° 2, alínea d), da Diretiva IVA exclui a locação de cofres-fortes da última isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea l). Essas operações estão assim sujeitas a IVA.

7.        Em fevereiro de 2008, a Comissão submeteu ao Conselho uma proposta de alteração da Diretiva IVA e uma proposta de regulamento que estabelece medidas da sua aplicação, no que diz respeito ao tratamento dos serviços financeiros e de seguros (7). Estas propostas, que definem os termos utilizados para designar serviços financeiros, continuam a ser discutidas ativamente no Conselho, onde ainda não foi alcançado um acordo (8). Ao apresentá-las, a Comissão afirmou que as definições de serviços financeiros estavam desatualizadas e conduziram a uma interpretação e aplicação desigual pelos Estados-Membros. Os operadores económicos e autoridades fiscais foram confrontados com uma complexidade legal considerável, práticas administrativas variáveis e insegurança jurídica, que conduzem a um aumento do contencioso e dos encargos administrativos.

II — Legislação nacional

8.        Em 2008, os § 3a, n.° 3, 3a, n.° 4 e n.° 6, alínea a), e 4, n.° 8, alíneas e) e h), da Umsatzsteuergesetz (Lei dos impostos sobre os rendimentos) 2005 (a seguir «UStG»), lidos em conjugação, dispunham, no essencial, em relação às «operações sobre títulos e a negociação destas operações, excetuando a guarda e a gestão de títulos» e à «gestão de fundos de investimento, nos termos da Investmentgesetz [Lei de investimento] e a gestão de instituições de previdência, na aceção da Versicherungsaufsichtsgesetz [Lei de supervisão de seguros]», que i) essas operações deveriam ser isentas de IVA; ii) no caso de o cliente ser um negociante, considerava-se que o serviço foi prestado na sede ou estabelecimento estável do cliente, dependendo das circunstâncias; e iii) no caso de o cliente não ser um negociante e ter a sua sede ou estabelecimento no território de outro país, considerava-se que foi prestado nesse país.

9.        No entanto, nos termos de uma comunicação de 9 de dezembro de 2008 do Ministério Federal das Finanças, os § 3a, n.os 3 e 4, ponto 6, alínea a), da UStG não eram aplicáveis para determinar o lugar da prestação do serviço de gestão de ativos. E também não era possível invocar o artigo 56.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva IVA, que não indicava que deveria cobrir outras operações para além das elencadas. No que respeita à isenção, o artigo 135.°, n.° 1, dessa diretiva, era inequívoco e não se referia a gestão de ativos. A gestão de carteiras de títulos enquanto prestação única era assim tributável, não estando isenta nos termos do § 4, ponto 8, alínea e), da UStG.

III — Matéria de facto, tramitação do processo e questões prejudiciais

10.      O Deutsche Bank presta serviços em que recebe instruções de investidores que lhe pedem para gerir valores mobiliários em seu nome, por sua conta e sem a obtenção de instrução prévia, mas de acordo com uma estratégia escolhida pelo investidor, e para tomar todas as medidas adequadas para a gestão desses valores. O Deutsche Bank pode dispor dos títulos em nome e por conta do investidor. O investidor paga uma taxa anual equivalente a 1,8 % do valor dos bens geridos, incluindo uma parte para a gestão, equivalente a 1,2 % desse valor, e uma parte para comprar e vender títulos, equivalente a 0,6 %. A taxa também inclui a gestão da conta e da carteira de títulos e a comissão pela aquisição de unidades de fundos de investimento. Os investidores recebem relatório regulares e podem pôr termo à instrução em qualquer momento com efeito imediato.

11.      Na sua declaração de rendimento provisória de 2008, o Deutsche Bank assumiu que os seus serviços relativos à gestão de valores mobiliários estavam isentos de IVA nos termos do §4, n.° 8, da UStG, quando prestados a investidores da Alemanha e da UE e, nos termos do § 3a, n.° 4, ponto 6, alínea a), da UStG não tributáveis quando prestados a investidores de outros lugares. A autoridade fiscal discorda, estando o litígio pendente num recurso perante o Bundesfinanzhof sobre uma questão de direito.

12.      O Bundesfinanzhof submete as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A atividade de gestão do património com títulos (gestão de carteiras), exercida a título oneroso por um sujeito passivo, que toma decisões autónomas sobre a compra e venda de títulos e executa essas decisões através da compra e venda dos títulos está isenta

—      só como gestão de fundos comuns de investimento para vários investidores em conjunto, nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado ou também

—      como gestão individual de carteiras para investidores concretos, nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva 2006/112/CE (operação sobre títulos, ou como negociação dessa operação)?

2)      Para determinar a prestação principal e a prestação acessória, qual a importância que deve ser atribuída ao critério segundo o qual a prestação acessória não constitui para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador, em relação ao cálculo separado da prestação acessória e à possibilidade de a prestação acessória ser realizada por terceiros?

3)      O artigo 56.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva 2006/112/CE abrange apenas as prestações referidas no artigo 135.°, n.° 1, alíneas a) a g), da Diretiva 2006/112/CE ou também a gestão do património com títulos (gestão de carteiras), mesmo quando esta operação não é abrangida pela referida norma?»

13.      Foram apresentadas observações escritas pelo Deutsche Bank, pelos Governos alemão e neerlandês e pela Comissão. A autoridade fiscal, o Deutsche Bank, os Governos alemão e do Reino Unido e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência do dia 1 de março de 2012.

IV — Análise

A —    Observações prévias

14.      É pacífico que os serviços em apreço não constituem «gestão de fundos comuns de investimento», na aceção do artigo 135.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA.

15.      Esta disposição respeita a fundos comuns, nos quais são agrupados muito investimentos e dispersos numa variedade de títulos que podem ser geridos de forma eficaz para otimizar resultados, e no qual os investimentos individuais podem ser relativamente modestos; esses fundos gerem os seus investimentos em seu próprio nome e por sua conta, possuindo cada investidor uma quota (uma ou mais unidades) do fundo, mas não os investimentos do fundo em si mesmos. Por outro lado, os serviços em causa dizem geralmente respeito aos bens de uma única pessoa, que deverão ter um valor global relativamente alto para que, dessa forma, possa ser gerido de forma lucrativa; o gestor da carteira de títulos vende e compra investimentos em nome e por conta do investidor, que conserva inteiramente a propriedade dos títulos individuais na vigência do contrato e quando do seu termo.

16.      É igualmente pacífico que os títulos em apreço não são «títulos representativos de mercadorias» ou «direitos ou títulos referidos no n.° 2 do artigo 15.°», operações em que estão excluídas da isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA. Os serviços também não estão confinados à simples guarda de títulos, também excluída da isenção.

17.      O tema central nas duas primeiras questões é saber se os serviços em causa constituem «operações» com títulos, «incluindo a negociação, mas excluindo a guarda e gestão», isenta pelo artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da dita diretiva.

18.      De acordo com o despacho de reenvio e com as próprias observações do Deutsche Bank, esses serviços dividem-se em três categorias, que podem ser resumidas como: a) decidindo, com base em conhecimento especializado e na observação dos mercados, quais os títulos que devem ser comprados ou vendidos e quando; b) implementando essas decisões através da compra e venda efetiva de títulos (9), e c) uma série de serviços mais administrativos relacionados com a detenção dos títulos.

19.      Através da primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se a) e b) em conjunto são abrangidos pela isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA. Para responder a essa questão, será necessário considerar, inter alia, se «os serviços prestados têm de formar um conjunto distinto, apreciado de modo global, que tenha por efeito preencher as funções específicas e essenciais de um serviço descrito nessa disposição» (10).

20.      Na segunda questão — igualmente com o objetivo de verificar a possibilidade de isenção nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea f) — o órgão jurisdicional nacional pretende orientações sobre a jurisprudência relativa ao tratamento de serviços relacionados em casos em que um serviço pode ser considerado como «principal» e o(s) outro(s) como «acessórios», de forma a que em conjunto possam ser considerados como uma prestação única (11). Atenta a sua redação, a questão parece dizer respeito principalmente à relação entre os serviços indicados em a) e b) supra, cujos encargos são reconhecidos separadamente pelo Deutsche Bank. Contudo, o raciocínio no despacho de reenvio sugere que o órgão jurisdicional nacional também trata dos serviços previstos em c), cujos encargos parecem estar incluídos nos que foram faturados para a) e b).

21.      Existe um claro e estreito vínculo entre aquelas duas questões. De facto, podem ser consideradas, no essencial, uma única questão. Começarei assim por examiná-las em conjunto, tratando assim de um dos aspetos da primeira questão e respondendo à segunda questão. Em seguida, abordarei a questão principal suscitada na primeira questão e, por último, a terceira questão, que diz respeito a outra disposição da Diretiva IVA.

B —    Relação entre os serviços descritos (primeira e segunda questões)

22.      Todos os que apresentaram observações concordam que a gestão de carteiras de títulos, tal como descrita no despacho de reenvio, deveria ser considerada como uma operação económica única ou, pelo menos, deveria receber um tratamento indiferenciado em sede de IVA com base no principal serviço prestado. Aceitam que é possível efetuar uma desagregação em componentes tal como a estruturação da carteira de títulos, a avaliação dos mercados, a compra e venda de títulos, manutenção de contas e assim por diante, mas alegam que o «produto» vendido inclui todos esses serviços, e que o interesse do cliente consiste em beneficiar de uma prestação única, e não de uma multitude de componentes de serviços. Concordam igualmente que os componentes puramente administrativos do serviço são menores e acessórios e não deveriam afetar a classificação global.

23.      Eu também concordo.

24.      Constitui jurisprudência assente que quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias para se determinar se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única. Ainda que cada operação deva normalmente ser considerada distinta e independente, uma operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. Além disso, em determinadas circunstâncias, diversos serviços formalmente distintos, que poderiam ser prestados separadamente devem ser considerados como uma única prestação no caso de não serem independentes. Existe uma única prestação quando i) dois ou vários elementos fornecidos estão tão estreitamente ligados que formam uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial, ou ii) no caso em que um ou vários elementos constituem a prestação principal, ao passo que outros são prestações acessórias. Em particular, uma prestação é acessória de uma prestação principal se não constituir para os clientes um fim em si mesmo, mas um meio para um melhor usufruto do serviço principal prestado. Ainda que incumba aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar as circunstâncias de facto de um determinado processo, o Tribunal de Justiça pode fornecer a esse órgão qualquer orientação sobre a interpretação do direito da União Europeia que o possa auxiliar a decidir esse processo (12).

25.      O tribunal de reenvio parece considerar que o serviço de compra e venda de títulos [ao qual eu me referi como b) no n.° 18 e segs. supra] seria considerado como acessório do serviço de gestão de ativos [ao qual eu me referi como a)], não fosse o facto de, no acórdão RLRE Tellmer Property (13), o Tribunal de Justiça ter realçado que o serviço de limpeza, que é considerado como separado da locação de imóveis residenciais, pode ser prestado por um terceiro e/ou ser faturado separadamente.

26.      Parece-me que a abordagem correta não consiste em começar por avaliar qual dos dois serviços a que eu me tenho referido como a) e b) deve ser principal ou acessório, mas antes por analisar se aqueles estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única e indivisível prestação económica, que seria artificial cindir. Em minha opinião, aqueles estão assim estreitamente ligados.

27.      O Governo alemão referiu que, de acordo com a jurisprudência, a avaliação quanto ao facto de dois ou mais elementos constituírem uma única prestação económica deve ser vista do ponto de vista do consumidor médio (14). Concordo com essa abordagem. Mesmo que, nalguns desses acórdãos, o Tribunal de Justiça também utilize a expressão «objetivamente» nesse contexto, o ponto de vista de um consumidor médio relativamente a um tipo de prestação é por definição um critério objetivo, comparado com a visão subjetiva de um determinado cliente relativamente a uma determinada operação. Acrescento que, no acórdão Bog e o., já referido, o Tribunal de Justiça referiu que há que considerar «os elementos qualitativamente preponderantes» do ponto de vista do consumidor (15).

28.      Do ponto de vista de um cliente típico de serviços como aqueles em causa — um indivíduo que possui um considerável capital disponível para investir mas que lhe falta o tempo e/ou conhecimentos exigidos para o gerir em seu próprio interesse — o conjunto de serviços a que me referi como a) e b), tal como foram descritos no despacho de reenvio, formam uma prestação única e indissociável.

29.      Não afirmo que a) e b) constituem serviços de tal forma indissociáveis que nenhum pode ser oferecido separadamente. Pelo contrário, um investidor que deseja conhecer a melhor forma de gerir a sua carteira de títulos, mas que está preparado para começar ele mesmo as operações, pode procurar um serviço de aconselhamento e, posteriormente, tomar ele próprio as decisões. Da mesma forma, um investidor que sabe quais as compras e vendas que gostaria de efetuar e quando, mas que gostaria de evitar o problema de realizar as operações, poderia contratar um intermediário apenas para este último efeito. Em contraposição a estas duas situações, o contrato de gestão de carteira de títulos oferecido pela Deutsche Bank, conforme descrito no despacho de reenvio, é projetado para aqueles que pretendem um serviço único.

30.      Além disso, ainda que possam ser oferecidos separadamente, nem a) nem b) têm utilidade de forma totalmente isolada. Seria inútil decidir sobre a melhor abordagem à compra, venda e retenção de títulos se nunca fosse conferido qualquer efeito a essa abordagem; e efetuar — ou não efetuar, conforme o caso — vendas e compras sem um processo de decisão racional e informado equivaleria a deixar em grande parte as coisas ao acaso. A decisão de comprar ou de vender, ou de não o fazer, está tão estreitamente ligada à ação deliberadamente tomada, ou não, que as duas são, com efeito e no decurso normal dos acontecimentos, os dois lados da mesma moeda. É assim perfeitamente natural que um investidor que não possua ele mesmo os recursos exigidos, delegue quer a decisão, quer a sua execução a um terceiro de confiança.

31.      O simples facto de os contratos-tipo do Deutsche Bank especificarem uma percentagem distinta para a) e b) não alteram a minha análise. No acórdão RLRE Tellmer Property (16), o Tribunal de Justiça não utilizou a existência de uma faturação separada como um critério para determinar se havia uma operação única ou diferentes operações. Em vez disso, realçou esse facto ao confirmar a diferença em natureza entre a locação de apartamentos a locatários e a limpeza das áreas comuns dos blocos de apartamentos em questão. Além disso, no acórdão Bog e o(17), o Tribunal de Justiça realçou que, quando uma empresa de catering fornece pratos, louça e pessoal, a existência de uma operação única não depende do facto de essa empresa emitir uma só fatura com todos os elementos ou faturas separadas para os diversos elementos. E o Deutsche Bank referiu ainda na audiência — embora este ponto deva ser verificado pelo competente órgão jurisdicional nacional — que os seus custos globais eram divididos por razões históricas relacionadas com a tributação dos lucros, de forma que a separação não reflete os valores relativos dos itens em relação aos quais era nominalmente cobrada.

32.      Se os serviços descritos em a) e b), quando juntos, devem ser considerados como uma única prestação económica indissociável, que seria artificial cindir — ainda que possam ser prestados como serviços separados noutras circunstâncias — estes formam claramente um fornecimento principal em relação a serviços mais administrativos aos quais eu me referi enquanto c) são acessórios. Esses serviços incluem, de acordo com os autos, efetuar pagamentos relativos a operações, receber juros de títulos detidos e prestar contas de ambos ao cliente. Aqueles são oferecidos em conjunto com a prestação principal por uma questão de conveniência — como um «meio de beneficiar» desse serviço, na redação dos autos. Aqueles deveriam assim receber o mesmo tratamento em sede de IVA.

33.      A questão consiste assim em saber se os serviços a) e b), considerados conjuntamente, são abrangidos pela previsão do artigo 135.°, n.° 1, alínea f) da Diretiva IVA.

C —    Classificação dos serviços à luz do artigo 135.°, n.° 1, alínea f) (primeira questão)

34.      O Deutsche Bank e a Comissão alegam que os serviços em apreço estão isentos por força do disposto no artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA; a autoridade fiscal e os Governos alemão, neerlandês e do Reino Unido alegam que não estão. As alegações abordam, entre outros, os princípios que regulam a interpretação da Diretiva IVA e, nesse contexto, a finalidade da isenção em questão como uma das isenções previstas para as operações financeiras.

35.      Segundo a jurisprudência constante, as isenções referidas nos artigos 131.° a 137.° da Diretiva IVA constituem conceitos autónomos do direito da União, que têm por fim evitar divergências na aplicação do sistema do IVA entre os Estados-Membros. Os termos empregados são de interpretação estrita, porque essas isenções constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços feita a título oneroso por um sujeito passivo. Contudo, a interpretação desses termos deve ser conforme com os objetivos prosseguidos e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema do IVA, que impede o tratamento de fornecimentos similares, em concorrência uns com os outros, de forma diferente para efeitos de IVA (18). Uma interpretação estrita não significa assim que os termos utilizados deveriam ser interpretados de modo a retirar às isenções o pretendido efeito (19).

36.      Não existe uma clara indicação no preâmbulo da Diretiva IVA ou na sua antecessora Sexta Diretiva, ou no historial da elaboração de qualquer uma delas, do efeito pretendido de isentar as operações financeiras referidas no artigo 135.°, n.° 1, alíneas b) a g), da Diretiva IVA (anteriormente artigo 13.°, B, alínea d), primeiro e sexto travessões, da Sexta Diretiva). O Tribunal de Justiça referiu no entanto que a finalidade das isenções consiste em evitar as dificuldades relacionadas com a determinação da matéria coletável e do montante do IVA dedutível e evitar um aumento do custo do crédito ao consumo (20). Mais particularmente, a finalidade da isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea g), das operações relacionadas com a gestão de fundos comuns de investimentos consiste em facilitar o investimento em títulos por pequenos investidores através de empresas de investimento. Visa assegurar que o sistema comum de IVA seja fiscalmente neutro quanto à opção entre o investimento direto em títulos e o que é feito por intermédio de organismos de investimento coletivo (21).

37.      O Tribunal de Justiça não efetuou nenhum comentário comparável relativamente à finalidade específica da isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA. Delimitou no entanto o âmbito de aplicação daquela isenção. Para cair nesse âmbito, os serviços prestados devem, apreciados de modo global, formar um conjunto distinto, que tenha por efeito preencher as funções específicas essenciais do serviço descrito na disposição. Apenas estão isentas operações suscetíveis de criar, modificar ou extinguir os direitos e obrigações das partes sobre títulos, e não serviços administrativos que não alterem essa situação ou operação envolvendo a prestação de informação financeira. «Negociação» refere-se a uma atividade executada por um intermediário que não ocupa o lugar de uma parte num contrato relativo a um produto financeiro e cuja atividade é diferente das prestações contratuais típicas efetuadas pelas partes em contratos desse tipo. É um serviço prestado a uma parte contratual e por esta remunerado como atividade distinta de mediação (22).

38.      Concluí que os serviços em causa, vistos de forma ampla, formam um conjunto distinto. Será que aquele conjunto cumpre de fato as funções específicas essenciais descritas no artigo 135.°, n.° 1, alínea f)? É importante que o Tribunal de Justiça dê uma resposta clara. A prática varia muito entre os Estados-Membros, com efeitos perniciosos para a harmonização do sistema comum do IVA e para a concorrência na UE.

39.      Em primeiro lugar, no que diz respeito à natureza do «conjunto distinto», a autoridade fiscal e os Governos alemão, neerlandês e do Reino Unido são da opinião que a essência da gestão de carteiras de títulos está na experiência que determina a estrutura da carteira de títulos e que fundamenta as decisões tomadas, conforme o caso, para comprar ou vender títulos ou para mantê-los. O exercício desse conhecimento pode dar origem a operações que criam, modificam ou extinguem direitos e obrigações das partes em relação a títulos, mas essas operações são meramente acessórias da função principal de garantir o retorno desejado, e/ou aumentar o valor, do investimento do cliente.

40.      Para o Deutsche Bank e para a Comissão, no entanto, a essência do serviço é a compra e venda ativa de títulos de acordo com a estratégia escolhida. Os conhecimentos especializados, em si mesmas, ainda que essenciais, são apenas um requisito prévio dessa atividade, consistindo o interesse do investidor em ver as operações necessárias realizadas. O Deutsche Bank acrescenta que a obrigação contratual consiste em aplicar a estratégia escolhida, e não em obter um determinado rendimento ou aumento no valor. E, mesmo que seja tomada uma decisão para deixar um título como está de momento, o exercício do conhecimento especializado ainda é, potencialmente, suscetível de alterar a situação jurídica e financeira entre as partes interessadas (23).

41.      De acordo com a minha análise da relação entre os aspetos do serviço total prestado, é o serviço no seu todo que deve ser analisado para determinar se é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA.

42.      Parte do serviço total envolve operações que realmente criam, alteram ou extinguem direitos e obrigações das partes em relação aos títulos. A parte restante (implementação da perícia financeira necessária), ainda que suscetível de conduzir a ações que criam, alteram ou extinguem esses direitos e obrigações, é igualmente suscetível de não o fazer.

43.      Eu concordo com a autoridade fiscal e com os governos que apresentaram observações quanto à definição da natureza do serviço total do ponto de vista do consumidor. Um consumidor que escolhe uma determinada estratégia de investimento tem interesse em ver essa estratégia implementada. Se os títulos são realmente comprados ou vendidos é menos importante para o investidor do que a garantia que o seu investimento, em qualquer momento, está estruturado para produzir o desejado rendimento. Aquele quer ter a certeza que quaisquer operações que ocorram são conduzidas no momento certo, mas também que não haverá compra e venda quando é preferível não fazer nada. Como foi realçado na audiência, o papel preponderante da vertente «conhecimento especializado», e não a das «operações», é confirmado pelo facto de a taxa ser apenas baseado no valor do investimento em causa, não sendo afetado pelo número ou volume das operações que possam ter ocorrido.

44.      Em segundo lugar, é pacífico que, ainda que os serviços em questão não caiam no âmbito de aplicação do artigo 135.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA (que isenta a gestão de fundos comuns de investimentos), estes são essencialmente a contrapartida dessa gestão, mas relativamente a ativos individuais, e não a fundos comuns. Esse acordo, não obstante, conduziu a linhas de argumentos divergentes.

45.      O Deutsche Bank e a Comissão referem que um investidor que pretenda que os seus ativos sejam cuidados de forma competente, pode escolher entre a gestão da carteira de títulos do tipo em questão (pelo menos enquanto tiver capital suficiente para esse serviço valer a pena) e o investimento num fundo comum (independentemente do montante do capital), sendo ambas as opções alternativas ao investimento direto em títulos. Ainda que diversos fatores possam influenciar a sua escolha, a diferença de tratamento em sede de IVA pode conduzi-lo a optar pela solução não tributada. Tal facto distorceria a concorrência entre serviços similares, o que é contrário ao princípio da neutralidade do IVA. Estando a gestão de fundos comuns isenta nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea f), a gestão individual da carteira de títulos deveria estar igualmente isenta nos termos desta última provisão.

46.      Os Governos alemão, neerlandês e do Reino Unido, pelo contrário, alegam que uma isenção explícita para a gestão de fundos de investimento comuns implica necessariamente que uma gestão de ativos individual é abrangida pelo princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre todos os serviços prestados a título oneroso por um sujeito passivo; e que se a gestão de ativos em geral fosse abrangida pelo artigo 135.°, n.° 1, alínea f), o artigo 135.°, n.° 1, alínea g), não preveria uma isenção explícita dos fundos comuns. Referiram igualmente que a afirmação do Tribunal de Justiça no acórdão Abbey National segundo a qual a isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea g), tem como finalidade facilitar aos pequenos investidores o investimento em títulos através de fundos de investimento; não existe a intenção de facilitar o investimento para aqueles que têm capital suficiente para recorrer a serviços de gestão de carteiras de títulos (24).

47.      Ainda que eu possa entender plenamente a lógica subjacente à posição do Deutsche Bank e da Comissão, e não considerando eu o resultado que defendem como irrazoável, estou inclinado a considerar que, tal como está, o artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA não isenta os serviços de gestão de carteiras de títulos do tipo em questão. É possível que uma futura alteração defina a questão claramente a favor da isenção, mas essa questão deve ser deixada ao Conselho, no qual as propostas da Comissão ainda se encontram em discussão (25).

48.      A minha opinião baseia-se nas seguintes considerações.

49.      Em primeiro lugar, é verdade que o serviço prestado, visto no seu todo, inclui operações com títulos, incluindo a sua negociação. Estes aspetos seriam, considerados isoladamente, isentos nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA. No entanto, o serviço é antes caracterizado pelo seu outro elemento, ou seja, a recolha e utilização de inteligência comercial, juntamente com conhecimentos e perícia preexistentes, por forma a tomar decisões informadas relativamente à gestão de cada carteira de títulos de acordo com a estratégia individual escolhida. É pacífico que este último aspeto, se for considerado como um serviço independente, não pode ser isento nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea f).

50.      Consequentemente, não parece possível concluir que, vistos amplamente, os serviços em questão formem um conjunto distinto, cuja essência preenche de facto as funções específica e essenciais descritas nessa disposição. O âmbito de aplicação do artigo 135.°, n.° 1, alínea f), limita-se, à primeira vista, ao exercício ou à negociação de operações suscetíveis de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações das partes em matéria de títulos (26). O serviço aqui em causa forma um todo distinto, não podendo assim ser equiparado apenas a um dos seus elementos constitutivos. Contudo, o facto de o seu aspeto predominante ser a aquisição e o uso de conhecimentos especializados para tomar decisões informadas significa que não é abrangido pelo âmbito específico e essencial das funções descritas no artigo 135.°, n.° 1, alínea f).

51.      Em segundo lugar, é difícil chegar a uma interpretação clara da intenção do artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA a partir da qual se poderia deduzir que a disposição — quer considerada isoladamente, no contexto do grupo de isenções para as operações financeiras ou no contexto da lista total de isenções prevista no artigo 135.° - pretendia abranger o serviço de gestão de carteiras de títulos como a do tipo em apreço.

52.      Considerado individualmente, o artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA não contém nenhuma indicação quanto à sua finalidade. A única pista — mas que não é útil — é que as operações relativas a títulos relacionadas com bens corpóreos estão excluídas da isenção. As decisões do Tribunal de Justiça apenas reforçaram que a isenção se limita à execução ou negociação das operações suscetíveis de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações.

53.      No que respeita os objetivos gerais identificados pelo Tribunal de Justiça para a isenção das operações financeiras (27), os serviços em questão não parecem suscitar dificuldades relacionadas com a determinação do imposto de base ou do montante dedutível [diferentemente das operações em títulos subjacentes, que são explicitamente isentas nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea f)], nem a sua tributação conduziria a um aumento do custo do crédito ao consumo. Além disso (novamente diferentemente das operações subjacentes), a gestão de carteiras de títulos não parece fazer parte, nas palavras do advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer, das «transações que, pela sua frequência e caráter habitual, são a peça central dos sistemas financeiros e, por conseguinte, da atividade económica dos Estados-Membros» (28). E, se o objetivo inicial era perpetuar as isenções anteriormente em vigor nos Estados-Membros (29), pode-se notar que a gestão de carteira de títulos era tributada em todos os Estados-Membros fundadores, antes de 1972 (30).

54.      Quando a lista de isenções prevista no artigo 135.°, n.° 1, da Diretiva IVA é considerada como um todo, é evidente que não pode ser inferido nenhum objetivo comum. As prestações em causa, além das «operações financeiras» já consideradas, incluem itens tão diversos como selos postais, jogo, entregas de imóveis e as operações de locação de bens imóveis.

55.      Apesar das alegações da Comissão na audiência, o historial da elaboração do artigo 13.°, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Diretiva também não me parece particularmente informativo a esse respeito. A condição «esta isenção não abrange a prestação de serviços relativos a essas operações», inexistente na proposta original, foi de fato introduzida (31), aparentemente a pedido do Parlamento, em seguida, retirada novamente pelo Conselho. Na falta de qualquer indicação mais explícita, no entanto, essa vicissitude podia ser interpretada como consistente com qualquer ponto de vista.

56.      Consequentemente — tendo em conta a necessidade de interpretar as isenções de forma estrita, as exceções à regra geral de que o IVA deve ser aplicado a todos os serviços prestados a título oneroso por um sujeito passivo, não posso concluir que o objetivo prosseguido pelo artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA, exige que a gestão individual da carteira de títulos seja incluída no âmbito da isenção que aquele prevê.

57.      Resta, no entanto, a questão da neutralidade fiscal, na relação entre as alíneas f) e g) do artigo 135.° da Diretiva IVA.

58.      É verdade que o Tribunal de Justiça afirmou que o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema do IVA, impede o tratamento de fornecimentos similares, que concorrem entre si, de forma diferente para efeitos de IVA, e que a isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea g), pretende assegurar essa neutralidade em relação à escolha entre investimento direto em títulos e investimento por intermédio de organismos de investimento coletivo (32).

59.      Também aceito que a gestão individual de carteiras de títulos entra em concorrência, pelo menos até certo ponto, com ambos aqueles modos de investimento. Como se tornou ainda mais claro na audiência, no entanto, a escolha que qualquer investidor faz — quando têm ativos suficientes para estar em posição de escolher — dependerá provavelmente de um considerável número de fatores, dos quais o tratamento em sede de IVA é apenas um (33). Além disso, ainda que o tratamento em sede de IVA possa nalguns casos ser considerado, não é claro que a tributação, como o seu corolário de dedutibilidade do imposto pago a montante, será necessariamente menos vantajosa para o cliente, no final, do que a isenção, com IVA irremediavelmente incorporado no preço dos serviços. Como foi referido na audiência, quer a gestão de carteiras de títulos, quer os fundos comuns de investimento atraem grandes investidores, que podem ser sujeitos passivos com direito a dedução.

60.      Além disso, embora o princípio da neutralidade fiscal possa explicar a relação entre as isenções explícitas para o investimento direto e para a gestão de fundos de investimentos comuns, não aceito que aquele possa alargar o âmbito de uma isenção expressa caso não haja uma redação clara para esse efeito. Como observou o Governo alemão na audiência, não é um princípio fundamental ou uma regra de direito primário que pode condicionar a validade de uma isenção, mas um princípio de interpretação, a ser aplicado simultaneamente com — e como uma limitação — o princípio da interpretação estrita das isenções. Decorre claramente da jurisprudência que as atividades que são de certa forma comparáveis e, portanto, em certa medida, concorrentes, podem ser tratadas de forma diferente para efeitos de IVA, no caso de a diferença de tratamento ser explicitamente prevista (34). Além disso, se todas as atividades parcialmente concorrentes entre si tivessem que receber o mesmo tratamento em sede de IVA, o resultado final seria — uma vez que praticamente todas as atividades se sobrepõem de alguma forma — eliminar por completo todas as diferenças de tratamento em sede de IVA. Tal seria claramente absurdo, e levaria (presumivelmente) à eliminação de todas as isenções, uma vez que o regime do IVA apenas existe para operações fiscais.

61.      Pelo contrário, os argumentos similares dos Governos alemão e neerlandês, apoiados pela autoridade fiscal e pelo Reino Unido — segundo os quais a isenção da gestão dos fundos de investimento comuns implica que a gestão individual de ativos não está isenta e que, se a gestão de ativos em geral fosse abrangida pelo artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA , não haveria necessidade de isentar a gestão de fundos comuns —, parecem-me particularmente convincentes.

62.      Na audiência, a Comissão sugeriu ainda assim que, ainda que a gestão de fundos comuns de investimento (ou seja, o equivalente à gestão de carteiras de títulos em causa no presente processo) esteja — na interpretação da Comissão — já isenta nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA, a isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea g), é necessária para isentar operações como a emissão e o resgate das ações (unidades) nesses fundos, quando não são negociadas em bolsa de valores. No entanto, não vejo motivo para assumir que, apenas porque essas transações são próprias dos fundos de investimentos comuns e não têm um equivalente na gestão de carteiras de títulos individuais, não estariam cobertas pela isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA se essa isenção cobrisse de facto os serviços de gestão de ativos em geral, independentemente da forma do investimento — como sucederia se a interpretação da Comissão fosse seguida até às últimas consequências.

63.      À luz de tudo o que ficou dito, sou de opinião que os serviços de gestão de carteiras de títulos do tipo em causa no processo principal não são abrangidos pelo âmbito da isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA.

 Lugar da prestação (terceira questão)

64.      No momento dos factos no processo principal, o artigo 56.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva IVA, dispunha que o lugar da prestação de «operações bancárias, financeiras e de seguros», quando prestadas a clientes estabelecidos fora da Comunidade, ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade mas não no país do prestador, é, essencialmente, o lugar onde o cliente tem a sua sede ou residência.

65.      O Bundesfinanzhof, juntamente com todos aqueles que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, é de opinião que as «operações bancárias, financeiras e de seguros», na aceção do artigo 56.°, n.° 1, alínea e), incluem todas as operações elencadas no artigo 135.°, n.° 1, alíneas a) a g). Se, como eu concluí, os serviços de gestão de carteiras de títulos do tipo aqui em causa não forem abrangidos por nenhuma dessas isenções, deve determinar-se se também estão, apesar de tudo, abrangidos pelo artigo 56.°, n.° 1, alínea e).

66.      Quase todos aqueles que apresentaram observações consideram que os serviços em causa caem no âmbito de aplicação do artigo 56.°, n.° 1, alínea e). O seu raciocínio baseia-se na redação vaga da disposição e na falta de qualquer referência quer ao artigo 135.° da mesma diretiva, quer a qualquer outra disposição de direito da União que possa limitar o alcance da frase.

67.      Apenas o Governo alemão discorda. Refere o acórdão Swiss Re Germany Holding (35), no qual o Tribunal de Justiça afirmou que o bom funcionamento e a interpretação uniforme do sistema do IVA implicam que os conceitos de «operações de seguro» e de «resseguro» que constam dos atuais artigos 56.°, n.° 1, alínea e), e 135.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva IVA não sejam definidos diferentemente consoante sejam utilizados numa ou noutra dessas disposições. Esse raciocínio deveria em sua opinião aplicar-se por analogia às «operações financeiras». Apenas tal abordagem, aplicada uniformemente, pode proporcionar segurança jurídica e evitar o risco de dupla tributação ou de não tributação.

68.      Eu não estou convencido.

69.      A fundamentação do acórdão Swiss Re Germany Holding está ligada ao facto de os artigos 56.°, n.° 1, alínea e), e 135.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva IVA utilizarem essencialmente os mesmos termos relativamente às operações de seguro: «operações [...] de seguros, incluindo as de resseguro» e «operações de seguro e de resseguro». Esses termos idênticos devem ser interpretados uniformemente para evitar a dupla tributação ou a não tributação. Não existe, no entanto, esse paralelismo entre as operações «bancárias» e «financeiras» previstas no artigo 56.°, n.° 1, alínea e), e qualquer das operações elencadas no artigo 135.°, n.° 1, alíneas b) a g). Nenhuma destas últimas disposições utiliza de todo os termos «bancárias» e «financeiras». As operações elencadas são claramente de natureza financeira e muitas delas são provavelmente executadas por bancos, ainda que não exclusivamente, e estão longe de ser uma enumeração exaustiva de todas as operações que podem ser executadas por um banco ou que podem ser descritas como financeiras.

70.      Além disso, se o âmbito de aplicação do artigo 56.°, n.° 1, alínea e), fosse exatamente coincidente com o do artigo 135.°, n.° 1, alíneas a) e g), seria de pouca ou nenhuma utilidade. Todas as prestações abrangidas por esta última estão explicitamente isentas de IVA. Como nenhum imposto é cobrado ou deduzido, o lugar da sua prestação é totalmente irrelevante para efeitos de IVA.

71.      A esse respeito, o Governo alemão sugeriu na audiência que, atendendo ao facto de a decisão sobre se uma prestação está isenta depender das autoridades do Estado-Membro onde a prestação ocorre, o lugar da prestação deverá ser determinado em primeiro lugar. Essa abordagem, no entanto, parece gerar um círculo vicioso, na medida em que exige uma decisão sobre a isenção [inclusão no artigo 135.°, n.° 1, alíneas a) a g)] para determinar o Estado-Membro a cujas autoridades compete determinar se a prestação está isenta. Nem toma em consideração o facto de, nos termos do artigo 56.°, n.° 1, alínea e), o lugar da prestação poder ser fora da Comunidade. De qualquer modo, parece improvável que o legislador promulgasse uma regra específica para a finalidade exclusiva de determinar a autoridade competente para declarar uma prestação como estando isenta, quando essa prestação está isenta em todos os Estados-Membros.

72.      Por último, uma leitura conjugada dos artigos 56.°, n.° 1, alínea e), e 135.°, n.° 1, alínea l), e n.° 2, alínea d), revela que se considera que o aluguer de cofres-fortes é abrangido pelas «operações bancárias, financeiras e de seguros» nos termos do artigo 56.°, e pela «locação de bens imóveis», nos termos do artigo 135.°

73.      Deduzo que o artigo 56.°, n.° 1, alínea e), abrange pelo menos algumas das operações para além das previstas no artigo 135.°, n.° 1, alíneas a) a g). A questão consiste em saber se inclui os serviços de gestão de carteiras de títulos do tipo em apreço.

74.      Parece-me, em concordância com a redação do artigo 56.°, n.° 1, alínea e), e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que a questão exige uma resposta afirmativa. A gestão de carteiras de títulos é um serviço financeiro por natureza. A redação do artigo 56.°, n.° 1, alínea e), é ampla, apenas excluindo do seu âmbito o aluguer de cofres-fortes. O Tribunal de Justiça considerou de forma constante que o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Diretiva (cujo quinto travessão era idêntico ao artigo 56.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva IVA na sua versão aplicável no caso em apreço) não deve ser objeto de interpretação estrita (36). Consequentemente, não há motivo para excluir os serviços de natureza financeira, além do aluguer de cofres-fortes (se, efetivamente, esse serviço for de natureza financeira), do seu âmbito de aplicação. Nem há necessidade, como a Comissão referiu ao realçar que os conceitos autónomos da Diretiva IVA devem ser interpretados apenas no contexto do sistema comum do IVA, de procurar orientação em qualquer outra medida da UE como, por exemplo, a Diretiva 2004/39/CE (37), referida pelo órgão jurisdicional nacional.

V —    Conclusão

75.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões apresentadas pelo Bundesfinanzhof:

1.      Os serviços de gestão de carteiras de títulos como os que estão em causa no processo principal constituem uma prestação única para efeitos de IVA.

2.      Esses serviços não são abrangidos pela isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.

3.      No artigo 56.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva 2006/112/CE, as «operações bancárias, financeiras e de seguros» não se limitam àquelas elencadas no seu artigo 135.°, n.° 1, alíneas a) a g), mas incluem, entre outros, os serviços de gestão de carteiras de títulos como os que estão em causa no processo principal.


1 – Língua original: inglês.


2 – Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).


3 –      V., anteriormente, artigo 9.°, n.° 2, alínea e), quinto travessão, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»); v., atualmente, artigo 59.°, alínea e), da Diretiva IVA, que só se aplica a clientes de fora da UE.


4 –      O artigo 15.°, n.° 2, refere-se a determinados direitos e interesses em bens imóveis.


5 –      Várias versões linguísticas utilizam uma expressão equivalente a «conjunto» ou «coletivo», ao invés de «especial», e é claro que a disposição apenas diz respeito a fundos comuns (v., a título de exemplo, acórdão de 4 de maio de 2006, Abbey National, C-169/04, Colet., p. I-4027, n.os 53 e segs.); v., ainda, n.° 15 das presentes conclusões.


6 – Anteriormente, artigo 13.°, B, alínea d), quinto e sexto travessões, da Sexta Diretiva.


7 – COM(2007) 746 final e COM(2007) 747 final, respetivamente.


8 – V. processo interinstitucional 2007/0267(CNS) em http://register.consilium.europa.eu. O mais recente relatório da Presidência sobre as propostas de diretiva do Conselho e do regulamento no que respeita ao tratamento do IVA em sede de seguros e serviços financeiros (documento 18650/11 do Conselho, de 14 de dezembro de 2011) expressa um grau de satisfação com os progressos já realizados e a sua determinação para prosseguir os seus esforços até chegar a um acordo comum.


9 – É pacífico que as próprias compras e vendas constituem «operações […] relativas […] a títulos», isentas nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva IVA. O serviço aqui em causa consiste em efetuar a operação em nome do cliente.


10 – V., a título de exemplo, de 22 de outubro de 2009, Swiss Re Germany Holding (C-242/08, Colet., p. I-10099, n.° 45 e jurisprudência aí referida).


11 – V., a título de exemplo, acórdão de 10 de março de 2011, Bog e o. (C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, Colet., p. I-1457, n.° 54 e jurisprudência aí referida).


12 – V., a título de exemplo, acórdãos de 27 de outubro de 2005, Levob Verzekeringen e OV Bank (C-41/04, Colet., p. I-9433, n.os 19 a 23); de 29 de março de 2007, Aktiebolaget NN (C-111/05, Colet., p. I-2697, n.os 21 e 23); de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere (C-276/09, Colet., p. I-12359, n.os 21 a 26); e Bog e o., já referido na nota 11 (n.os 51 a 55).


13 – Acórdão de 11 de junho de 2009 (C 572/07, Colet., p. I-4983, n.os 22 a 24).


14 – V. acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP (C-349/96, Colet., p. I-973, n.° 29); Levob Verzekeringen e OV Bank, já referido na nota 12 (n.os 20 e 22); de 21 de junho de 2007, Ludwig (C-453/05, Colet., p. I-5083, n.° 17); de 11 de fevereiro de 2010, Graphic Procédé (C-88/09, Colet., p. I-1049, n.°  20); e Everything Everywhere, já referido na nota 12 (n.°  26).


15 – Já referido na nota 11 (n.° 76). Esta afirmação referia-se, é verdade, à classificação como fornecimento de bens ou de serviços, mas parece-me que o mesmo critério é igualmente relevante para a classificação como prestação única ou prestações separadas.


16 – Já referido na nota 13.


17 – Já referido na nota 11 (n.° 57 e jurisprudência aí referida).


18 – O conceito de neutralidade é utilizado em dois sentidos no contexto do IVA: por um lado, o IVA tem um efeito neutro sobre os sujeitos passivos, no sentido em que estes não têm que suportar eles mesmos o encargo do imposto; por outro lado, como aqui, não se deve impor diferenciadamente, de modo a distorcer a concorrência entre prestações comparáveis


19 – V., a título de exemplo, acórdãos de 10 de março de 2011, Skandinaviska Enskilda Banken (C-540/09, Colet., p. I-1509, n.os 19 e 20 e jurisprudência aí referida); Everything Everywhere, já referido na nota 12 (n.° 31 e jurisprudência aí referida).


20 – V. acórdão Skandinaviska Enskilda Banken (já referido na nota 19, n.° 21 e jurisprudência aí referida); v., também, n.° 22 e jurisprudência aí referida das conclusões do advogado-geral N. Jääskinen neste processo. Nos n.os 24 e 25 das conclusões em que foi proferido o acórdão de 13 de dezembro de 2001, CSC Financial Services (C-235/00, Colet., p. I-10237), o advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer constatou que a intenção era isentar «transações que, pela sua frequência e caráter habitual, são peça central dos sistemas financeiros e, por conseguinte, da atividade económica dos Estados-Membros». Comentadores expressam a opinião de que, a um nível detalhado, as isenções da Sexta Diretiva refletem as regras nacionais em vigor (particularmente em França) antes de 1977 — v., por exemplo, Amand, C., e Lenoir, V. — «Pro rata deduction by financial institutions — gross margin or interest?», International VAT Monitor 2006, p. 17; de la Feria, R., «The EU VAT treatment of insurance and financial services (again) under review», EC Tax Review, 2007, p. 74; Henkow, O., Financial activities in EuropeanVAT, Kluwer Law International, 2008, pp. 87 a 90.


21 – Nomeadamente «fundos comuns de investimento», na aceção do artigo 135.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA. V. acórdão Abbey National, já referido na nota 5 (n.° 62). A referência a pequenos investidores é omitida no último acórdão de 28 de junho de 2007, JP Morgan Fleming Claverhouse (C-363/05, Colet., p. I-5517, n.° 45). O último relatório da presidência sobre a proposta de diretiva modificativa (v. nota 8 supra) refere que «[a]lguns Estados-Membros […] são da opinião que a isenção se devia limitar aos fundos de investimento que recolhem as poupanças de pequenos investidores».


22 – V. acórdão CSC, já referido na nota 20 (n.os 25, 28, 38 e 39).


23 – V. acórdão Skandinaviska Enskilda Banken, já referido na nota 19 (n.os 31 e 32).


24 – Já referido na nota 5 (n.° 62).


25 – V. n.° 7 e nota 8 das presentes conclusões.


26 – V. n.° 37 e nota 22 das presentes conclusões.


27 – V. n.° 36 das presentes conclusões.


28 – V. nota 20 das presentes conclusões.


29 – Idem.


30 – V. Hutchings, G., Les opérations financères et bancaires et la taxe sur la valeur ajoutée, Commission des Communautés européennes, col. Études, série Concurrence — Rapprochement des législations, n.° 22, Bruxelas, 1973.


31 – V. alterações propostas no JO 1974, C 212, pp. 34 e 37.


32 – V. n.° 36 das presentes conclusões.


33 – A analogia, invocada por diversas partes, com a diferença entre a alfaiataria sob medida e o pronto a vestir, serve de alguma forma para ilustrar a situação parcialmente concorrencial entre as duas opções de investimento, mas constitui uma simplificação excessiva.


34 – V., a título de exemplo, acórdão de 29 de outubro de 2009, NCC Construction Danmark (C-174/08, Colet., p. I-10567, n.° 36 e segs.), e conclusões do advogado-geral Y. Bot, n.os 47 a 54.


35 – Já referido na nota 10 (n.os 31 e 32).


36 – V., a título de exemplo, acórdão de 26 de setembro de 1996, Dudda (C-327/94, Colet., p. I-4595, n.° 21); e acórdão Levob Verzekering (já referido na nota 12, n.° 34 e jurisprudência aí referida).


37 – Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho (JO L 145, p. 1).