Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

References to this case

Share

Highlight in text

Go

CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

CHRISTINE STIX-HACKL

apresentadas em 15 Dezembro 2005 1(1)

Processo C-386/04

Centro di Musicologia Walter Stauffer

contra

Finanzamt München für Körperschaften

[Pedido de decisão prejudicial do Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«Direito fiscal – Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas – Isenção das fundações de direito privado e utilidade pública – Requisito da sede em território nacional»





I –    Introdução

1.     No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a determinar em que medida uma fundação estrangeira que satisfaz as condições de utilidade pública estabelecidas pelo direito nacional pode ser tratada, quanto à tributação de determinados rendimentos obtidos no território nacional a nível dos impostos directos, de modo menos favorável que uma correspondente fundação nacional, devido à localização da sua sede.

II – Quadro jurídico

A –    Direito comunitário

2.     As disposições de direito comunitário cuja interpretação é solicitada são os artigos 52.°, 58.°, 59.°, 66.° e 73.°-B do Tratado CE.

B –    Direito nacional

3.     As disposições pertinentes da Körperschaftsteuergesetz (2) (lei alemã do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas de 1996, a seguir «KStG 1996») têm o seguinte teor:

«§ 2

Obrigação fiscal limitada

Estão parcialmente sujeitas ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas:

1.      As pessoas colectivas, associações e patrimónios autónomos que não tenham nem a sua direcção nem a sua sede no território nacional, quanto aos rendimentos obtidos no território nacional [...]»

«§ 5

Isenções

(1) Estão isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas:

[...]

9.      As pessoas colectivas, associações e patrimónios autónomos que, de acordo com os seus estatutos, a actividade da fundação ou outras regras e a sua gestão efectiva prossigam exclusiva e directamente fins de utilidade pública, caritativos ou religiosos (§§ 51 a 68 da Abgabenordnung). A isenção é excluída se forem exercidas actividades de carácter económico. A segunda frase não se aplica à administração directa de explorações florestais;

[...]

(2) As isenções previstas no n.° 1 não se aplicam:

[...]

3.      Às entidades sujeitas a uma obrigação fiscal limitada na acepção do § 2, ponto 1.»

«§ 8

Determinação da matéria colectável

(1) A definição e determinação da matéria colectável rege-se pelas disposições da Einkommensteuergesetz e desta lei [...]»

4.     As disposições pertinentes da Einkommensteuergesetz alemã (lei relativa ao imposto sobre o rendimento, a seguir «EStG») têm o seguinte teor:

«§ 21

[Locação]

(1)      Constituem rendimentos provenientes da locação:

1.      Rendimentos provenientes da locação de bens imóveis, em especial de propriedades, edifícios, partes de edifícios [...]»

«§ 49

Rendimentos sujeitos a uma obrigação fiscal limitada:

(1)      Rendimentos obtidos no território nacional para efeitos de uma sujeição limitada ao imposto sobre o rendimento (§ 1, n.° 4) são:

[...]

6.      Rendimentos provenientes da locação (§ 21), quando os bens imóveis, universalidades de facto ou direitos estão situados em território nacional [...]»

III – Factos e tramitação processual

5.     A recorrente, o Centro di musicologia Walter Stauffer (a seguir «fundação») é uma fundação de direito italiano com sede em Itália.

6.     A fundação é proprietária de um edifício para fins comerciais sito em Munique do qual recebe rendas a título de locação, que o Finanzamt München (a seguir «Finanzamt recorrido») submeteu no ano fiscal de 1997 ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. A fundação não tem instalações próprias na Alemanha nem uma sucursal registada. Também não exerce a sua actividade através de uma filial alemã. Os serviços relacionados com a locação do imóvel são prestados por uma empresa alemã de administração de propriedades.

7.     Nos termos dos seus estatutos na versão em vigor no exercício controvertido de 1997, a fundação tem por fins exclusivos a educação e formação que prossegue através da concessão de apoios ao ensino do fabrico clássico de instrumentos de cordas, de instrumentos de arco, da história da música e de musicologia. A fundação pode instituir uma ou mais bolsas que possibilitem aos jovens suíços, especialmente aos oriundos de Berna, a estadia em Cremona durante toda a duração dos seus estudos.

8.     No pedido de decisão prejudicial, o Bundesfinanzhof alemão parte do princípio de que, no ano fiscal controvertido, a fundação prosseguiu objectivos de utilidade pública e cumpriu as condições estatutárias da isenção fiscal previstas no § 5, n.° 1, ponto 9, primeira frase, da KStG, estando excluída uma sujeição parcial destes rendimentos a imposto nos termos § 5, n.° 1, ponto 9, segunda e terceira frases, da KStG 1996, pois a locação não ultrapassou o âmbito da gestão do património e não constituiu, por isso, uma actividade económica.

9.     O Bundesfinanzhof indica, em particular, que a promoção dos interesses da colectividade, na acepção do § 52 do Abgabenordnung (código dos impostos alemão de 1977, a seguir «AO 1977») não pressupõe que os seus beneficiários sejam residentes ou nacionais da Alemanha.

10.   Segundo o Bundesfinanzhof, no plano da matéria de facto dada por provada em primeira instância, só não é possível determinar com segurança se a recorrente cumpre ou não os requisitos relativos à actividade efectivamente exercida, em particular, se ela tem vindo a aplicar as suas receitas para os fins estatutariamente previstos e susceptíveis de dar origem à concessão de benefícios fiscais. Nesta medida, o Bundesfinanzhof pondera uma baixa dos autos ao Finanzgericht.

11.   Uma vez que, por ter a sua sede e administração em Itália, os rendimentos provenientes das rendas de imóveis auferidos pela fundação caem no âmbito da obrigação fiscal limitada a que está sujeita, por força do § 49, n.° 1, ponto 6, da EStG, conjugado com o § 21 da EStG e o § 2, ponto 1, e § 8, n.° 1, ambos da KStG, é aplicável, segundo o Bundesfinanzhof, o § 5, n.° 2, ponto 3, da KStG (§ 5, n.° 2, ponto 2, da KStG actualmente em vigor), nos termos do qual a isenção de imposto não se aplica aos sujeitos passivos que têm uma obrigação fiscal limitada. Por conseguinte, os rendimentos auferidos pela fundação no território nacional, provenientes das rendas recebidas relativamente ao edifício explorado para fins comerciais, estão sujeitos a imposto.

12.   O Finanzgericht München negou provimento ao recurso interposto pela fundação contra a liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Inconformada, a fundação interpôs recurso de revista para o Bundesfinanzhof, o qual se interroga quanto à compatibilidade da exclusão de pessoas colectivas estrangeiras da isenção de imposto, prevista no § 5, n.° 2, ponto 3, da KStG, com as exigências comunitárias. O Bundesfinanzhof entende que essa exclusão poderá violar a liberdade de estabelecimento, a liberdade de prestação de serviços e/ou a liberdade de circulação de capitais.

13.   Em especial, o Bundesfinanzhof entende que, no caso vertente, a aplicabilidade do âmbito de protecção das liberdades fundamentais não é prejudicada pelo facto de o artigo 48.°, n.° 2, CE prever que as sociedades prossigam «fins lucrativos». Com isto entende-se não apenas uma maximização dos lucros, mas também toda e qualquer actividade que se insira na vida económica, quando é orientada pelo lucro e exercida mediante remuneração. Entendido deste modo, o arrendamento de bens imóveis, como no caso vertente, pode também prosseguir fins lucrativos nesta acepção.

14.   Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é igualmente duvidoso que a diferença de tratamento entre fundações que prosseguem fins de utilidade pública com sede no território alemão e fundações análogas com sede fora do mesmo território se possa justificar face ao princípio da coerência do sistema fiscal. O princípio da coerência determina que a isenção fiscal é um corolário da prossecução de fins de utilidade pública. É certo que a utilidade pública de uma fundação estrangeira, que prossegue os seus fins no estrangeiro, pode não beneficiar a Alemanha. No entanto, o Bundesfinanzhof sublinha que o § 52, n.° 1, do AO 1977 não faz depender o reconhecimento da utilidade pública do facto de o destinatário das actividades promovidas ser o público alemão. Deste ponto de vista, a ligação existente no direito alemão entre a concessão de um benefício fiscal e a isenção fiscal não está em conexão com a utilidade pública, mas sim com o facto de a obrigação fiscal ser ou não limitada ou de a fundação ter ou não a sede em território alemão, o que não é coerente.

15.   Por despacho de 14 de Julho de 2004, o Bundesfinanzhof suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão, para decisão a título prejudicial:

O facto de uma fundação de direito privado e utilidade pública, com sede noutro Estado-Membro, que está sujeita a uma obrigação fiscal limitada no território nacional pelos rendimentos provenientes de rendas de imóveis auferidos neste, não estar isenta de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ao contrário do que sucede com uma fundação de utilidade pública que aufere rendimentos análogos e que está sujeita a uma obrigação fiscal ilimitada no território nacional, constitui uma violação do artigo 52.°, conjugado com o artigo 58.°, do artigo 59.°, conjugado com os artigos 66.° e 58.°, bem como do artigo 73.°-B todos do Tratado CE?

IV – Quanto à questão prejudicial

16.   Em primeiro lugar, importa abordar a possibilidade de aplicação das liberdades fundamentais, que é objecto de discussão devido ao carácter de utilidade pública da fundação em causa (A). A seguir, importa determinar qual a liberdade fundamental pertinente relativamente aos rendimentos provenientes do arrendamento de um bem imóvel situado num Estado-Membro diferente do da sede (B). Após a clarificação destas questões prévias, será abordada a restrição da liberdade fundamental eventualmente pertinente (C). Se for constatada uma restrição de uma ou mais liberdades fundamentais relevante no plano do direito comunitário será, por último, necessário examinar eventuais justificações (D).

A –    Quanto à possibilidade de aplicação das liberdades fundamentais

1.      Principais argumentos das partes

17.   O Governo federal alemão entende que a esfera de protecção das liberdades fundamentais não é pertinente, porque a legislação fiscal alemã relativa a instituições de utilidade pública tem um conteúdo social. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, disposições desta natureza só são aplicáveis a nacionais de outros Estados-Membros quando existe entre o cidadão comunitário e o Estado-Membro em causa um nexo suficientemente estreito, o que não acontece no caso em apreço.

18.   O Finanzamt München, recorrido, acrescenta que o direito das fundações se inclui na política cultural dos Länder, que não pode ser harmonizada pela União Europeia. O mesmo é válido em relação à política de ensino.

19.   O Chief State Solicitor da Irlanda defende, no essencial, que as disposições do Tratado CE que protegem e garantem as quatro liberdades não devem influenciar as consequências do reconhecimento da utilidade pública para efeitos fiscais num Estado-Membro. Além disso, a aplicação das liberdades fundamentais pressupõe que uma instituição exerça actividades que visam fins lucrativos.

20.   A Comissão sublinha, pelo contrário, que a motivação de política social do regime fiscal em causa não se opõe à aplicabilidade do Tratado CE. A fundação nota ainda que a falta de harmonização dos regimes fiscais e de utilidade pública a nível do direito comunitário não se opõe à aplicação das liberdades fundamentais. Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, os Estados-Membros devem exercer as competências normativas que mantiveram com respeito pelas liberdades fundamentais.

2.      Apreciação jurídica

21.   Recorde-se, a título preliminar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, embora a matéria dos impostos directos, enquanto tal, não caia no âmbito de competência da Comunidade, os Estados-Membros devem exercer os poderes que mantiveram nesta área com respeito pelo direito comunitário (3).

22.   Os objectivos de política social do regime nacional controvertido, realçados pelo Governo federal alemão, também não são susceptíveis de pôr em causa a possibilidade de apreciação da esfera de protecção das liberdades fundamentais. A meu ver, a Comissão sublinhou correctamente que a cláusula de excepção do § 5, n.° 1, ponto 9, da KStG não constitui um benefício social, mas uma disposição fiscal derrogatória, animada por uma motivação de política social.

23.   Mesmo supondo que, tal como o Governo federal alemão defende, a correspondente disposição deva ser inserida no âmbito das vantagens sociais – quod non – deve lembrar-se que o Tribunal de Justiça entende que o direito comunitário é pertinente também neste domínio: nos acórdãos de 28 de Abril de 1998, Decker (4) e Kohll (5), o Tribunal de Justiça afirmou que «na falta de harmonização a nível comunitário, compete à legislação de cada Estado-Membro determinar, por um lado, as condições do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social, por outro, as condições que dão direito a prestações» mas simultaneamente «no exercício das suas competências, os Estados-Membros devem respeitar o direito comunitário», pelo que, como resultado, o facto de «a legislação nacional em causa no processo principal se aplicar no domínio da segurança social, não é susceptível de excluir a aplicação dos artigos 59.° e 60.° do Tratado». Mantenho, pois, a opinião defendida nas conclusões que apresentei em 12 de Maio de 2005 no processo Blanckaert, C-512/03 (6), de que o enquadramento de uma norma na área do direito fiscal ou da segurança social não afecta o respeito que, por princípio, é devido às regras de direito comunitário.

24.   A participação de uma instituição na realização de objectivos de política social não exclui, em princípio, a aplicabilidade do direito comunitário; decisivo é, pelo contrário, se a instituição exerce uma actividade económica (7).

25.   Importa agora determinar qual a liberdade fundamental pertinente.

B –    Quanto às liberdades fundamentais em causa

1.      Principais argumentos das partes

26.   A fundação defende que a actividade da empresa de administração de propriedades que gere o edifício utilizado para fins comerciais lhe deve ser imputada como presença permanente no território nacional. Por conseguinte, a administração do seu prédio está abrangida pelo âmbito de aplicação da liberdade de estabelecimento. Caso o Tribunal de Justiça não partilhe deste entendimento, sustenta que a sua actividade deve ser analisada na perspectiva da liberdade de prestação de serviços, dado que efectua uma prestação de serviços transfronteiriça mediante remuneração. Mas, em qualquer caso, a sua actividade económica está abrangida pela liberdade de circulação de capitais. Com efeito, o Anexo I da Directiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado (revogado pelo Tratado de Amesterdão) (8) estabelece uma nomenclatura dos movimentos de capitais, e a obtenção de receitas inclui-se nos movimentos de capitais na acepção do ponto II, alínea A, onde são mencionados os investimentos imobiliários efectuados no território nacional por não-residentes. Nas notas explicativas desta nomenclatura, tais investimentos são definidos como aquisições de propriedades por pessoas privadas com fins lucrativos ou pessoais.

27.   Em contrapartida, a Comissão entende que o caso vertente não está abrangido pelo âmbito de aplicação da liberdade de prestação de serviços. É certo que a fundação efectua uma prestação de serviços transfronteiriça mediante remuneração, mas a liberdade de prestação de serviços desempenha um papel subsidiário face à liberdade de circulação de capitais, pertinente no caso em apreço. Contrariamente ao entendimento da fundação, a Comissão acrescenta que o âmbito de aplicação material da liberdade de estabelecimento não está em causa no caso vertente, dado que o arrendamento de propriedades na Alemanha não ultrapassa o contexto da gestão do património e, deste modo, não constitui o exercício de qualquer actividade de carácter económico, na acepção da liberdade de estabelecimento.

28.   Pelo contrário, o Finanzamt recorrido, o Governo do Reino Unido e – a título subsidiário – o Governo federal alemão e o Chief State Solicitor da Irlanda sustentam que o artigo 58.° do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que exclui do âmbito de aplicação dos artigos 52.° e 59.° do Tratado CE todas as entidades de cujos estatutos resulte que não prosseguem fins lucrativos, sendo irrelevante se exercem ou não actividades económicas. O Governo do Reino Unido entende que a sua posição é confirmada pelo acórdão de 21 de Março de 2002, Kennemer (9) e acrescenta que o Tribunal de Justiça se distanciou da solução diferente, proposta pelo advogado-geral Cosmas nas conclusões apresentadas em 28 de Janeiro de 1999 no processo Comissão/Bélgica (10).

29.   Neste contexto, o Finanzamt recorrido indica que o conceito de «fins lucrativos» na acepção do artigo 58.°, n.° 2, do Tratado CE, deve ser interpretado no sentido de que vai para além da mera actuação como «operador de mercado», pois refere-se à estrutura interna da respectiva organização. O que é decisivo é saber se, nos termos dos seus objectivos e dos seus estatutos, a fundação visa também a obtenção de rendimentos positivos. O artigo 58.°, n.° 2, do Tratado CE permite aos Estados-Membros impedir distorções de concorrência que podem ocorrer quando associações com fins lucrativos concorrem com empresas.

30.   Segundo o Governo do Reino Unido, a descrição dos factos pelo órgão jurisdicional nacional não contém qualquer indício de que seja afectada a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 73.°-B do Tratado CE.

31.   Pelo contrário, o Governo italiano entende que este caso está directamente abrangido pelas disposições do Tratado CE relativas à liberdade de estabelecimento e à liberdade de prestação de serviços. A regulamentação alemã controvertida contraria também a liberdade de circulação de capitais, porque as pessoas colectivas não estabelecidas na Alemanha podem ser impedidas de efectuar investimentos neste Estado.

2.      Apreciação jurídica

a)      Observações introdutórias

32.   Na sua questão prejudicial, o Bundesfinanzhof alemão refere-se às disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento, à liberdade de prestação de serviços e à liberdade de circulação de capitais. Dado que, nos termos do artigo 50.°, primeiro parágrafo, CE a liberdade de prestação de serviços tem natureza subsidiária face às outras duas liberdades fundamentais, ela só deve ser examinada se no caso em apreço não for pertinente nem a esfera de protecção da liberdade de estabelecimento nem a da liberdade de circulação de capitais.

33.   Quanto à liberdade de estabelecimento é de notar, antes de mais, que as partes se pronunciaram em detalhe quanto à interpretação do artigo 48.°, n.° 2, CE, na medida em que esta disposição exclui pessoas de direito privado que não prosseguem fins lucrativos do âmbito de aplicação ratione personae da liberdade de estabelecimento – e, em conjugação com o artigo 55.° CE, da liberdade de prestação de serviços. Contudo, só é necessário esclarecer se e em que medida uma fundação de utilidade pública prossegue fins lucrativos se a actividade de locação exercida pela fundação, que está aqui em causa, for abrangida pelo âmbito de aplicação material da liberdade de estabelecimento.

34.   Por conseguinte, importa esclarecer, antes de mais, a questão de saber se o regime nacional em causa deve ser examinado à luz da liberdade de estabelecimento e/ou da liberdade de circulação de capitais. Se a actividade que a fundação prossegue na Alemanha for abrangida pelo âmbito de aplicação material de uma destas liberdades ou de ambas, deve examinar-se por último se a fundação é protegida pela liberdade em causa.

b)      Delimitação entre a liberdade de estabelecimento e a liberdade de circulação de capitais

35.   Entre as disposições relativas à liberdade de estabelecimento e as relativas à livre circulação de capitais existe uma relação estreita, que é indicada, desde logo, pelas reservas recíprocas constantes do artigo 58.°, n.° 2, CE e do artigo 43.°, n.° 2, CE.

36.   A delimitação entre as duas liberdades fundamentais foi apreciada pelo Tribunal de Justiça numa série de decisões. Na sua jurisprudência proferida até à data, o Tribunal de Justiça tem entendido que a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de capitais são aplicáveis em paralelo. Subjacente a esta jurisprudência está a premissa de que as disposições relativas ao movimento de capitais só excluem a aplicação paralela de outras liberdades fundamentais nos casos de medidas que regulam de modo específico os movimentos de capitais. Porém, se os fluxos de capitais são indirectamente afectados pelo facto de ser dificultado o exercício de uma actividade económica noutro Estado-Membro é pertinente também, de qualquer modo, a liberdade fundamental aplicável à actividade em causa (11).

37.   Verificam-se sobreposições entre a liberdade de circulação de capitais e a liberdade de estabelecimento, sobretudo quando a legislação nacional incide sobre investimentos directos, por exemplo, sob a forma de participações (12), ou sobre a aquisição de bens imobiliários para exercer uma actividade económica transfronteiriça (13).

38.   Do artigo 44.°, n.° 2, alínea e), CE decorre, por um lado, que a liberdade de estabelecimento abrange também a aquisição dos bens imóveis explorados comercialmente e necessários para esse fim. Por outro lado, os investimentos imobiliários constituem um movimento de capitais, na acepção da nomenclatura dos movimentos de capitais constante do Anexo I da Directiva 88/361 e, dado que esta nomenclatura tem, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um valor indicativo para efeitos da definição do conceito de «movimentos de capitais» nos termos do artigo 56.° e segs. CE (14), um investimento em bens imóveis é simultaneamente abrangido pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais.

39.   Quanto a uma eventual relação de concorrência entre a livre circulação de capitais e a liberdade de estabelecimento, os critérios de delimitação estabelecidos pelo Tribunal de Justiça podem ser resumidos do seguinte modo:

(1) A aquisição transfronteiriça de um imóvel constitui sempre, em princípio, quaisquer que sejam os motivos por que é feita, um investimento de capital que é protegido pelas disposições relativas aos movimentos de capitais (15).

(2) Na medida em que a aquisição de um bem imóvel seja necessária para o exercício de uma actividade económica com carácter duradouro noutro Estado-Membro, esta aquisição está simultaneamente abrangida pela esfera de protecção da liberdade de estabelecimento (16) (17).

40.   Neste contexto, há que analisar se a aquisição de propriedades por um não-residente em causa no processo principal – atendendo aos critérios de delimitação já explicados – está abrangida pelo âmbito de aplicação material da liberdade de circulação de capitais e/ou da liberdade de estabelecimento.

i)      Âmbito de aplicação material da liberdade de circulação de capitais

41.   O caso vertente está abrangido pelo âmbito de aplicação material da liberdade de circulação de capitais, porque a fundação com sede em Itália adquiriu uma propriedade na Alemanha e a aquisição de imóveis por um não-residente no território nacional constitui um movimento de capitais, na acepção do artigo 1.° da Directiva 88/361 e da nomenclatura dos movimentos de capitais desta directiva (18).

ii)    Âmbito de aplicação material da liberdade de estabelecimento

42.   Para que a liberdade de estabelecimento fosse aplicável, em termos materiais, a par da liberdade de circulação de capitais, a propriedade situada na Alemanha tinha de ser utilizada pela fundação como instalação estável para a prossecução de uma actividade económica (19).

43.   Neste contexto é de referir, antes de mais, que o imóvel adquirido na Alemanha é arrendado pela fundação e não complementa um estabelecimento já existente, mas constitui a actividade principal da fundação na Alemanha (20).

–       Uma actividade económica independente com carácter duradouro?

44.   Em primeiro lugar, há que verificar se o arrendamento de um prédio como o do processo principal constitui, efectivamente, uma actividade económica.

45.   Nas suas observações, a Comissão considerou não ser esse o caso, porque no direito alemão, o arrendamento de um imóvel não ultrapassa o âmbito da gestão do património e não constitui, por isso, uma actividade económica autónoma.

46.   Este ponto de vista não pode ser acolhido. É certo que, nos termos do § 14 do AO 1977, o arrendamento de imóveis corresponde, efectivamente, apenas à gestão do património e não a uma actividade de carácter económico. No entanto, a interpretação de um conceito de direito comunitário não pode, em princípio, orientar-se em função de disposições nacionais. Contra a aplicabilidade da regulamentação fiscal alemã milita também o facto de a ratio desta disposição nacional não estar relacionada com a liberdade de estabelecimento que cabe aqui interpretar.

47.   Com efeito, o § 14 do AO 1977 visa claramente assegurar o tratamento fiscal mais favorável dos rendimentos, em regra mais modestos, provenientes do arrendamento de um imóvel face a rendimentos provenientes de um estabelecimento comercial. Pelo contrário, a liberdade de estabelecimento visa proteger contra discriminações qualquer operador económico no mercado comum, sendo irrelevante a importância da actividade económica abrangida, excepto se se tratar de uma actividade totalmente irrelevante e secundária. Quanto mais extensiva for a interpretação do conceito de actividade económica em direito comunitário, tanto maior será o círculo dos beneficiários, pelo que, neste contexto, não surpreende que o Tribunal de Justiça reconheça uma interpretação extensiva do conceito de actividade económica (21).

48.   Logo, também as pessoas colectivas que, como no caso vertente, actuam sem o objectivo de maximização dos lucros, podem exercer uma actividade económica (22). Mesmo que a fundação, como fundação de utilidade pública proceda ao arrendamento de um imóvel sem visar a maximização dos lucros, a sua actividade de locação constitui uma actividade remunerada e, deste modo, uma participação na vida económica que não é completamente despicienda. Por conseguinte, o arrendamento do imóvel em Munique constitui uma actividade económica independente na acepção da liberdade de estabelecimento.

49.   O critério do carácter duradouro está também preenchido.

–       Existência de uma instalação estável?

50.   A fundação não tem escritórios próprios e, deste modo, não tem qualquer instalação estável na Alemanha. Resulta dos autos que as prestações de serviços relacionadas com a locação do imóvel são efectuadas por uma empresa alemã de administração de propriedades. Por conseguinte, coloca-se a questão de saber se a actividade de administração de propriedades da fundação pode ser entendida como presença permanente.

51.   No acórdão Seguros (23), o Tribunal de Justiça declarou que uma empresa também se deve considerar estabelecida quando a sua presença noutro Estado-Membro se exerce por meio de um escritório, gerido por uma pessoa independente mas mandatada para agir permanentemente em nome dela, como o faria uma agência.

52.   Todavia, em tais casos é necessária uma ligação exclusiva ou especialmente relevante da pessoa independente ao seu cliente, devendo participar na gestão dos contratos e não actuar simultaneamente por conta de concorrentes. Só quando a pessoa independente restringe deste modo a sua própria liberdade empresarial é possível considerar que a empresa que representa está estabelecida no país de acolhimento (24).

53.   O Tribunal de Justiça ainda não teve ocasião de aplicar estes critérios de imputação a outros casos, possivelmente devido às peculiaridades da comercialização de seguros (25), pelo que a sua validade geral pode parecer duvidosa.

54.   Independentemente desta questão, há que concluir que uma empresa de administração de propriedades representa vários proprietários e por isso não corresponde, em qualquer caso, aos critérios de imputação acima expostos pelo que, tudo ponderado, deve negar-se a imputação à recorrente da actividade da empresa de administração de propriedades.

55.   Por conseguinte, no caso em apreço, a liberdade de estabelecimento não é aplicável porque a fundação não dispõe de uma instalação estável no território federal alemão.

c)      Quanto ao âmbito de aplicação pessoal da liberdade de circulação de capitais

56.   Porém, a aplicabilidade das disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais depende ainda da questão de saber se uma fundação de direito italiano e utilidade pública está abrangida pelo âmbito de aplicação ratione personae destas disposições. Por seu turno, a resposta a esta questão depende de saber em que medida uma fundação de utilidade pública como a fundação aqui em causa está incluída no círculo dos beneficiários da liberdade de circulação de capitais.

57.   Independentemente da qualificação dada em direito comunitário à actividade de locação no caso concreto, uma fundação pode ser excluída do âmbito de aplicação pessoal da liberdade de circulação de capitais. Isto pode resultar, por exemplo, da aplicação analógica do artigo 48.°, n.° 2, CE, designadamente, quando da utilidade pública da fundação for possível deduzir que ela não prossegue fins lucrativos.

58.   De acordo com a sua letra, o artigo 48.° CE aplica-se ao capítulo relativo à liberdade de estabelecimento no Tratado CE. Nos termos da remissão do artigo 55.° CE, o artigo 48.° CE é aplicável igualmente à liberdade de prestação de serviços. Pelo contrário, as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais não contêm qualquer remissão deste tipo. O teor e a economia do Tratado CE indicam, assim, que a esfera de protecção pessoal da liberdade de circulação de capitais não está sujeita às limitações decorrentes do artigo 48.°, segundo parágrafo, CE.

59.   A consequente inaplicabilidade do artigo 48.° CE no domínio da liberdade de circulação de capitais está em conformidade com a natureza desta liberdade fundamental como liberdade relacionada com o objecto – e não com o sujeito. O funcionamento da livre circulação de capitais não apresenta qualquer relação com a pessoa que a exerce.

60.   Um acórdão mais recente do Tribunal de Justiça confirma, a meu ver, a qualidade da livre circulação de capitais como liberdade relacionada com o objecto: no acórdão de 11 de Dezembro de 2003, Herdeiros de Barbier (26) relativo ao imposto sucessório nos Países Baixos num caso em que o autor da sucessão tinha transferido a sua residência, por motivos de ordem não económica, dos Países Baixos para a Bélgica, adquirindo depois bens imóveis nos Países Baixos, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a aplicação da esfera de protecção da liberdade de circulação de capitais pressupõe a existência de uma actividade económica transfronteiriça. O Tribunal de Justiça limitou-se a constatar que os investimentos imobiliários, assim como a aquisição por sucessão de bens imóveis estão abrangidos pela esfera de protecção da liberdade de circulação de capitais – sem atender às pessoas que invocavam esta liberdade.

61.   Deve reter-se, portanto, que a esfera de protecção pessoal da liberdade de circulação de capitais é aplicável ao processo principal, sendo aqui irrelevante se a fundação prossegue ou não fins lucrativos, na acepção do artigo 48.°, n.° 2, CE.

C –    Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

1.      Principais argumentos das partes

62.   A Comissão, o Governo italiano e a fundação entendem que a liberdade de circulação de capitais é restringida, uma vez que a fundação italiana é tratada de modo mais desfavorável que uma fundação de utilidade pública comparável, com sede na Alemanha. A comparabilidade de ambas as fundações resulta do facto de que, exceptuando a vantagem fiscal, a Alemanha tratou de modo idêntico ambas as fundações relativamente a todos os outros aspectos fiscais.

63.   Segundo a Comissão, se a fundação italiana tivesse a sua sede na Alemanha, os seus rendimentos provenientes de rendas estariam isentos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Esta vantagem é-lhe negada só porque tem a sua sede em Itália e, deste modo, está sujeita a uma obrigação fiscal limitada na Alemanha. Esta restrição indirecta tem por efeito dissuadir as pessoas colectivas com sede noutro Estado-Membro de investirem os respectivos capitais na Alemanha.

64.   Em contrapartida, o Governo do Reino Unido defende que fundações reconhecidas como de utilidade pública nos termos do direito italiano não se encontram numa situação comparável à das fundações reconhecidas como de utilidade pública nos termos do direito alemão, porque os requisitos de utilidade pública variam de Estado-Membro para Estado-Membro.

65.   O Governo alemão acrescenta que as distinções feitas nas ordens jurídicas dos Estados-Membros podem ser tomadas como base para distinções legais conformes ao direito comunitário. Além disso, apenas as fundações nacionais de utilidade pública estão enquadradas na vida social do Estado de acolhimento, o que constitui uma diferença objectiva relativamente às fundações estrangeiras de utilidade pública.

66.   Segundo o Finanzamt recorrido, a tributação não impede a fundação de investir na República Federal da Alemanha, dado que, em regra, os rendimentos são tributados em todos os Estados-Membros.

67.   A fundação indica ainda que decorre do princípio do tratamento nacional mais favorável que as normas fiscais favoráveis constantes da convenção sobre dupla tributação celebrada com os EUA também lhe devem ser aplicadas, caso contrário o exercício da liberdade de circulação de capitais seria restringido. A restrição decorre do facto de a fundação italiana se encontrar, na Alemanha, numa situação comparável à das fundações americanas de utilidade pública que auferem rendimentos provenientes de arrendamento no território nacional e, devido à tributação, ficar numa situação menos favorecida do que as fundações norte-americanas, que não são tributadas.

2.      Apreciação jurídica

a)      Economia da liberdade de circulação de capitais

68.   No caso vertente é necessário examinar se a tributação de uma fundação de utilidade pública de um outro Estado-Membro, sujeita a uma obrigação fiscal limitada, constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais.

69.   A livre circulação de capitais distingue-se das outras liberdades fundamentais no que toca à sua formulação, uma vez que o texto do artigo 56.° CE contém uma proibição geral de restrições e a seguir precisa que esta proibição não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE].

70.   Porém, isto não significa que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os Estados-Membros possam restringir a esfera de protecção da livre circulação de capitais mais intensamente que a esfera de protecção das outras liberdades fundamentais.

71.   O Tribunal de Justiça só no acórdão Manninen (27) teve oportunidade de analisar a competência legislativa dos Estados-Membros em matéria de impostos directos à luz dos artigos 56.° e 58.° CE. Declarou aí que o artigo 58.° CE só admite que uma disposição fiscal distinga entre os sujeitos passivos em função do lugar onde investem os seus capitais se a diferença de tratamento respeitar a situações não comparáveis objectivamente ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral e que tal justificação pressupõe que a diferença de tratamento não vá além do que é necessário para que o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa seja atingido, pelo que, em suma, se deve distinguir entre os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE e as discriminações arbitrárias proibidas pelo n.° 3 desse mesmo artigo.

72.   Embora estas considerações indiquem já que o Tribunal de Justiça aplica os mesmos princípios à livre circulação de capitais e às outras liberdades fundamentais, este paralelismo só foi afirmado inequivocamente no acórdão D. (28), de 5 de Julho de 2005, no qual o Tribunal de Justiça aplicou a sua jurisprudência relativa a restrições à livre circulação de pessoas, à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços no domínio da tributação directa à liberdade de circulação de capitais.

73.   Importa agora analisar esta jurisprudência. Segundo ela, as liberdades fundamentais proíbem não apenas discriminações notórias em função da nacionalidade, como também todas as outras formas dissimuladas de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção, conduzem na verdade ao mesmo resultado prático. Contêm assim uma proibição de discriminação, segundo a qual devem ser excluídas situações em que, injustificadamente, sejam aplicadas regras diferentes a situações comparáveis ou critérios iguais a situações diferentes.

74.   No que toca a uma eventual diferenciação entre residentes e não residentes pelo direito fiscal interno, o Tribunal de Justiça sublinhou que existe o perigo de as disposições de um Estado-Membro que prevêem benefícios fiscais a favor de residentes funcionarem principalmente em detrimento de nacionais de outros Estados-Membros, uma vez que os não residentes são, normalmente, estrangeiros; assim, tais disposições são susceptíveis de constituir uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade.

75.   Em acórdãos relativos à tributação de pessoas singulares em sede de imposto sobre o rendimento (29), o Tribunal de Justiça declarou primeiro que a situação dos residentes e a dos não residentes num dado Estado não são, regra geral, comparáveis, porque apresentam diferenças objectivas, tanto do ponto de vista da fonte do rendimento como da capacidade contributiva pessoal ou da tomada em consideração da situação pessoal e familiar.

76.   Todavia, deve esclarecer-se que, perante uma vantagem fiscal cujo benefício seja recusado aos não residentes, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes pode ser qualificada de discriminação, na acepção do Tratado, quando não exista qualquer diferença objectiva de situação susceptível de justificar diferenças de tratamento quanto a este aspecto entre as duas categorias de contribuintes.

77.   A existência de uma tal diferença objectiva deve ser determinada tendo em conta, sobretudo, se o não residente aufere o essencial dos seus rendimentos no Estado de emprego ou no Estado de residência (30).

b)      Quanto à restrição à liberdade de circulação de capitais no processo principal

78.   Em direito alemão, ao abrigo do § 5, n.° 1, ponto 9, primeira frase, da KStG as pessoas colectivas de utilidade pública estão isentas de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Mas nos termos do seu n.° 2, esta isenção não se aplica a pessoas colectivas sujeitas a uma obrigação fiscal limitada. Estão sujeitas a uma obrigação fiscal limitada quanto aos seus rendimentos obtidos no território nacional, nos termos do § 2, ponto 1, da KStG, as pessoas colectivas que não têm nem administração nem sede no território nacional. Daqui resulta que os rendimentos obtidos no território nacional por pessoas colectivas estrangeiras de utilidade pública, tal como no caso em apreço, não estão isentos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ao contrário do que acontece com rendimentos deste tipo obtidos por uma pessoa colectiva nacional de utilidade pública.

79.   Por conseguinte, uma pessoa colectiva estrangeira de utilidade pública é sujeita a um tratamento mais desfavorável que uma entidade nacional. Embora este regime não se prenda directamente com a sede da fundação mas com a obrigação fiscal limitada, este aspecto conduz indirectamente, através do § 2, ponto 1, da KStG, ao mesmo resultado: se a fundação de utilidade pública tivesse a sua sede na Alemanha e não noutro Estado-Membro, estaria sujeita a uma obrigação fiscal ilimitada e os rendimentos provenientes do arrendamento da sua propriedade estariam isentos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Este benefício só não lhe é concedido porque tem a sua sede noutro Estado-Membro e, deste modo, está sujeita a uma obrigação fiscal limitada.

80.   É certo que a regulamentação fiscal nacional em causa não afecta directamente os investimentos realizados em imóveis sitos noutro Estado-Membro, protegidos pela livre circulação de capitais. Porém, um investimento visa colher frutos – aqui sob a forma de rendimentos provenientes de rendas. Através da tributação mais pesada de rendimentos provenientes de rendas auferidos por uma instituição com sede no estrangeiro – atendendo à sua obrigação fiscal limitada – o regime em causa agrava as condições para o investimento estrangeiro em comparação com investimentos semelhantes de uma pessoa colectiva nacional. Portanto, trata-se de uma restrição indirecta à livre circulação de capitais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é porém suficiente para reconhecer uma restrição à livre circulação de capitais (31).

D –    Quanto à existência de uma discriminação arbitrária

1.      Principais argumentos das partes

81.   Segundo a fundação, o critério de distinção da obrigação fiscal limitada pode prejudicar as pessoas colectivas com sede noutros Estados-Membros. A discriminação que daqui resulta não é justificada. Além disso, o tratamento fiscal desfavorável dos rendimentos provenientes de rendas, auferidos por uma fundação de utilidade pública sujeita a uma obrigação fiscal limitada na Alemanha é susceptível de tornar substancialmente menos atractivo o investimento em bens imóveis alemães para fins de arrendamento, em comparação com um investimento em bens imóveis italianos.

82.   Finalmente, a fundação alega que a Alemanha celebrou com dois Estados-Membros, a França e a Suécia, convenções sobre dupla tributação que concedem a pessoas colectivas de utilidade pública não estabelecidas no território nacional vantagens especiais – isenção de imposto sobre legados e sobre as sucessões e doações. A Alemanha celebrou também uma convenção com os Estados Unidos, que prevê uma isenção do imposto sobre o rendimento. Neste ponto, a fundação remete para os fundamentos do acórdão do Tribunal de Justiça, de 21 de Setembro de 1999, Saint-Gobain (32), segundo a qual eventuais desvantagens financeiras resultantes para a Alemanha da concessão de uma isenção do imposto sobre o rendimento, tal como está prevista na convenção germano-americana, não podem justificar a restrição das liberdades fundamentais.

83.   Pelo contrário, o Finanzamt recorrido entende que a recusa em conceder a isenção fiscal a uma fundação sujeita a uma obrigação fiscal limitada não viola o direito comunitário. Com efeito, por um lado, o benefício fiscal concedido a uma fundação de utilidade pública é compensado através de um efeito positivo sobre as finanças públicas. Porém, as prestações de organizações de utilidade pública com sede fora da Alemanha concentram-se normalmente no estrangeiro e não têm um efeito positivo sobre o orçamento alemão. Por outro lado, as pessoas sujeitas a uma obrigação fiscal limitada relativamente aos impostos directos não se encontram numa situação comparável à das pessoas sujeitas a uma obrigação fiscal ilimitada. Finalmente, as autoridades fiscais alemãs só limitadamente podem fiscalizar se uma fundação de utilidade pública estabelecida no estrangeiro prossegue efectivamente o fim previsto nos estatutos.

84.   Segundo o Governo federal alemão, a regulamentação alemã não discrimina as pessoas colectivas estrangeiras; caso se entendesse que existe uma discriminação ou restrição, tal seria justificável por razões de coerência, pois existe uma correlação rigorosa entre a isenção fiscal e o que é prestado em lugar do imposto, através da actividade exercida no interesse geral pelas pessoas colectivas de utilidade pública sujeitas a uma obrigação fiscal ilimitada.

85.   Segundo o Governo do Reino Unido, está excluída a violação da liberdade de circulação de capitais, dado que os requisitos de utilidade pública variam de Estado-Membro para Estado-Membro de acordo com as respectivas noções de interesse público e ordem pública, pelo que as fundações nacionais e estrangeiras não se encontram numa situação comparável. De qualquer modo, a recusa de isenção fiscal a uma fundação que não prossegue fins lucrativos e tem a sua sede noutro Estado-Membro está justificada pela necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais.

86.   Na opinião da Comissão o tratamento desigual não pode ser justificado. Com efeito, por um lado, não existe qualquer diferença objectiva entre uma fundação de utilidade pública com sede na Alemanha e uma fundação de utilidade pública com sede noutro Estado-Membro. Por outro lado, as autoridades fiscais alemãs podem, com base na Directiva 77/799/CEE (33), obter das autoridades competentes de outros Estados-Membros todas as informações necessárias para determinar o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas.

87.   A Comissão entende que o controlo fiscal pode ser efectuado através de medidas menos restritivas e que as disposições constantes das convenções celebradas com a França e os Estados Unidos, que favorecem organizações de utilidade pública, mostram que o legislador alemão considera que o incentivo fiscal dado a actividades de utilidade pública fora da República Federal da Alemanha é conforme ao sistema.

2.      Apreciação jurídica

88.   A seguir, importa analisar em que medida as fundações nacionais e estrangeiras se encontram numa situação comparável. Sendo reconhecida a comparabilidade, deve ainda examinar-se se o tratamento desigual de fundações nacionais e estrangeiras pela Körperschaftsteuergesetz alemã, já constatado, pode ser justificado por razões imperiosas de interesse geral (34).

a)      Quanto à comparabilidade de fundações nacionais e estrangeiras

89.   O tratamento desigual acima constatado é discriminatório se uma fundação nacional e uma fundação com sede noutro Estado-Membro se encontrarem numa situação comparável face à legislação fiscal alemã.

90.   Em direito alemão, as fundações de utilidade pública estão isentas de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. A respeito deste regime, o Governo do Reino Unido afirmou que uma fundação estrangeira que desenvolve as suas actividades de utilidade pública sobretudo no estrangeiro, ao contrário de uma fundação nacional, que exerce actividades de utilidade pública no território nacional, não deve ser considerada uma fundação de utilidade pública na acepção do direito nacional. Por conseguinte, as fundações de utilidade pública nacionais e estrangeiras não se encontram numa situação comparável.

91.   Este ponto de vista não pode ser acolhido. Com efeito, o reconhecimento da utilidade pública de uma fundação na Alemanha tem lugar nos termos do direito nacional, cuja interpretação compete aos órgãos jurisdicionais nacionais. A este respeito, o Bundesfinanzhof alemão declarou claramente, no seu despacho de reenvio, que «o direito fiscal alemão reconhece a prossecução de fins de utilidade pública independentemente de a mesma ter lugar dentro ou fora do território alemão. A promoção dos interesses da colectividade, na acepção do § 52 do AO 1977 não pressupõe que os seus beneficiários sejam residentes ou nacionais da Alemanha.»

92.   Assim, uma fundação estrangeira que prossegue os seus objectivos de utilidade pública no estrangeiro, tal como uma fundação nacional que exerce actividades de utilidade pública no território nacional, deve ser qualificada como de utilidade pública pelo direito alemão. Daqui decorre que o tratamento fiscal – aqui em causa – desta fundação estrangeira, cuja utilidade pública nos termos do direito nacional não é contestada, pode ser comparado com o que é dado a uma fundação nacional de utilidade pública.

93.   Neste contexto, é também relevante que, na convenção sobre dupla tributação celebrada com os Estados Unidos (a seguir «convenção sobre dupla tributação-EUA») o Estado alemão concedeu a isenção fiscal também a fundações de utilidade pública, estabelecidas nos EUA e, deste modo, sujeitas a uma obrigação fiscal limitada. Isto mostra que o direito alemão não exclui, pelo menos em princípio, um reconhecimento «automático» do estatuto de utilidade pública concedido no estrangeiro.

94.   Sublinhe-se, contudo, que este tratamento idêntico – decorrente da legislação nacional – de fundações nacionais e estrangeiras quanto ao reconhecimento da sua utilidade pública não pode ser considerado uma exigência do direito comunitário. Com efeito, é ao direito nacional que compete determinar quais os interesses que devem ser escolhidos para efeitos do reconhecimento da utilidade pública, sem que a decisão de outro Estado-Membro possa ter valor indicativo a este respeito. A apreciação transnacional do interesse geral, favorecida pela Comissão, parece ser bastante audaciosa face às lacunas da competência legislativa da Comunidade precisamente em matéria não económica (35).

95.   Além disso, o Governo do Reino Unido e o Finanzamt referiram, correctamente, a necessidade de um controlo, em especial quanto à utilização, conforme com os estatutos, de donativos recebidos e de outros rendimentos.

96.   O reconhecimento de que, em princípio, os Estados-Membros são competentes para apreciar o reconhecimento da utilidade pública, juntamente com a necessidade de um controlo eficaz dos órgãos e da actividade de uma instituição que, nos termos dos seus estatutos, prossegue um fim de utilidade pública pressupõem, em regra, que o reconhecimento da utilidade pública de uma instituição depende de um nexo suficientemente claro com o território nacional. Portanto, é em princípio compatível com o direito comunitário estipular o não reconhecimento da utilidade pública desse tipo de instituição, quando as suas actividades não apresentem um correspondente nexo efectivo com o território nacional, como é evidente no caso em apreço. Se o direito nacional não atende a esse nexo com o território nacional das actividades da fundação, tal como resulta das indicações – manifestamente não contestadas – do órgão jurisdicional de reenvio, o direito comunitário opõe-se, em princípio, a uma diferenciação entre instituições de utilidade pública atendendo apenas à sede, porque se trata de uma discriminação de instituições comparáveis.

97.   Resta indagar se o argumento invocado pela fundação, segundo o qual é tratada menos favoravelmente que fundações de utilidade pública com sede nos EUA é relevante no plano do direito comunitário.

98.   No acórdão D. (36), o Tribunal de Justiça negou a comparabilidade entre um não residente e um outro não residente que beneficie de um tratamento especial ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação. Indicou, como fundamentação, que «o facto de esses direitos e obrigações recíprocos apenas se aplicarem a pessoas residentes num dos dois Estados-Membros contratantes é uma consequência inerente às convenções bilaterais preventivas da dupla tributação» (37). Deste modo, o princípio do tratamento nacional mais favorável, invocado pela fundação, não é pertinente no caso em apreço devido à não comparabilidade da situação fiscal de uma fundação norte-americana de utilidade pública e de uma fundação de utilidade pública com sede em Itália.

99.   Como conclusão intermediária, deve considerar-se, porém, que o regime em causa parece ser discriminatório na medida em que sujeita contribuintes comparáveis a um tratamento diferente. Importa agora examinar eventuais justificações.

b)      Quanto à coerência da regulamentação fiscal alemã

100. Deve observar-se, a título preliminar, que as partes parecem ter um entendimento diferente de «coerência» de um sistema fiscal. O Governo federal alemão efectua uma interpretação muito extensiva do contexto de coerência, como a concessão de uma vantagem fiscal a fundações que auxiliam o Estado através da sua utilidade pública que beneficia o território nacional. Em contraste, a fundação entende por coerência apenas a compensação de uma desvantagem fiscal sentida por um contribuinte através de uma vantagem fiscal.

101. Nos acórdãos Bachmann (38) e Comissão/Bélgica (39), o Tribunal de Justiça declarou que a necessidade de se preservar a coerência de um regime fiscal pode justificar uma restrição às liberdades fundamentais.

102. Todavia, em acórdãos posteriores, o Tribunal de Justiça limitou o alcance deste princípio: por exemplo, nos acórdãos Asscher (40) e Verkooijen (41), o Tribunal de Justiça declarou que um regime fiscal só deve ser considerado coerente quando existe necessariamente um nexo directo entre o benefício fiscal concedido, por um lado, e a tributação do mesmo contribuinte relativamente ao mesmo imposto, por outro. Nestes acórdãos é, pois, exigida uma estrita relação funcional entre vantagens e desvantagens fiscais. Não basta que o efeito compensatório possa surgir como um resultado fortuito.

103. No acórdão Verkooijen, o Tribunal de Justiça entendeu que o regime fiscal aí em causa não era coerente, com o fundamento de que nesse caso não existia «nenhum nexo directo desta natureza [...] entre a concessão aos accionistas residentes nos Países Baixos de isenção em matéria de imposto sobre o rendimento quanto aos dividendos recebidos e a tributação dos lucros das sociedades com sede noutros Estados-Membros. Trata-se de impostos distintos que atingem contribuintes distintos» (42).

104. Neste contexto, não é convincente a interpretação do conceito de coerência defendida, em especial, pelo Governo federal alemão, segundo a qual o regime fiscal em causa deve ser considerado coerente porque favorece as instituições – nacionais – que exoneram o Estado do seu dever de assistência no território nacional, através da sua utilidade pública.

105. Pelo contrário, relativamente a factos como os do processo principal, a coerência deve ser entendida como compensação entre uma vantagem fiscal e uma desvantagem fiscal. No caso vertente não é possível descortinar qual o benefício que deve ser compensado através desta discriminação de instituições sujeitas a uma obrigação fiscal limitada, nos termos do § 5, n.° 2, ponto 2, da KStG.

106. Mas nem uma interpretação extensiva do conceito de coerência permitiria justificar a restrição constatada. Com efeito, se se seguir o raciocínio do Governo federal alemão, segundo o qual só devem ser beneficiadas as instituições de utilidade pública que, através das suas actividades de utilidade pública – dado que as suas actividades apresentam um nexo com o território nacional – auxiliam o Estado, o tratamento fiscal diferenciado só pode ser considerado coerente se o tratamento preferencial se prendesse com este nexo das suas actividades de utilidade pública com o território nacional – e não com a sua sede. Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o regime fiscal em causa não se prende precisamente com o local onde é exercida a actividade de utilidade pública.

107. Em resumo, é de concluir que o regime fiscal em causa não pode ser classificado como coerente quer se faça uma interpretação restritiva quer uma interpretação extensiva do princípio da coerência.

c)      Quanto à falta de suficientes possibilidades de fiscalização e controlo

108. O Finanzamt e o Governo federal alemão, apoiados neste ponto pelo Governo do Reino Unido e pelo Chief State Solicitor da Irlanda, observam que as autoridades alemãs não dispõem de suficientes possibilidades de fiscalização e controlo relativamente a fundações estrangeiras. Em especial, é problemático que as autoridades tributárias alemãs devem não apenas fiscalizar a actividade da fundação relevante para efeitos fiscais mas também, para determinar a obtenção e a manutenção do estatuto de utilidade pública da fundação, examinar em detalhe todas as suas actividades.

109. Não é possível negar que uma fiscalização completa de fundações com actividades transfronteiriças coloca dificuldades práticas. A necessidade – e mesmo a indispensabilidade – de tais possibilidades de fiscalização e controlo são incontestáveis face às preocupações cada vez maiores com a segurança dos cidadãos.

110. Porém, este argumento ignora que, no processo principal, o Bundesfinanzhof não levantou quaisquer dúvidas quanto à utilidade pública e, deste modo, é manifesto que parte do princípio de que as autoridades fiscais alemãs têm suficientes possibilidades de controlo (43).

111. É certo que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a eficácia dos controlos fiscais é susceptível de justificar uma restrição às liberdades fundamentais mas, na maioria dos casos, não aceita (44) esta justificação remetendo para as possibilidades de assistência mútua (45).

112. Remetendo para a directiva «assistência mútua», o Tribunal de Justiça decidiu já, por várias vezes, que um Estado-Membro está em condições de controlar se estão reunidas as condições do respectivo regime fiscal (46).

113. Mas, de qualquer modo, as dificuldades expostas dizem respeito ao reconhecimento da utilidade pública de uma fundação com sede no estrangeiro e não permitem justificar um tratamento fiscal mais desfavorável de fundações cuja utilidade pública não parece estar em causa. Por conseguinte, a exclusão de fundações de utilidade pública sujeitas a uma obrigação fiscal limitada da isenção fiscal também não pode ser justificada pela eficácia dos controlos fiscais.

d)      Quanto a outras eventuais justificações

114. Também não pode ser aceite o argumento do Chief State Solicitors da Irlanda, segundo o qual o tratamento desigual se justifica por razões de prevenção da fraude fiscal.

115. É certo que a prevenção da fraude e da evasão fiscal constitui uma reconhecida causa de justificação, mas, dado que no caso vertente esta presunção de fraude só se prende com a conexão com o estrangeiro e exclui, em geral, todas as fundações estrangeiras do benefício fiscal, deve, de qualquer modo, como a Comissão correctamente indica nas suas observações, ser considerada desproporcionada.

116. Finalmente, o Governo federal alemão, o Governo do Reino Unido e o Chief State Solicitor da Irlanda invocam também considerações de reciprocidade, a eventual perda de receitas fiscais e a possibilidade de evitar a desvantagem em questão.

117. Quanto ao risco da perda de réditos fiscais, o Tribunal de Justiça declarou, por exemplo, no acórdão Verkooijen, que a redução das receitas fiscais «não pode ser considerada razão imperiosa de interesse geral» (47).

118. No seu acórdão «avoir fiscal» (48), o Tribunal de Justiça indicou, relativamente ao argumento da reciprocidade, que as liberdades fundamentais são incondicionais e, em especial, não permitem sujeitar os direitos nelas assentes a uma condição de reciprocidade, com o fim de obter vantagens correspondentes em outros Estados-Membros.

119. Quanto à possibilidade de evitar a desvantagem referida – por exemplo, através de transferência da sede – o Tribunal de Justiça declarou no mesmo acórdão que as liberdades fundamentais «[dão] expressamente aos operadores económicos a possibilidade de escolherem livremente a forma jurídica adequada para o exercício das suas actividades em um outro Estado-Membro [...]» (49).

120. Em resumo, deve concluir-se que um regime nacional do tipo do que está em causa, que tem por efeito a recusa de uma isenção fiscal a instituições que, embora reconhecidas como de utilidade pública pelo direito nacional estão sujeitas a uma obrigação fiscal limitada por terem a sua sede no estrangeiro, constitui uma restrição injustificada à livre circulação de capitais.

V –    Conclusão

121. Por conseguinte, propomos que se responda à questão prejudicial submetida pelo Bundesfinanzhof nos seguintes termos:

Os artigos 56.° e 58.° CE, relativos à livre circulação de capitais na Comunidade, opõem-se a um regime nacional nos termos do qual uma fundação de direito privado e utilidade pública com sede noutro Estado-Membro – reconhecida pelo direito nacional – e que está sujeita a uma obrigação fiscal limitada no território nacional pelos rendimentos provenientes do arrendamento de imóveis auferidos neste, não está isenta de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ao contrário do que sucede com uma fundação de utilidade pública que aufere rendimentos análogos e que está sujeita a uma obrigação fiscal ilimitada no território nacional.

Os artigos 56.° e 58.° CE, relativos à livre circulação de capitais na Comunidade, não se opõem a um regime nacional que trata instituições com sede no estrangeiro, cuja utilidade pública não seja reconhecida pelo direito nacional, de modo diferente das instituições de utilidade pública com sede no território nacional.


1 – Língua original: alemão.


2 – Körperschaftsteuergesetez 1996, com a redacção que lhe foi dada pelo aviso de 22 de Fevereiro de 1996 (BGBl. I S 340, BStBl. I p. 166).


3 – V., em especial, acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, Colect., p. I-225, n.° 21) e de 7 de Setembro de 2004, Manninen (C-319/02, Colect., p. I-7477, n.° 19).


4 – Decker (C-120/95, Colect., p. I-1831, n.os 22 e segs.).


5 – Kohll (C-158/96, Colect., p. I-1931, n.os 18 e segs.).


6 – N.° 65 destas conclusões (acórdão de 8 de Setembro de 2005, ainda não publicado na Colectânea).


7 – O Tribunal de Justiça parece ter partido deste princípio ao declarar, no seu acórdão de 22 de Maio de 2003, Freskot (C-355/00, Colect., p. I-5263), que o eventual entrave à livre prestação de serviços decorrente de um regime de seguro obrigatório pode ser justificado por objectivos de política social deste sistema. V., por último, também conclusões apresentadas pelo advogado-geral Poiares Maduro, em 10 de Novembro de 2005, no processo pendente C-205/03 P (FENIN) relativo à aplicação do conceito de empresa ao suporte de um sistema nacional de saúde.


8 – JO L 178, p. 5.


9 – Kennemer (C-174/00, Colect., p. I-3293).


10 – Comissão/Bélgica (C-172/98, acórdão de 29 de Junho de 1999, Colect., p. I-3999).


11 – Acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann (C-204/90, Colect., p. I-249, n.° 34), e de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson (C-484/93, Colect., p. I-3955).


12 – V., por exemplo, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen (C-35/98, Colect., p. I-4071), e de 13 de Abril de 2000, Baars (C-251/98, Colect., p. I-2787).


13 – V., por exemplo, acórdão de 1 de Junho de 1999, Konle (C-302/97, Colect., p. I-3099). V. acórdão de 13 de Julho de 2000, Albore (C-423/98, Colect., p. I-5965), no qual os motivos do adquirente da propriedade são considerados secundários.


14 – V. acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer (C-222/97, Colect., p. I-1661, n.° 21): «[...] na medida em que o artigo 73.°-B [actual artigo 56.° CE] do Tratado CE retomou, no essencial, o conteúdo do artigo 1.° da Directiva 88/361, e embora esta tenha sido adoptada com base nos artigos 69.° e 70.°, n.° 1, do Tratado CEE, entretanto substituídos pelos artigos 73.°-B e seguintes do Tratado CE, a nomenclatura dos movimentos de capitais que lhe está anexa conserva o valor indicativo que tinha antes da sua entrada em vigor para efeitos da definição do conceito de movimentos de capitais, dado que, de acordo com a sua introdução, a lista que contém não apresenta natureza exaustiva.»


15 –      Acórdão Albore (já referido na nota 13, n.° 14). A este respeito, estão ultrapassados os acórdãos de 14 de Janeiro de 1988, Comissão/Itália (63/86, Colect., p. 29) e de 30 de Maio de 1989, Comissão/Grécia (305/87, Colect., p. 1461), que se referiam a disposições nacionais que proibiam nacionais de outros Estados-Membros de adquirir bens imóveis em determinadas zonas do território nacional. O Tribunal de Justiça decidiu que estas disposições violavam a liberdade de estabelecimento – porém num momento em que as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais não eram directamente aplicáveis.


16 –      Acórdão Konle (já referido na nota 13, n.os 16 e 22). Esta é também a ilação tirada pelo advogado-geral Alber nas conclusões apresentadas no processo Baars (acórdão já referido na nota 12, n.os 26 a 30), verificando-se que, neste processo, o advogado-geral analisa em conjunto os investimentos directos e os investimentos imobiliários e, por conseguinte, introduz o critério do carácter directo da infracção. Neste sentido, v. também: Christoph Ohler, Europäische Kapital- und Zahlungsverkehrsfreiheit, artigo 56.° CE, n.os 126-129; Berbadette Schäfer, Die steuerliche Behandlung gemeinnütziger Stiftungen in grenzüberschreitenden Fällen, 316; Jurgen Bröhmer in Christian Calliess/Matthias Ruffert (ed.): Kommentar zu EU-Vertrag und EG-Vertrag, artigo 56.° CE, n.os 22-25 e Randelzhofer/Forsthoff in Grabitz/Hilf, EGV, artigo 43.° CE, n.os 28 a 31.


17 –      V., por último, também o acórdão C-512/03, de 8 de Setembro de 2005 (já referido na nota 6, n.os 30 e segs.). Nesse processo, o recorrente no processo principal tinha adquirido uma casa de férias no estrangeiro. A tributação de rendimentos fictícios provenientes de rendas deste bem foi analisada à luz da livre circulação de capitais – e não da liberdade de estabelecimento.


18 – V. supra, n.° 38.


19 – Em jurisprudência assente, o Tribunal de Justiça tem definido estabelecimento como a prossecução efectiva de uma actividade económica, através de uma instalação estável noutro Estado-Membro, por um período indefinido [por exemplo, acórdão de 25 de Julho de 1991, Factortame (C-221/89, Colect., p. I-3905, n.° 20)].


20 – No acórdão Konle (já referido na nota 13) o recorrente no processo principal pretendia, pelo contrário, utilizar o imóvel – objecto de aquisição transfronteiriça – como a sua residência principal e exercer aí uma actividade comercial no quadro da empresa que já explorava na Alemanha.


21 – V., por exemplo, acórdão de 12 de Dezembro de 1974, Walrave e Koch (36/74, Colect., p. 1405, n.° 4).


22 – Acórdãos de 12 de Fevereiro de 1987, Comissão/Bélgica (221/85, Colect., p. 719), e de 17 de Junho de 1997, Sodemare e o. (C-70/95, Colect., p. I-3395).


23 – Acórdão de 4 de Dezembro de 1986, Comissão/Alemanha (205/84, Colect., p. 3755, n.° 21).


24 – V., a este respeito, as considerações de Tiedje/Troberg in: von der Groeben/Schwarze, Artikel 43, n.os 44 a 46, e von Randelzhofer/Forsthoff in: Grabitz, Artikel 43, n.° 59, com remissões.


25 – Ao contrário do que se verifica noutros ramos económicos, o mediador de seguros tem, em regra, um papel decisivo na configuração dos produtos de seguros.


26 – Herdeiros de Barbier (C-364/01, Colect., p. I-15013).


27 – Já referido na nota 3.


28 – Processo C-376/03 (ainda não publicado na Colectânea).


29 – Em matéria de impostos directos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça refere-se a pessoas singulares e pessoas colectivas. É certo que a jurisprudência relativa a ambos os grupos segue, em geral, os mesmos princípios, mas existem algumas diferenças materiais, com repercussões sobre o tratamento jurídico de ambas as categorias.


30 – V. acórdão Schumacker (já referido na nota 3).


31 – V., a este respeito, acórdão Verkooijen (já referido na nota 12, n.os 34 e segs.).


32 – Saint-Gobain, (C-307/97, Colect., p. I-6161).


33 – Directiva do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos, de certos impostos especiais de consumo e dos impostos sobre os prémios de seguro, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2004/106/CE do Conselho, de 16 de Novembro de 2004 (JO L 359, p. 30, a seguir «directiva assistência mútua»).


34 – Quanto à economia da livre circulação de capitais remete-se para o acórdão Manninen (já referido na nota 3, n.os 28 e 29).


35 – A referência à Comunicação da Comissão relativa aos serviços de interesse geral na Europa, de 20 de Setembro de 2000, COM (2000), 580 (JO 2001, C 14/4), não é particularmente feliz dado que, a este respeito o Tratado parte da distinção básica entre serviços de interesse económico geral (v., por exemplo, artigo 86.°, n.° 2, CE) e actividades sem carácter económico.


36 – Já referido na nota 28.


37 – Ibidem, n.° 61.


38 – Já referido na nota 11.


39 – Acórdão de 28 de Janeiro de 1992, Comissão/Bélgica (C-300/90, Colect., p. I-305).


40 – Acórdão de 27 de Junho de 1996, Asscher (C-107/94, Colect., p. I-3089).


41 – Acórdão já referido na nota 12.


42 – Já referido, n.° 58.


43 – O que demonstra também a concessão de uma correspondente isenção fiscal a fundações estrangeiras nas convenções sobre dupla tributação celebradas, por um lado, com os EUA e, por outro, com a França.


44 – Deve referir-se, em especial, a Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, já referida na nota 33.


45 – V., por exemplo, acórdão de 26 de Junho de 2003, Skandia e Ramstedt (C-422/01, Colect., p. I-6817, n.os 42 e segs.).


46 – Acórdão Skandia e Ramstedt, já referido na nota 45, n.° 42, com remissões.


47 – Acórdão já referido na nota 12, n.° 59.


48 – Acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, já referido na nota 29.


49 – Ibidem, n.° 22.